ALHO, CURA AIDS ?

Eles estavam ali em férias escolares.

Contavam suas aventuras e suas vantagens e falavam de coisas que nem tinham acontecido, mas davam entonação de serem professores no assunto.

Enquanto os dois adolescentes se vangloriavam de suas conquistas e do caso que haviam tido com a Marineide, cabocla de pouco mais de 20 anos que morava na fazenda do tio, não viram que esse, por traz da porta, ouvia atentamente os detalhes das aventuras amorosas deles.

Alex, com apenas 19 anos, querendo parecer mais adulto do que era dizia:

- É, primo, na primeira vez que nós ficamos juntos, eu dei quatro rapidinho nela.

- Só?

Replicou Taffarel.

- Pois fique sabendo que naquele dia que foi a minha vez, eu dei cinco.

Ele tinha apenas 15 anos, mas já tentava cantar como um galo adulto.

Eles estavam tão preocupados em tentar demonstrar ser mais macho que o outro que não notaram a presença do tio que se encontrava do outro lado da porta, escutando tudo.

Eles ficaram assim por mais de hora e cada um ia contando suas vantagens e aventuras que haviam tido com a fogosa Neide, como era conhecida.

No dia seguinte, o tio, querendo pregar uma peça nos dois, chamou seu irmão e combinaram dar uma lição de forma que pudesse servir de exemplo e até colocá-los mais atentos ao que se passava no mundo.

Na hora do almoço, sentados à mesa, tio Chico, como era chamado, iniciou a conversa.

- Coitadinha dela.

Ele fez uma expressão que até parecia haver alguma coisa de errado.

- Quanto tempo o médico lhe deu de vida?

Perguntou Guilherme, também tio dos adolescentes, que havia combinado pregar a peça nos dois.

- Parece que, no máximo um ano.

- Mas ela ainda não apresentou os sintomas?

- Não, segundo o médico, dentro de, no máximo dois meses, os sintomas começarão. E arrematou:

- Se, pelo menos tivesse se prevenido ou comido alho durante a primeira semana...

- É, mas como poderia ela saber que o namorado estava contaminado?

- Tem razão, neste caso é difícil.

Enquanto eles falavam, os meninos, sentados à mesa, ouviam sem entender bem de que eles estavam falando. A curiosidade, no entanto, foi mais forte. Alex, por ser mais velho, ousou perguntar:

- O que aconteceu, tio?

- A Neide, coitada, deve ter, no máximo, um ano de vida.

- Por quê?

- Está com AIDS, replicou o tio.

Enquanto exclamava e interrogava ao mesmo tempo, ele olhou apreensivo para o primo e disse:

- Com AIDS, a Neide ?

- Sim, qual o problema.

- Nada, não, mentiu Alex.

Chico, sabendo que já fisgara o peixe mais graúdo, reiniciou o diálogo, tentando não mostrar interesse ao mesmo. Ele, no entanto, queria que os jovens o questionassem para conseguir inocular neles um pouco mais de medo e passar-lhes a receita milagrosa da cura e salvação.

Com a pausa deste, o mais novo perguntou:

- Tio, que história é essa do alho que o senhor falou?

- Alho, que alho?

- O senhor disse que se ela, pelo menos tivesse sabido há tempo...

- Ah, sim! Se ela tivesse sabido que o namorado estava contaminado e houvesse iniciado o tratamento com alho, imediatamente teria evitado a doença.

- Como assim? Quis saber o Alex.

Pronto! Os peixes haviam engolido a isca. Agora era só dar linha e esperar para ver o resultado.

Para dar o retoque final ao assunto, Guilherme entrou na conversa e disse:

- O problema é que se ela houvesse sabido nos primeiros dias e tivesse iniciado um tratamento à base de alho, teria evitado a doença.

- Como é esse tratamento? Quis saber o Alex.

- Bem, a pessoa que houver tido relação com outra contaminada com o vírus da AIDS, tem que comer, no mínimo, uma cabeça de alho por dia, durante uma semana, sem interrupção, que ele consegue evitar a contaminação pela doença.

- Verdade?

- Claro! Arrematou o Chico.

Os adolescentes se olharam como se tivessem encontrado um pote de ouro no fim do arco-íris e respiraram fundo, aliviados.

Ao fim do almoço, os irmãos saíram e os sobrinhos ficaram com suas elucubrações.

