CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU

Reunidos no restaurante “Boa Vista”, entusiasmados pelos nossos copos gelados, procurávamos armar algum programa para nos livrar do tédio daquele dia chuvoso e nublado, afinal, nós passaríamos aquela tarde juntos.

Na conversa, entre ir jogar uma sinuca no "Cuca fresca" e um carteado em casa, alguém lembrou que fazia tempo que não íamos assistir um bom filme no cinema. O papo fica no tema, eis que alguém lembra que nesta sexta, haverá o lançamento de um bom filme no Cine Iporanga: “Contatos imediatos de terceiro grau”.

Viajando em vapores etílicos, pedimos ao garçom um jornal da cidade de Santos e, ali ficamos sabendo o horário da próxima sessão.

Eis que o grande paisagista, urbanista e incinerador profano, Abade, me diz:

- Filder, olha lá o Vitinho na outra mesa, vamos convidar esse maluco para ir ver o filme conosco, está chovendo e ele está de carro novo.

Acertada a conta, fomos para a mesa dele. Ele estava nadando em líquidos rasos no fundo de uma garrafa de uísque. De martelo na mão, agarrado à patas de caranguejos martelava, babava e cuspia em tudo ao falar de coisas que nem mesmo ele entendia.

Naquela de conseguir a carona, convidamos ele para assistir o tal filme. Logo ele se entusiasmou com o programa. Devido ao horário, o Ricardinho Pinto disse a ele que teríamos que partir naquele momento. Ele se prontificou a nos levar no seu magnífico carrão, um Dodge Charger RT. Em quatro, partimos pelo "tapetão negro", rasgando uma densa neblina a beira mar.

Dirigindo bêbado, o Vitinho, antecipadamente, começou a viajar nos discos voadores luminosos trafegando à nossa frente. Ríamos muito; eram as lanternas acesas dos carros que ele conseguia ver através da neblina.

Lá chegando, em frente ao Cinema, ele estacionou na contra mão no “Pap’s lav-car” do nosso amigo, o grande ex-goleiro Santista, Lalá.

Na carioca, acabamos de matar o resto do litro de uísque no bico. Compramos ingressos e entramos na sala de espetáculos. A sessão já havia começado, estava passando o "trailer" do próximo filme à ser lançado.

O Vitinho sentou na poltrona ao lado do corredor central, o Abade ao lado dele, eu logo na seguinte e depois o Ricardinho Pinto.

O filme começou, com os olhos pregados na tela, não falávamos nada. O Abade às vezes me dava uma leve cotovelada para que eu prestasse atenção no Vitinho que, entusiasmado com o filme, estava com os olhos esbugalhados e roendo as unhas. Realmente o filme era impressionante, trazia a tona nossas fantasias espaciais e marcianas de infância, alcoolizados então, ah, voávamos mais alto ainda.

Estava tudo correndo bem, quando, para a nossa surpresa, não acreditamos no que presenciamos; na cena em que o imenso disco voador cintilante abre seus acessos inferiores, e os alienígenas vem buscar os convidados terráqueos para a viagem às galáxias, o Vitinho, calmamente se levanta, olhando fixamente para a tela, e caminha em passos de sonâmbulo pelo corredor central em direção ao filme, como quem fosse embarcar no enorme disco voador.

O Ricardinho assustado com a cena do Vitinho, disse para irmos embora imediatamente e deixar ele lá, pois daquilo ainda iria sobrar algo para nós. Em meio a vaias e aplausos, com o Vitinho subindo no palco à frente a tela, nos já atravessávamos rapidamente a porta de saída do cinema

Rindo muito, fomos para o estacionamento em frente e o aguardamos. Em minutos, vem o Vitinho agarrado pelo pescoço por dois fortes seguranças da empresa, tinha sido expulso da sessão.

Ele esbravejando e gesticulando muito, atravessou a avenida em direção a seu carro. Lá chegando, só não apanhou da gente porque o tempo estava chuvoso e dependíamos da carona dele para voltar à São Vicente.

Ele nos contou que quando subiu no palco, as luzes da sala se acenderam e, sob aplausos foi agarrado e retirado pelos seguranças e “lanterninhas” da casa. Como desculpa, ele disse para nós que o realismo da cena foi tão grande, tão forte, que ele achou que poderia embarcar no Disco voador alienígena. Fomos outro dia assistir o final do filme, claro, sem o Vitinho.

Estourando em gargalhadas, aquela noite eu mal consegui dormir, fiquei horas lembrando daquela cena hilária, coisa de maluco.

Ah! No dia seguinte, toda cidade de São Vicente ficou sabendo do ocorrido. Ninguém duvidou, não era novidade, todos conheciam o Vitinho, ele era louco de pedra, puro granito.

Hoje, ele deve estar navegando pelas estrelas, como queria fazer naquele dia nublado. Saudades de você!!

ZIBER
Enviado por ZIBER em 24/04/2007
Reeditado em 22/07/2014
Código do texto: T462715
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