Desde que fui ser assessor do Chefe, minha vida virou um inferno. Fui por mérito, por reconhecimento ao trabalho inovador. E, passados dois anos, o Chefe só não me expulsa daqui porque não pode, embora me odeie. Entre os outros assessores, felizmente, é comigo que menos conversa, embora, por intermediários, peça meus pareceres. Culminou a crise entre nós quando pediu que lhe mandasse os originais do trabalho científico que realizei para que entrasse na Academia sem ter produzido nada. Somos uma rede de muitos pontos de localização aqui em Belvedere. A administração da rede local cabe ao Chefe, mas o Chefe do Chefe comanda a rede nacional da empresa. E é o Chefe do Chefe que determina minha permanência aqui, nesta baia de paredes de Eucatex, com um computador na frente, responsável pelo processamento estatístico dos nossos dados e pela interpretação e publicação dos mesmos dados. Foi quando soube do sucesso da apresentação do trabalho em um Congresso Internacional que o Chefe teve a ideia de roubar meu trabalho. Quando me exigiu a entrega incondicional dos originais, entreguei. Na ocasião, mentiu ao dizer que fora o Chefe dele que o forçara a se candidatar à Academia. A rede também é uma rede de intrigas e o Chefe do Chefe gostava de mim, não faria isso comigo, com ninguém, talvez. Abaixo do Chefe, no térreo, há um Diretor que está sob a chefia do Chefe, que por sua vez é Chefe dos seus subordinados. Cabia e cabe ao Diretor a gestão dos recursos humanos da rede, ele é quem decide quem fica mais perto ou mais longe do centro de decisões em seu nível; mas claro, se o Chefe do Chefe ou o próprio Chefe mandarem o Diretor trocar fulano por beltrano de um lugar alfa para um lugar beta, o Diretor tem de atender ao pedido-ordem de quem está na cadeia superior. Subi debaixo para cima, por méritos, não sou um bajulador, resulta que conheço os subalternos do Diretor, eu mesmo já fui um deles. Oras. Quando o subalterno X me ligou, naturalmente atendi ao telefone. - Stanislaw Balner, por favor, me tire daqui, é muito longe de casa, vim parar aqui não sei o motivo. Mas eu sabia. Sabia que X fora chantageado, que isso tornara insuportável sua vida, ao ponto de divorciar-se da mulher, que nunca mais quis olhar para a sua cara. X fora filmado em uma orgia bissexual, isso, com uma garota e um cara que se alternavam nas libidinosas maldades. Seria muito difícil manda-lo embora com tantos anos na empresa. O Chefe então o mandou para longe. O que ele vinha pedir a mim, jamais poderia atender, mas para desconversar disse que iria ver o que poderia fazer. Isis, assessora de recursos humanos, ouviu o que eu disse para X, que eu iria ver o que poderia fazer, de antemão sabido que não faria nada, não moveria uma palha. Não disse nada para o Chefe, mas foi dizer ao Diretor que eu ia mexer com subordinados dele, entre os quais eu já estivera. Quando o Diretor me chamou, fui lá ao gabinete dele com a única proposição de ouvi-lo, embora ele não pudesse mais mandar em mim. - Balner! Se você mexer com meus subordinados eu vou cobrir você de porrada. - Você está maluco, alguém da sua subordinação foi mexido? Mandaram você mexer com alguém?! - Não. - Não posso deixar de atender ao telefone quem quiser falar comigo, embora não peça nada para ninguém. Já acontecera uma vez de um Ex-Diretor ter batido em um subordinado. Não quis deixar, sendo inocente, que me tocassem na cara, apesar de o Diretor ser mais forte que eu que além de mais fraco não ser bom de briga. Exceto por algumas noções de judô, que poderia ser útil. Voltei para minha baia de Eucatex. Na baia ao lado, Isis fumava um dos seus trinta a quarenta cigarros por dia. Chaminé. Melhor esquecer, não vou encher minha cabeças de fumaças, nem adiantaria tomar qualquer atitude contra Isis, mulher de confiança do Chefe que outro dia mesmo o convidou para jantar em sua casa.
Desabafei, pronto!
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 16/04/2017
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