AS CHAVES DA CIDADE DE SÃO PEDRO

O saveiro, de cor azul, seguia velozmente pelo estreito Canal do Itajuru, em Cabo Frio, e em poucas horas chegaria ao seu destino. O vento sudoeste soprava fortemente e o popeiro segurava a cana do leme a fim de evitar o abalroamento nas margens do canal.

O esforço que o pequeno e raquítico homem fazia era descomunal para o seu porte físico, mas a sua experiência, era a responsável pela navegabilidade do intrépido barco Salitre.

De olho nas estreitas curvas que a natureza se encarregara de fazer com o passar dos séculos, o navegador via surgindo, a cada instante, amontoados em forma de pirâmides e de uma cor branco-marfim.

Os moinhos de vento... Oh ! Que beleza!...–Pensava João Nogueira. Navegador conhecido por senhor Nô. O mesmo não só era conhecido, mas respeitado por todos que o conheciam.

A sua habilidade em barcos não era mera coincidência: ele nascera dentro de um barco quando seus pais vieram da Bahia para o Rio, Guanabara, em 1889, um ano após a promulgação da Lei Áurea.

As rugas no rosto demonstravam que o mesmo era um negro trabalhador e que sempre estivera envolvido no trabalho de salinas, transportando sal de várias salinas até o porto São Pedro da Aldeia e que de lá, embarcava nos caminhões com destino a várias partes do país e também do mundo.

O contraste entre senhor Nô e a maioria dos nativos era marcante, já que a maioria dos nativos, descendiam da tribo dos Tamoios. Tribo indígena que margeava a Lagoa de Araruama e que a mesma lagoa banha várias cidades.

Sinhô Nô não morava em São Pedro. O mesmo morava em um pequeno povoado que pertencia a Cabo Frio; morava em Arraial do Cabo e todos os dias, velejador e barco, rompiam o mar aberto em direção à lagoa com o objetivo de transportar cloreto de sódio das diversas salinas até um local determinado.

Salitre não era o primeiro barco que o mesmo manobrava; antes de Salitre, manobrara Furacão, Lamparina, Deus-Me-Guie, Rei Netuno e tantos outros que não mais se lembrava. Mas, Salitre era o xodó do senhor Nô. Não era de sua propriedade, mas era o mesmo que fosse; pertencia à família Jargão. Uma família respeitada e tradicional na extração do cloreto de sódio nos benignos verões na Região dos Lagos.

A família Jargão tinha muita confiança no velho Nô a ponto de lhe dar total liberdade sobre o barco.

Mesmo suado pelo grande esforço, o pequeno grande homem olhava maravilhado as paisagens que surgiam e que, em poucos minutos, ficariam para trás, e no seu semblante surgia a expressão de felicidade e ao mesmo tempo, tristeza.

Felicidade, pelo dinheiro e trabalho que certamente chegavam aos trabalhadores; ao mesmo tempo, a tristeza pela depredação que o turismo geralmente deixa onde chega. Os moinhos, em movimentos, era como que se a porta do céu estivesse aberta a recepcionar Salitre e seu navegador.

Quase chegando a São Pedro os galpões, que a distância não passavam de construções em forma retangulares, iam então aparecendo os trapiches, onde o sal, que não era transportado a tempo, ficava armazenado para ser transportado posteriormente.

Muitas vezes, o sal teria que ser retirado dos quadros e armazenado nos trapiches antes da chegada do próximo inverno; a cada instante o barco e navegador iam se aproximando das salinas e da cidade. Silhuetas de pessoas com carrinhos de mão, silhuetas de pessoas com rodos puxando a sal-mora dos quadros e, que muitas vezes, seria preciso puxar até mesmo dos evaporadores. Com chapéu na cabeça a fim de proteger-se contra isolação, lentamente, aquelas silhuetas das pessoas iam tomando forma e seus rostos sorriam quando o saveiro atracava no ancoradouro.

Após os carregadores encherem o barco, mais uma vez Salitre seguia para mais uma de tantas viagens. Viagens aquelas que mais pareciam "rituais". Estamos falando de um barco e seu navegador; mas existiam vários barcos e navegadores; cada barco tinha a sua tripulação, seu comandante, suas viagens, seus heróis. Pois na nossa aldeia, cada um daqueles que se foram, eram e continuam sendo heróis da nossa História.

Hoje, quase oitenta anos passados, não mais estado da Guanabara e sim, Rio de Janeiro, temos bons pontos turísticos na nossa Aldeia, coisas impressionantes aconteceram; o turismo chegou, mais não conseguiu e não vai conseguir destruir o "paraíso" que os deuses nos ofertaram!

São cenas comuns em nossa Aldeia: o Canhão na pracinha, a Casa dos Azulejos, a Igreja da Matriz, as belas e tranqüilas praias de lagoas com suas límpidas águas, e o orgulho de todos, que aqui nasceram ou daqueles, que aqui não nasceram, mas que escolheram essa cidade como morada e que foram e são aceitos pelos nativos.

Muitas frases giram em torno de um símbolo tão conhecido na praça: o menino pede ao seu pai que o coloque sobre o canhão para que ele possa brincar de cavalo; a estudante, não se preocupa se a sua saia de normalista ficou suja pela ferrugem; o jovem, se escora enquanto acende um cigarro e aguarda a namorada; o mendigo, em sua ignorância, avalia o peso para vendê-lo ao ferro velho; mas o ancião, encosta-se e sonha com os tempos idos.... E ali, quase ao lado do Canhão, a Casa dos Azulejos permanece majestosa, como fora um dia, ou melhor; uma noite em que abrigara uma ilustre personalidade real; a Marquesa de Santos e toda a sua comitiva.

Ali próximo, há belas praias onde lindas mulheres enfeitam suas areias durante todo o verão. Sem falarmos na vegetação que ainda existe em São Pedro da Aldeia e que ainda está intocável. A paz é algo predominante e nos faz imaginar que essa aldeia tenha servido de refúgio dos deuses; a mesma paz que nos transporta ao mundo dos "sonhos".

Este rabisco teria maior perfeccionismo se escrito fosse por um nativo. Mas, escrito foi por um forasteiro que aqui chegou, mora , ama e que seu coração pulsa mais forte quando está em longínquas terras e escuta alguém comentar sobre São Pedro da Aldeia...

Aldeia dos Bentos, Saraças, Pedros, Franciscos, Josés, Marias, Nôs, Carvalhos... Nossa querida, fascinante e amada... CIDADE DE SÃO PEDRO DA ALDEIA!

Obs. está cidade fica na Região dos Lagos-RJ.

Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 11/12/2006
Código do texto: T315387