AQUI SE PLANTA, AQUI SE COLHE.

No interior do município de Pelotas, viveu uma família de descendentes de alemães. Tinham seis filhos, todos de pouca idade. Trabalhavam de sol a sol plantando e cuidando de suas plantações. Milho, legumes e hortaliças não faltavam em sua mesa, pois, a plantação e a horta eram de dar inveja. Eram prósperos e felizes.

Passado um tempo, veio a seca e tornou áridas muitas áreas vizinhas à sua propriedade, mas, a família unida, sempre trabalhando, conseguia retirar da terra o sustento e criar seus filhos.

Num lindo dia de sol, domingo, foram todos à igreja do povoado próximo para participar do cerimonial religioso. Ao voltar para casa ficaram , todos, estupefatos com o que viram. A horta estava completamente destruída e o milharal parcialmente derrubado e danificado. Um prejuízo irreparável. Foram imediatamente em busca do motivo que determinou o acontecimento. Haviam cortado os arames da cerca que protegia a plantação e o gado do vizinho entrara e promovera todo aquele caos.

Aprofundando suas buscas chegaram à pessoa que cometera a maldade. Fora o filho do vizinho que carregava em seu coração o ciúme pelo sucesso da plantação que possuíam, mesmo sem mediar o quanto era custoso trabalhar tanto para manter aquela beleza. Ficaram, no primeiro momento, revoltados com o maldoso vizinho.

Os anos passaram-se e seus filhos foram crescendo e seguindo sua caminhada pela vida. Dentre todos houve um que ao servir as fileiras do Exército Brasileiro voltou para casa com alguns problemas mentais o que fazia com que não raciocinasse muito bem. Mesmo com esta deficiência o rapaz tinha momento de extrema lucidez e coerência com seus pensamentos.

Determinada manhã, nublada, sombria e ventosa, o rapaz pôs-se a olhar para o céu chamando seus pais para vir até o terreiro em frente à casa e dizia:

Olhem, vejam, ele está chegando. Não tem nem alma mais. Veio arrependido pedir perdão!

Todos olhavam para o céu e nada viam. Por algum tempo olhavam, mesmo com a dificuldade da luminosidade prejudicada do dia, nada enxergavam.

- Vejam, prosseguiu falando, aí vem ele pedir o perdão pelo que nos fez quando acabou com a nossa plantação e até fome nos fez passar. Ele não tem alma, mas, precisa de nosso perdão para que fique em paz.

Nisso vê-se um grande urubu caindo do céu, estatelando-se no chão do terreiro. Chegou e ficou pousado, olhando, estático, como se assustado e submisso. Parecia mesmo que o sentenciado pelo rapaz era a grande verdade.

Como poderia aquele rapaz, que embora tenha sofrido junto com a família aquele episódio, nunca saberia descrevê-lo , pois possuía poucos anos de vida quando acontecera? Por outro lado, também, nunca mais se havia comentado dentro de casa sobre o acontecimento. Mais ainda, estando sofrendo de problemas mentais como saberia de detalhes tão importantes? A família guardava revolta e ressentimento, mas como passar dos anos tudo havia ficado esquecido.

Foram horas a fio de meditação sobre o que estava acontecendo, e, o urubu ali estava sem arredar o pé.

Em determinado momento, reflexões trouxeram a palavra PERDÃO e a concordância da família para com “ele”, ali representado pelo urubu em busca de sua libertação. Assim foi feito.

A ave alçou vôo e sumiu no céu. O tempo abriu-se em belo dia de sol como em Ação de Graças. A família sentiu-se aliviada do fardo da mágoa e do ressentimento que carregava durante tantos anos em seus corações, e “ele” se libertou para a vida eterna junto ao Criador.

Do livro "Crônicas, Contos e Poesias" editado em 2007 pela Gráfica da UFPel e lançado na 35ª Feira do Livro de Pelotas.

Publicado na Antologia de Contos Fantásticos - 12º Volume - Pág. 53, da Câmara Brasileira de Jovens Escritores - março de 2008.