O Poeta Digital - Um Pequeno Romance

Dedicado ao meu primeiro amor e musa inspiradora.

Maio, 2005

Chovia torrencialmente durante aquela noite. Virei de lado na cama, de encontro à parede azul de meu quarto, trazendo os travesseiros acima da cabeça para evitar o barulho da forte rajada de vento e das densas gotas de água que batiam com intensidade em minha janela. Percebi que o lençol em meu rosto estava encharcado por minhas lágrimas como as águas de um grande rio: inesgotáveis.

Eu a amo. Eu preciso dela, assim como o ar que respiro. Eu a amo e eu não posso agir sem provas. Aquele cara está enganando-a fria e grotescamente. Aquele assunto que me importunava há algum tempo, agora tirava-me o sono.

Não havia sido uma noite agradável ao meu coração. Descobrira que minha amada havia passado seus últimos dias junto a Carlos, seu melhor amigo ou irmão, como ela sempre se referia a ele. Nunca senti boas intenções por parte dele, mas nada podia afirmar ou negar, razão pela qual não comentava o assunto com ela.

Meus poemas de amor pareciam não encantá-la. Acho que ela preferia o ritmo do “funk” de Carlos quando comparado ao meu mundo de versos de amor. Palavras feitas especialmente para ela, palavras que brotavam do amor que sentia, e que cada vez aumentava mais.

Isabel era uma linda menina, mas, ao contrário de seu “irmão” que só prezava seu corpo de atriz de cinema, era a beleza interior desta jovem que me conquistara. Possuía um enorme coração onde guardava seus dons: bondade, carinho, amor e amizade. Todo morador dele sentia-se acolhido e protegido de todos os males.

Definitivamente, Carlos não merecia ocupar um lugar tão reservado nesse coração. Não me importava mais namorar Isabel e sim descobrir quem era Carlos evitando que ela sofresse no futuro. Agora, eu me perguntava como faria tal proeza.

Conversas digitais

Acordei no dia seguinte para mais uma manhã de aula. Levantei-me de um pulo e observei um quadro pendurado na parede retratando uma final de Copa do Mundo. O futebol: uma grande paixão. Porém, foi impossível não pensar em trocar aquele quadro por uma foto dela. Seria uma grande prova de amor.

Dirigi-me ao banheiro e enxagüei o rosto exageradamente. A idéia de que Isabel estava pensando naquele cara a maior parte de seu tempo me perturbara a noite inteira e pela manhã percebi que estava com os olhos inchados de sono. Aos 13 anos, um jovem prestes a revelar-se um poeta quase morria por seu primeiro amor.

Longe dela eu me sentia como um jogador de futebol sem bola, uma praia sem sol, um avião sem asas ou um jardim sem flor. Um poeta que não pode viver sem seu amor.

Como explicar a Isabel que é amor? Agora é amor verdadeiro! Tive algumas paixões anteriores. Nada que me fizesse amar tanto como estava amando agora. Eu amava apenas um corpo bonito e nada muito além disso. Eu não passava de uma criança que mal saíra das fraldas. Porém, agora tudo havia mudado. Eu amava uma mulher, no auge de seus 14 anos. Uma adolescente linda, porém, que guardava sua maior beleza em seu coração. E era por causa desta grande beleza que eu a amava desesperada e loucamente.

Cheguei atrasado na escola, porém, já havia me acostumado com isso. Não que fosse mau aluno, pelo contrário, tinha boas notas, porém, acordar cedo não era meu ponto forte. Isabel passou por mim e com carinho falou comigo e, obviamente, respondi alegre. Porém, na escola a nossa relação era simples e pura. Algo breve e educado.

- Tudo bem, minha linda? - cumprimentei entusiasmado.

- Tudo. É bom receber um elogio assim logo cedo - respondeu rindo carinhosamente e, ao mesmo tempo, afastando-se puxada por Carlos.

Por outro lado, através do computador a situação se invertia. Conversávamos horas e horas, debatíamos, chorávamos, ríamos. Ela me contava tudo que pensava e sentia. Contava até dos namorados, quando eu tocava no assunto, e eu a ouvia, ou melhor, a lia e fornecia todo o apoio necessário. O meu amor era indescritível e em dado momento, a única coisa que me importava era a felicidade dela. Contemplar seu sorriso sincero era meu melhor presente.

