QUEIMA-ROSCA - Segunda parte

Depois que acertei os detalhes com o queima-rosca, para ele fazer os serviços que eu desejava na fazenda, passei a entender mais o pobre coitado que havia adquirido um apelido, devido sua ingenuidade e boa fé.

Em decorrência do apelido, ele veio a sofrer outros constrangimentos ainda piores que aquele, quando, diante de todos, havia declarado sua condição de queima-rosca, embora não soubesse o que significava a palavra.

Quando ele terminou os serviços que eu havia empreitando, fui até a sua casa para acertar o que já fora executado. Enquanto conversávamos, passou uma camionete D-20, dirigida por um sujeito que parecia ser bastante alto e que além do enorme chapéu de fazendeiro, o bigode quase lhe encobria toda a boca, tal era o tamanho deste.

Ao passar em frente à casa do Zeca, deu uma buzinada, como se o cumprimentasse, mas, como não recebeu dele resposta, eu o questionei:

- Porque não respondeu ao cumprimento do seu amigo?

- Olhe doutor, aquele sujeito não é meu amigo, é um baitola.

- Mas, parece que ele lhe conhece muito bem, pois buzinou para você enquanto sorria.

- Pois é, eu não gosto nem de lembrar do que ocorreu entre ele e eu.

- O que? Agora você vai ter que me contar!

- Por favor, doutor, me poupe deste constrangimento.

- Bem, se você não contar eu pergunto para o Chico Maia, ele deve saber.

- Saber ele sabe, mas espero que não conte.

- Então é melhor, você mesmo contar.

- Só falo se o senhor prometer não dizer isso para mais ninguém.

- Prometo. Respondi-lhe

Queima-rosca coçou a cabeça, olhou para os lados para ver se havia alguém por perto e depois de alguns segundos começou:

“Bem, isso aconteceu já há muito tempo, eu tinha mais ou menos uns dezessete anos de idade. Naquela época a falta de emprego em nossa cidade era muito grande e, além disso, nos fins de semana sempre há festas, e todo jovem quer ir as festas para namorar e divertir-se. O grande problema, no entanto, é a falta de oportunidade de serviços e consequentemente a falta de dinheiro que possa custear as despesas e as festas”

Quando ele interrompeu a narrativa, pude fazer uma rápida analise. Pelo que ele já havia dito, parecia que tentava justificar o seu ato. Embora eu tivesse chegado à essa conclusão, preferi ficar calado e o incentivei a continuar

- Vamos Zeca, pode continuar.

“Num dia de sexta-feira, pela parte da tarde, eu estava em frente ao bar do meu tio, encostado no tronco da mangueira, quando aquele sujeito veio em minha direção e ao passar por mim, disse:

- Quer ganhar cinqüenta reais, rapidinho?

“Eu, que estava totalmente liso e sabia que ele costumava pagar bem àqueles que o satisfazia, concordei de imediato. Afinal, cinqüenta reais naquela época era uma verdadeira fortuna, para quem não ganhava aquilo nem no mês inteiro. Ele, vendo que eu demonstrara interesse disse”.

- Espere-me, dentro de meia hora no caminho do canavial, que eu lhe pego.

Naquele momento, pareceu que o Zeca pensou em parar a história, porém eu o incentivei:

- Vamos lá, continue.

“Pois é doutor, eu olhei para os lados, para ver se alguém havia me visto conversando com ele. Mas, como não havia ninguém por perto, saí dali rumo a estrada do canavial. Cinco minutos depois do combinado o carro dele apareceu na estrada e ao chegar perto de mim, parou e eu entrei. Ele dirigiu o carro por mais ou menos 10 minutos e em certa altura da estrada, parou o carro e descemos. Ele que é um bicha louca, foi logo arriando as calças e eu, depois de algum incentivo dado por ele, cumpri minha parte do acordo, embora me sentisse de certa forma envergonhado por ter chegado à aquele extremo”

Zeca parou a narrativa e foi naquele momento que notei que estava vermelho. Eu só não sabia se era de raiva ou de vergonha, mesmo assim o incentivei a continuar.

- Continue Zeca, e, depois?

- Pois é doutor, quando eu estava subindo as calças, o ouvir dizer:

- Agora é minha vez, tire toda roupa, pois não quero que você fique falando mal de mim por aí.

“Eu retruquei, alegando que não poderia ser, já que eu não era daquilo e não queria. Mas ele, tinha em sua mão direita um argumento que me fez pensar duas vezes antes de desobedecer”.

- O que ele tinha?

- Ele tinha na mão um revolver trinta e oito, apontado para mim, o que me obrigou a despir-se para satisfazer a vontade dele.

- E você consentiu?

- Sabe doutor, enquanto eu tirava a roupa fui bolando um plano na minha cabeça para safar-me dele. Depois de tirar toda roupa como ele havia exigido, embrulhei-as de forma que poderia tê-las em minha mão quando precisasse. Quando ele já se preparava para satisfazer seu desejo, colocou o revolver sobre o capô do carro e foi neste exato momento, que peguei minha roupa e saí correndo o mais que podia, por dentro do canavial. Eu corria em ziguezague, procurando evitar as balas do revolver que naquele momento eram detonadas. Como eu era mais novo e tinha muito fôlego, logo me distanciei do local, mas, ainda pude ouvi-lo gritar:

- Volte, volte querido, é brincadeira, eu não vou machucar você.

- E você voltou?

- Só seu eu fosse doido. Corri ainda mais e logo depois quando parei para vestir-me, notei que havia vários cortes nos pernas, braços e até nas mãos que ia abrindo caminho no espesso canavial. Já bem distante daquele local, rumei em direção à estrada e esperei até ouvir o ronco do motor do carro dele, que passava de volta para a cidade. Eu além de ferido, sentia-me humilhado e com raiva de mim mesmo, pois tive que voltar para cidade à pé e andei por mais de 12 kilometros, sob um escaldante sol da tarde. Quando cheguei a cidade, fui direto para a fazenda, onde eu poderia esconder-me por alguns dias.

- E qual foi a explicação que você deu as pessoas, para os cortes que tinha nas pernas, braços e mãos, conforme você mesmo disse?

- Bem eu disse que tinha visto uma onça no canavial e tinha saído correndo dela, por isso havia adquirido os cortes. Mas, o Chico Maia, quando notou que também havia cortes nas pernas, por baixo da calça, perguntou:

- Afinal, “queima” o que você estava fazendo sem calças quando viu a onça?

- Eu, vendo que ele havia descoberto minha mentira, fui obrigado a contar-lhe o que tinha realmente acontecido, por isso, pedi a ele que me deixasse ficar alguns dias ali na fazenda, para não encontrar-me com aquele sujeito.

Quando Zeca acabou de narrar sua triste história, eu não sabia se ria, ou se fazia troça da imprevidência dele. Mas, para não deixá-lo chateado por ter me contado mais aquele fato nebuloso de sua vida, preferi ficar calado, embora minha língua estivesse coçando, para perguntar se ele havia tido coragem, de cobrar pelo serviço que havia executado.

Talvez algum dia eu ainda pergunte.

27-05-09-VEM.

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 25/09/2010
Código do texto: T2519270