- Será que vai dar certo? Perguntou o Taffarel.

- Claro que dá. Respondeu o Alex.

Enquanto eles planejavam a próxima semana de suas vidas, os dois irmãos, que haviam saído para olhar o gado no pasto, não se continham em gargalhadas, imaginando o que iria acontecer.

No dia seguinte, a empregada chegou para o patrão e disse:

- Seu Chico, o senhor comprou alho ontem como lhe pedi?

- Claro, por quê?

- É que não achei onde o senhor disse que estaria.

Chico já sabia o que estava ocorrendo, não abriu o jogo para a empregada, apenas arrematou.

- Devo ter esquecido, vou até a cidade e trago mais.

Aproveitando-se da ida à cidade, comprou duas réstias de alho e trouxe para a fazenda. Ele sabia que o consumo seria grande naquela semana.

No segundo dia, durante a hora do almoço, um forte cheiro de enxofre era exalado dos jovens, que nem mesmo tinham notado a transformação que estava ocorrendo com seus odores.

Enquanto transcorria a semana, todo o dia Chico olhava discretamente para a réstia de alho para ver se o consumo estava sendo grande.

Os meninos, depois do café da manhã reforçado, saíam dizendo que iam pescar e só voltavam a hora do almoço.

Sempre que saíam, pegavam duas cabeças de alho e levavam para a beira do rio, onde, depois de descascado iam comendo avidamente os dentes de alho, sem se importarem com o hálito, tampouco com o ardor na boca.

No sexto dia, o alho estava praticamente acabando, então o tio, querendo encerrar o castigo aos garanhões do pedaço, falou alto para eles ouvirem:

- Maria, o alho já está acabando? Esse era o nome da empregada.

- Pois é, seu Chico, não sei o que está acontecendo não, senhor.

- Esquisito! Eu trouxe duas réstias e só tem um pouco em uma...

- Vocês, por acaso, sabem de alguma coisa? Perguntou aos adolescentes.

- Bem, tio, tem um negócio que nós precisamos falar pro senhor.

- O que é?

- Aqui não, só em particular.

- Está bem, vamos ao curral e vocês contam o que está ocorrendo.

Quando chegaram ao curral, eles, mesmos sem graça e de certa forma acanhados, iniciaram o diálogo:

- Sabe, tio, é que depois que nós soubemos que a Neide está com AIDS, nós resolvemos iniciar o tratamento para não ficarmos contaminado.

- Tratamento, que história é essa?

- O senhor não falou que quando se tem relação com uma pessoa contaminada com AIDS, se comer uma cabeça de alho todos os dias, durante uma semana, evita o vírus?

- E vocês acreditaram nisso?

- Não é verdade, não ?

- Claro que não!

- Então quer dizer que nós vamos pegar AIDS?

- Por quê?

- Nós pegamos a Neide mais de uma vez.

- Verdade?

Ele falava de um jeito que parecia ser inocente e que nunca havia sabido das peripécias dos rapazes.

- Tio, naquele dia o senhor falou, quando o Tio Guilherme estava aqui, sobre o problema da Neide.

- É mesmo e vocês acreditaram naquilo?

- Sim.

- Pois fiquem sabendo que aquilo foi uma peça que eu quis lhes pregar, para respeitarem as minhas funcionárias.

- Quer dizer que ela não está contaminada nem vai morrer?

- Claro que não, seus bobos, tudo isso foi armação minha e do Guilherme, para fazer vocês aprenderem.

Eles se olharam e, depois de algum tempo, começaram a sorrir de alegria e saíram rápido rumo ao rio, naquele dia iriam pescar de verdade.

Enquanto os dois se afastavam alegres e sorridentes, deixando para trás um forte odor de enxofre, o tio não conseguia conter as gargalhadas.

A empregada, sem nada saber do ocorrido, perguntou:

- Seu Chico, o senhor está se sentindo bem?

- Claro e nunca me senti melhor.

Sente-se aí que vou contar-lhe o que ocorreu. Depois de relatar todos os fatos, a empregada, enquanto gargalhava, dizia:

- Seu Chico, coitadinhos dos meninos, logo eles que detestavam alho!

Ainda hoje, transcorridos seis anos, sempre que vêem alho, ou alguém toca no assunto, eles caem na gargalhada.

-18-02-08-VEM.

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 19/02/2008
Reeditado em 27/09/2010
Código do texto: T865850