Na maioria das vezes, conversávamos sobre Deus. Ela me fazia diversas perguntas e eu tinha alegria quando lhe contava quem e o que era Ele ao meu ver. Com isso, Isabel perdeu diversos medos e pensamentos estranhos que a cercavam. Havia me apaixonado.

Logo, ela dizia que também me amava como amigo. Ainda havia, porém, o misterioso e hipócrita Carlos.

Pela noite, a tempestade caía de meus olhos e empapava as cobertas. Essa situação não podia continuar. Eu tinha que tomar uma atitude.

Desabafo e poesia

Na manhã seguinte, Carlos conversava com algumas meninas em frente ao portão principal da escola. Eram garotas bonitas e usavam shorts curtos que exibiam toda a sensualidade de pernas bem definidas. Nenhuma, porém, possuía a beleza interior de Isabel. Mas, esta era a beleza que aquele cretino menos valorizava ou sequer sabia que existia.

- Vamos à boate hoje? Há uma nova aqui no bairro. Estou doidinha por você e lá parece ser o lugar perfeito para que você desfrute o gosto de meu beijo, meu lindo - sugeriu uma garota loura e alta em tom baixo e sensual deixando Carlos excitado.

Não esperei que ele respondesse a pergunta e subi correndo o hall de escadas de granito em direção à sala de aula. A resposta dele seria óbvia demais.

Carlos chegou à sala minutos depois exibindo um sorriso maroto e lançando-me um olhar que era um misto de ameaça e ódio. Neste momento algumas peças do quebra-cabeça encaixaram-se, porém, várias delas ainda estavam escondidas debaixo do tapete.

- Mais feliz hoje, irmão? - questionou Isabel dando alguns tapinhas no ombro de Carlos.

- Não, tudo na mesma - falou sem visualizar os olhos castanhos dela e, ao mesmo tempo, tentando imaginar a sensação de estar beijando aquela gatinha malhada pela noite.

O que ele queria com Isabel? Ele teria coragem de trair minha amada? Pelo que conhecia de seu caráter, sabia que a resposta era sim.

Eu podia revelar tudo a Isabel, mas, refletindo, tudo que falasse sobre o caráter duvidoso dele poderia ser em benefício próprio. Porém, eu não tinha a mínima intenção de obter proveito da sem-vergonhice de Carlos.

À noite entrei no bate-papo com esperança de que Isabel estivesse lá. E estava:

- Você sabe que eu não confio muito nele, fique atenta, minha linda. Eu te amo, sou louco por ti - falava preocupado e com certo receio dela perceber que meu pior inimigo era seu melhor amigo.

Isabel respondeu:

- Eu te amo tanto, você se preocupa comigo. Fica tranqüilo. Estarei atenta - ela estava sempre preocupada comigo - Eu te amo muito - completou em letras maiúsculas.

No dia seguinte, abri um editor de textos em meu micro e comecei a escrever alguns versos sem nexo. Falava de meu amor, da confusão em que havia me metido. Porém, aquelas palavras, apesar de belas, não possuíam um elo de ligação entre elas, nem continham todo o meu coração. Resolvi inspirar-me em Fernando Pessoa.

Li muitos versos dele e percebi que não podia ter medo de usar meu talento nas teclas do teclado. Tentei novos versos. Agora, tudo fluía e aos poucos as palavras invadiam a tela do computador. Guardei tudo na esperança que Isabel pudesse ler o que eu havia escrito. Agora, bastava esperar o momento ideal. Na escrita, desabafei tudo e de alguma forma liberei-me de uma carga que possuía há muito tempo. Aquela paixão virara pura poesia. Tornei-me um poeta digital com uma musa real:

Ah, tormento que eu não posso confessar

O que escrevo é a verdade, eu não minto,

Eu declaro tudo aquilo que eu sinto

E é o outro que teus lábios irão beijar...

