US CAIPIRA E A MUDERNIDADE
 
 
Os dois amigos de longa data, que jamais saíram daquela pequena cidade onde nasceram, construíram sua família e toda uma vida, encontraram-se, novamente, na pracinha do largo da Igreja matriz.
 
- Cumpádi Vicenti, mai qui tempão a gente num si vê, cumpádi!
 

- Mai num é, cumpádi Zézim.  Nóis num si avista dêisdu dia qui falêmu Du sumiço di Ritinha. U minino dela já tá inté istudanu...
 
- Cumpádi, u tempu passa dipressa dimais, né não?
 

- É, cumpádi... tempu num ispera ninguém! Passa i a genti nem toma cunhicimento. Cuânu si apercebe, já foi, num é?
 
- Pega aqui, cumpádi Vicenti, um cadim desse fumo bão dimais da conta.  Isprimenta procê vê.
 

- Ah, cumpádi Zézim, agora ocê falô coisa boa. Vâmu pitá qui é mió.
 
- Cumpádi, isturdia eu telefonei pra sua casa, pra sabê nutiça, mai ninguém me atendeu não...
 

- Cumpádi, se inzesti um treim qui num gosto, é atendê telefone. Esse treim é chato dimais! U povo liga, ô é pra dá nutiça ruim ô pra vendê coiza. I ocê mim cunhece, eu num compro nadinha a prazo, sô. A genti fica inrolado um tempão i num rezórve nada.
 
- Verdádi, cumpádi, ocê ta certim! Eu tomêm num compro nada dessas tranquêra caquelas muié vendi, pur telefone. Eu já dispensu na hora! Mai mi diga, cumpádi, ocê tava duente?
 

- Ah, cumpádi, eu num tive bão não... Andei ruim do istômo inté pensei qui ia morrê!
 
- Eu sube, cumpádi. O Tonho das gamela me contô, cuânu foi lá im casa levá umas incumenda pra patroa, qui pidiu pr’eli fazê. Mai, e agora, cumu cê tá, miorô?
 

- Tô é bão dimais da conta, sô. Dotô Março me tratô e fiquei tinino travêiz.
 
- Aqueli dotô é bão, sô. Eli já mi curô tomem dumas infequição. Mai vamu mudá di assunto, pará di falá im duença, sinão ela vem, né, cumpádi?
 

- Eita, esse fumim é bão mêmo, heim, cumpádi Zézim! Ondi ocê arrumô eli mêmo?
 
- Vêi da fazenda do Zeca Dumonti. Meu fio qui trôxe, cê sabi qui ele é capataiz lá do Zeca Dumonti, né...
 

- É eu sei, cumpádi. Faiz é tempo, né? ... Uai, sô! Óia só essa minina aí du lado de lá.
 
- Quem, cumpádi, quem? Tô venu não, me amostra ela...
 

- Ali, cumpádi Zézim, a fía do Tunico contadô. Pareci qui tá falanu suzinha, cuns trem pinduradu nas orêia.
 
- Hehehehe... Num tá falanu suzinha não, cumpádi Vicenti. Ela devi di ta iscuitandu musga e falanu nu tár du celulá. Coisa da mudernidade, sô. Cê num cunhicia não?
 

-Cunheço, ora... M’ia fia qui trabáia na capitá tem um, ele fala pra tudo qui é lado, mai eu num gostu desse treim não, cumpádi...
 
- Essi aí é dus mais muderno. Minha neta tem um. É telefone, cumputadô e toca musga, tomem.
 

- Deus me livre guarde, cumpádi Zézim... Eu num gostu de telefone não... Inda mais trazê eli juntu cumigo.
 
-Mas num gosta pur quê, cumpádi Vicenti. Telefone é bão dimais, é um instrumentu dos mais mió qui inventaru. A gente fala cum todo mundo oji im dia, inté nu Japão.
 

- Óia, cumpádi Zézim, eu num acho não... Tenhu inté medo di atendê o di lá di casa. Nus úrtimu tempo, é só nutiça ruim qui recebo nele. Méis passado, atindi o disinfiliz e era pra mi avisá da morte de Sá Maria, minha irmã mais véia qui morava lá im Sum Paulo. Fazia tempu qui eu num via ela e num era agora qui eu ia lá só pra vê ela morta, né... Interro, eu só vô nu meu!
 

- Ah, mais eu tomem, cumpádi Vicenti. Isturdia, tavo eu lá no quintár mexeno cum minha prantação de mio (qui já tá quaiz bão di coiê) e o danado tocô lá drento di casa. Curri pratendê e pur cauzo da correria, dei um trupicão num morrim qui quaiz ranquei meu dedão du pé. Xinguei tudo qui tava na minha frente, cumpádi, e cuânu cheguei lá o mardito já tinha parado di tocá. Cuânu vortei, o disgramado tocô – di novo! Curri e nada, a campainha parô ôtra veiz iantes d’eu chegá perto.
 

- Dá reiva isso, né cumpádi Zézim! E ocê num ficô sabeno quem era?
 
- Era minha fía, lá du Ridijanêro. Agora, pra num contecê mais isso, ela me mandô um telefone que num tem os fio. Eu carrego eli prondi eu fô.
 

- Ô, cumpádi Zézim, ocê ta antenadu c’as coisa da cidade grande, heim! Quarqué dia eu to veno ocê mudá pra lá...
 
- Vô não, cumpádi Vicenti, vô não... Eu num poçu ficá longi di Isabé, nem um dia. É ela qui misquenta os pé nu fríi, uai!
 

- Hehehehehe... ocê tá é certim, cumpádi. Nóis num temu mais idadi pra ficá longi das patroa não... Eu tomém num largo a Tiana pur nada nessi mundo!
 
- Eita, cumpádi Vicenti. Nóis é que tamo certo, né não? Hehehehehehe... Vamo simbora, cumpádi, qui as patroa já tão isperano a gente pru armoço.
 

- É isso memo, cumpádi Zézim. Mai óia, cumpádi, ocê num somi de novo não, viu? Sinão um di nóis morre i o ôtro nem fica sabeno...
 
- Credimcruiz, cumpádi. Inda vai demorá pra nóis batê as bota, uai! Hehehehehe...
Inté, mais vê, cumpádi.
 

-Inté quarqué dia aqui na praça, cumpádi.


 
(Milla Pereira)


N.A.:

  
Encorajada pelos textos de Maria Mineira, uma das melhores contadora de causos que conheço (pela qual tenho imensa admiração) dou continuidade à série “CAUSOS QUE OUVI CONTAR” iniciada com
os dois contos:
 

“Quem imbuchô a Ritinha” – publicado em 04/02/09
http://www.recantodasletras.com.br/contos/1421732
 
“Pur ondi anda a Ritinha?” – publicado em 04/05/10
http://www.recantodasletras.com.br/contos/2256206

 
 
 
 GENTE!!!! ESTE RL TÁ MALUQUINHO DA CABEÇA!
NÃO SEI SE VOCÊS NOTARAM, MAS SAIU UM OUTRO TEXTO,AQUI EM BAIXO, COMO SE EU O TIVESSE PUBLICADO.AINDA BEM QUE VOLTEI
E VI ESSE ABSURDO. JÁ O DELETEI...
CRUZ CREDO, AVE MARIA!