CONTOS A GRANEL
Por Carlos Sena


 
Eu vou lhe contar um conto. Mas eu poderia aumentar um ponto. Ponto de vista, ponto de luz, ponto de interrogação ou mesmo de exclamação. Ponto de cruz, talvez. Eu vou lhe contar que era uma vez uma voz. Uma voz sem vez.

Eu vou lhe contar que conheci uma criança que, embora na escola, não desenvolveu os substantivos, mas, os verbos. Ele não sabe dizer, por exemplo, que sua professora o mandou fazer a tarefa. Ele diz que a professora o mandou COISAR a tarefa. Perguntado acerca do que queria ser quando crescesse nos respondeu: POLICIAL.

Eu vou lhe contar que uma senhora, de tanto gostar de anéis, mantinha seus dez dedos cheios de anéis. Havia mais de um anel em cada dedo, inclusive. Além de gostar desses adornos em seus dedos, ela era curiosa ao extremo. Certo dia, uma pessoa passava conduzindo uma mala de viagem com direção a rodoviária da cidade. Ela saiu correndo, interceptou a pessoa e lhe pediu pra ver o que estava lá dentro. A condutora da mala, sendo sua conhecida, disse que não. Mas ela insistia, quase que salivando, querendo ver, de fato, o que estava lá dentro daquela mala. Voltando aos anéis: certo dia ela chegou à casa de uma amiga aos prantos. Urrava, segundo contam. Por que chora Dona Fulana? – Perdi um anel, respondeu. Ora, mas vão-se os anéis e ficam os dedos! – E pra que peste eu quero dedo sem anel? Dona Rosena era dessas loucas meio sãs que toda pequena cidade do interior sempre tem. Mas, nessas horas, ela tinha raios de lucidez impressionantes.

Eu vou lhe contar de quem não cantou. Era num circo mambembe. O locutor pediu a uma pessoa da plateia que fosse cantar uma musica que ganharia um bom prêmio, além de uma semana de entrada grátis no dito circo. Ninguém se habilitou e o locutor ficou insistindo. De repente: “vai fulana”, “vai fulana”, e a fulana foi. O que você vai cantar, perguntou o locutor. – “Nos verdes campos da minha terra”, de Aguinaldo Timóteo, disse. Começou a cantar, digo, a “bodejar”. Um horror. Não chegava nem a desafinar, mas esquecer da letra, do ritmo e de quase que falava o que seria cantar. A plateia começou a vaiar. Mas ela nem se intimidou. Era época junina e todos no circo entravam comendo milho assado. Dali a pouco, foi sabugo de milho em cima da moça, mas ela não saia. E mais sabugo de milho e ela não saia. Finalmente, levou uma “milhada” na caixa dos peitos disse que só sairia dali quando cantasse. Foi quando o locutor apagou a luz e retirou a moça toda lambrecada de milho e sabugo e muita vaia. Ela, certamente, viu que nem tudo que dá pra rir dá pra cantar. Dá conto, mas não canto.

Eu vou lhe contar de um NERD tupiniquim. Tratava-se de um rapaz muito inteligente, mas meio leso, como todo NERD que se preze. Boa gente tava ali. Acreditava em tudo que lhe diziam. Talvez para agradar e se sentir como parte dos grupos, pois seus pais não o deixavam ir pra rua brincar como os meninos normais brincam. A ordem que recebia era ESTUDAR, depois ESTUDAR. Certo dia, ele conseguiu uma folguinha dos estudos e foi a casa de uns poucos amigos que conhecia. Em lá chegando, o dono da casa e pais dos seus amigos lhe disse: “fulano, vai lá à ponte ver se eu estou por lá”. Pois não é que ele foi! Quando voltou foi logo dizendo esbaforido: “o senhor não tava lá não”. Todos riram. Mas ele ficou ainda assim sem entender...

Eu vou lhes contar que esses contos eu os contei em forma de histórias. Aconteceram na vida real nos meus tempos de infância. Os personagens, embora não nominados, existiram e tinham grande intimidade com a minha vida e da minha família no interior pernambucano.