(Pedro Bandeira, A Marca de uma Lágrima)

Rosto angelical

Não podia negar que aquele assunto me preocupava. Isabel estava sendo traída neste exato momento enquanto eu estava sentado em minha cama, sem nenhuma ação, com a cabeça remoendo tudo aquilo e com o coração que se contraía ao lembrar que aquele canalha estava roçando seu corpo ao de outra menina. Ele poderia estar agora, sentado num banco com Isabel admirando as estrelas do céu e trocando juras eternas de amor. Mas, pelo seu baixo nível de inteligência, ele preferia beijar alguém sem cultura, comparado a estar de mãos dadas com aquela princesa chamada Isabel.

Naquela segunda-feira, ganhávamos um novo colega de classe. Era um garoto forte, mas, possuía a cara que as garotas buscavam nos homens. Sentou-se atrás de mim e logo se apresentou como Paulo. Tentava um começo de conversa toda a vez que ocorria a pausa em decorrência da troca de professores. Mostrou-se simpático e prestativo. Conquistara a minha amizade.

O alarme que sinalizava o início do recreio tocou estrondosamente, como de costume. A turma levantou-se como uma orquestra em harmonia e estava formado aquele tumulto inicial no corredor. Aguardamos a confusão e depois, conversando, rumamos ao pátio principal. Em poucos dias, éramos amigos eternos. Conversávamos sobre os mais variados assuntos sempre com um tom de ironia.

Sentia que ele aproximava-se cada vez mais de minha musa. Também conversavam muito e algo estava no ar. Certo dia, os dois trocavam sorrisos, interrompidos por minha chegada. Aquela situação se repetira algumas vezes durante aquela semana. A felicidade de Isabel era crescente. Carlos não ficava mais tão colado a ela e as visitas dele tornaram-se escassas. Ela estava apaixonada. Não considerava aquilo uma traição. Eu havia dito a Paulo que gostava de alguém, mas, nunca revelara um nome.

Pedi que ela me contasse tudo para confirmar ou não minhas suspeitas. Realmente, estava apaixonada, mas, ocultara o nome do felizardo. Mas, não era preciso ser um gênio para descobrir de quem se estava falando. Razão pela qual, nunca confessei a Paulo que gostava dela, pois tinha medo que ele terminasse tudo em nome de nossa amizade. Essa não era minha intenção, pois Isabel nadava num mar de rosas há alguns dias.

Talvez nascesse um novo casal de namorados na turma. Carlos também não andava muito satisfeito com a situação que se instalara, porém, permanecia em suas tentativas de aproximação. Tornaram-se mais ousadas e agora eram constituídas basicamente por ataques fulminantes de abraços e beijos. Isabel não o excluíra do posto de “irmão”, mas, todos haviam percebido que eles não estavam tão próximos quanto antes. Não desisti de desmascará-lo, pois minha amada ainda corria riscos. Esperei pela possível recaída de Isabel provocando a queda do namoro. Em Carlos, ela encontrava um confidente fiel.

À noite era certo: Isabel estaria na sala de bate-papo, conversando com Paulo ou contando às meninas todos os detalhes do namoro.

- Novidades, Isabel? - perguntei na esperança de saber mais sobre a sua situação atual.

Isabel demorou mais tempo que o normal para responder:

- É isso que queria te contar: estou namorando - Mesmo numa sala de bate-papo “online” eu percebi que ela não queria me magoar. É claro que não queria. Ela sabia que eu a amava.

Abandonei a sala e o computador rapidamente. Afundei na cama de meu quarto escuro e olhei para os adesivos brilhantes que formavam um céu em meu teto.

- Ela está mais feliz do que nunca e Paulo é gente boa - conversava comigo mesmo - Seria injustiça estragar a alegria de meu melhor amigo e, principalmente, de minha melhor amiga e de meu primeiro grande amor.

Paulo viria aqui amanhã para jogarmos videogame e conversarmos um pouco. Mostrei-lhe meus versos que poderiam ser para qualquer garota, pois não continham nome. Ele admirou meu talentoso trabalho.

- Ah, se eu tivesse todo teu talento, eu escreveria para minha namorada todo dia. Por falar nisso, te contei que estou namorando uma garota linda? - um grande sorriso invadiu seu rosto, porém, tinha um olhar distante, assim como Carlos.

- Não - tentei não demonstrar minha tristeza.

- É a Isabel. Ela é tudo de bom. Uma gata, você concorda? - esse foi o primeiro adjetivo que lhe veio à cabeça.

