O VELHO FULGÊNCIO

O velho Fulgêncio era muito simples.

Era daqueles que além de analfabeto, acreditava em quase tudo que lhe falavam.

Honesto e disso se orgulhava, mas tinha dentre todos seus herdeiros um filho que o deixava sempre preocupado.

Zeca, esse era seu nome, era tido como o “ carga torta ou ovelha negra da família”, não por ser um mau elemento ou criminoso, mas pelo fato de viver enchendo a cara de cachaça. Onde tinha uma rodada de cachaça, lá estava ele. Por diversas vezes foi levado para casa desacordado, tal era a embriaguês em que se encontrava.

Seu Fulgêncio, embora acostumado a lidar com aquele problema, tinha enorme preocupação. O que seria do filho quando ele viesse a falecer e lhe deixasse como herança razoável patrimônio?

Alguns amigos, para vê-lo ainda mais perturbado, brincavam dizendo:

- Fulgêncio, sabe o que o Zeca vai fazer com a herança?

- Não, o quê ?

- Ele disse que irá montar um alambique só para ele.

Fulgêncio escutava as piadas e ficava quieto, afinal seu filho não lhe dava nenhum motivo de contentamento.

Esteve procurando ajuda em diversos hospitais e até mesmo com os AAA, procurou curar o único filho do vício.

Suas filhas mulheres nunca haviam dado problemas e estavam todas bem casadas, mas o Zeca, ele sim, era um grande problema.

Viúvo há muito tempo, o Fulgêncio resolveu que não iria deixar nenhuma herança para nenhum filho, então chamou um genro e disse-lhe:

- Pereira, quando eu morrer mande abrir um fosso muito grande e me enterre com todo meu gado e o que eu possuir.

E completou:

- Sei que não irá se importar, porque já é bem de situação e não precisa de herança.

- Mas por que o senhor quer ser enterrado com sua boiada?

- É que não quero deixar nada pro Zeca, para ele não morrer de beber.

- Mas, meu sogro, para que tanto trabalho, basta o senhor vender tudo que tem, me emprestar o dinheiro e leva um cheque meu.

O velho cofiou o queixo onde mantinha uma barba rala, olhou para cima como se raciocinasse, depois falou:

- Hummm... Sabe Pereira, você é mesmo um sujeito honesto, acho que vou fazer isso mesmo.

Dias depois o velho vendia as terras, o gado e até mesmo a casa onde morava.

Passou a morar em casa alugada, emprestou o dinheiro para o genro e recebeu um cheque em garantia, para levar no caixão quando morresse.

Quando o velho Fugêncio faleceu e a única herança que deixou para os filhos foi o aluguel da casa para ser pago, uma vez que não teve tempo de pagar o aluguel daquele mês.

O cheque nunca foi encontrado, alguns dizem que ele deve tê-lo engolido. Sem nenhum documento para ser cobrado, o Pereira foi o único que se beneficiou da herança do sogro.

O Zeca continuou tomando todas suas cachaças, pagas pelo cunhado que preocupado com a saúde dele, fez enorme seguro, tendo como beneficiário somente a sobrinha do infeliz cachaceiro.

Naquele dia, quando foi atropelado por um caminhão desgovernado que invadiu a calçada, o Zeca estava sóbrio.

Pereira, quando soube do trágico acontecimento, sussurrou baixinho para si mesmo:

- Acabamos de perder um grande homem, agora é só reclamar e receber o seguro.

04-01-08

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 10/01/2008
Reeditado em 07/08/2008
Código do texto: T810886