- É... mas, você a ama? - questionei preocupado.

- É... - pausou e respirou profundamente - Amo. Mas ela é uma gata -reafirmou. Parecia-me que essa era a única qualidade dela que ele conhecia e, sendo assim, amava.

A campainha tocou e tive uma repentina sensação de alívio por poder sair do quarto. O clima havia ficado pesado para meu coração. Na porta, estava o porteiro que havia subido para contar-me dos últimos acontecimentos do condomínio. O papo estendeu-se e chegou aos campos de futebol. Minutos depois, ele partiu alegando ter que limpar o segundo andar, comumente, o mais trabalhoso. Retornei ao quarto.

Paulo colocava algo debaixo de seu casaco.

- O que suas mãos procuram em seu casaco? - perguntei curioso.

- Estava... apenas guardando...

- Guardando?

- Um livro que tenho que entregar ao meu coroa. Estava lendo um pouco enquanto você atendia a pessoa na porta - sua voz saiu firme e consultou seu relógio digital - Ah! Que droga! Estou em cima da hora. Meu pai já deve estar me esperando.

Despedimo-nos com um abraço e o acompanhei até a entrada do prédio. Lá, ele montou em sua moto, conhecida pelos adolescentes como “Scooter”, e seguiu pela rua em direção ao pôr-do-sol. Pude perceber que a moto estava mais rápida que o normal.

Passei a semana em que completaria 14 anos de vida estudando para os últimos testes do ano. Estranha e felizmente, aquela semana passou como um avião: voando. Em decorrência disso, não liguei meu micro e estacionei na escrita de poesias. Afinal, aquelas poesias deveriam chegar a Isabel ou serem deixadas no mar do esquecimento? Isabel estava feliz. Por que estragar esse momento com minhas poesias?

- Eu a amo! - gritei aos quatro ventos - Tenho que estar feliz, pois, o amor da minha vida está feliz.

Rastros

Meus pais marcaram uma festa em comemoração ao meu aniversário no fim das avaliações. Por questões de educação, tive que chamar Carlos e ele compareceu. Havia bastante espaço livre em meu apartamento e bastava apenas colocar uma música “funk” para que todos se sentissem numa boate. Mas, mesmo assim, continuava a odiar esse tipo de música. Será que isso merece ser chamado de música?

Isabel e Paulo foram os primeiros a chegar. Eles vieram de mãos separadas. Provavelmente, ela queria evitar um constrangimento logo no dia de meu aniversário. Mais uma vez, Isabel me surpreendeu. Porém, isso não evitou que os dois ficassem num namorico discreto durante grande parte da festa. Paulo tentou beijá-la, mas, Isabel virou o rosto dizendo que o amava. Ele procurou-me.

- Poeta, eu preciso falar com você - sua cara mostrava a irritação dele.

- O que houve? Algo com Isabel? - perguntei aflito.

- Estamos namorando e ela não quer me beijar. Vira o rosto e só diz que me ama.

- Ora! E um namoro com amor é feito somente de beijos? - deixei-o sem resposta.

- É... - gaguejou - Não...você está certo - olhou para mim desolado.

Será que ele a ama? Eu teria tanto a dizer mesmo sem beijos, teria tanto carinho a dar, tanto a declarar, a papear. Ora, deixa de ser bobo! Paulo é excelente pessoa e namora Isabel porque a ama.

A festa continuou a rolar: alguns meninos dançavam com as meninas bem arrumadas, enquanto um grupo disputava partidas de futebol virtual em meu quarto. Algumas vezes, eu passava por lá com a desculpa de levar refrigerante e alguns suculentos salgados para verificar se estavam apenas no jogo. Afinal, seria o caos se eles lessem minhas poesias.

Após o bolo, já tarde da noite, grande parte de meus amigos haviam sido buscados pelos pais. Isabel mandou carinhosamente Paulo para sua casa dando apenas um beijinho na testa como despedida. Ele saiu como um cavalo indomável que espuma de raiva. Isabel era a única a permanecer. Dirigi-me ao sofá que ela estava e sentei-me.

-É... eu vi que você não quis beijá-lo - dei início ao assunto.

- Ele te contou “né”? Eu sei que você me ama, não queria te machucar. Eu te amo também só que como amigo. Você entende? - vi uma lágrima escorrer pelo seu lindo rosto e a retirei.

- Você o ama, não é mesmo? - solucei - estou feliz porque você está feliz. Aprendi que quando se ama de verdade não precisa ter aquela pessoa ao teu lado e sim alegrar-se quando ela está alegre.

- Queria retribuir esse seu amor que é tão lindo - pausou e escolheu as palavras certas - um dia, alguma garota linda vai amá-lo desesperadamente e você vai amá-la muito também. Alguém melhor do que eu.

Não tive tempo de juntar as palavras e formular uma nova frase.

- Desculpa se eu te magoar agora, mas, me responda: você acha que Paulo ficou “bolado” por eu não ter beijado ele hoje?

- Quando a gente ama, - desta vez Isabel teve que retirar uma lágrima de meu rosto - não importa se nosso amor nos beija ou não. O que verdadeiramente importa é estar junto, trocar juras de amor e sorrisos. É dizer: -aproximei-me de seu ouvido - eu te amo.

- Você é lindo sabia?

- Sou não. Estou cheio de espinhas - retruquei ironicamente.

- Estou me referindo à beleza interior, bobinho. Como não pode ser lindo alguém que nos deixa melhor em apenas um segundo? - sorriu.

Isabel era assim: deixava qualquer poeta sem resposta. A única coisa que consegui fazer foi estampar um enorme sorriso e abraçá-la fortemente. Aquele era o abraço que tanto sonhava e veio justamente no dia de meu aniversário. Isabel correspondeu ao abraço me apertando ainda mais forte. Seu rosto tocou o meu de lado e pude sentir seus cabelos longos colarem em minha pele.

Meus pais chegaram à sala após o momento mais especial daquela paixão e avisaram que minha convidada mais especial estava com sua mãe aguardando-a na portaria. Isabel foi a única que acompanhei até a saída do prédio. Despediu-se com um sussurro no escuro da noite:

- Eu te amo.

Meu coração encheu-se de alegria e também sussurrei:

- Eu também te amo, minha musa.

Aquele momento inspirou-me e deu novo ânimo na escrita de poesias. Estava disposto a declarar ao mundo todo o meu amor. Naquela noite, esqueci-me de Paulo e Carlos e sonhei com ela. Aquele foi o melhor sonho de minha vida.

Acordei cedo naquele domingo e animei-me a voltar à escrita de meus versos. Liguei meu computador, ocioso desde semana passada, em poucos minutos e comecei a buscar meus trabalhos literários. A pasta “Poesias” se localizava na tela principal. Selecionei-a e espantosamente aparecera uma mensagem no centro da área de trabalho: “Local não encontrado. Por favor, verifique se seu disco rígido está instalado corretamente.”

Não acreditando ou não querendo acreditar, tentei acessar as poesias novamente. O erro se repetira. Por um momento, pensei em gritar de dor. Uma dor que nunca havia sentido. Uma dor que saía cortante do coração e entalava na garganta. Minha última esperança era examinar o micro internamente. Segurei com firmeza uma chave de fendas já consumida pela ferrugem e retirei os parafusos da carcaça do computador. Percorri com os olhos todas as peças do micro. Tudo estava perfeitamente encaixado até que pousei o olhar sobre os discos de memória. Eram dois. Eram.

Roubaram meu HD! Roubaram meu HD! - espumei de raiva, enquanto por dentro, meu coração partia-se, como uma bala que atinge um espelho indefeso.

Aquele era um crime perverso. Um crime capaz de matar um poeta. Porém, aquela era uma charada fácil: Carlos me assaltara na noite passada. Era óbvio.

Sinto muito, Carlos. Desta vez você falhou - sussurrei.

O álibi

As cartas certas surgiram em minha mão. Nenhuma daquelas brigas havia sido em vão. Carlos confirmara minhas suspeitas sobre seu caráter. Não tive nem o trabalho de tramar uma armadilha. Bastou convidá-lo para meu aniversário.

Pensei em pedir ajuda a Paulo, porém, teria que lhe confessar tudo. Estava de fronte a um crime. Era vítima e detetive. Como agir agora? Com certeza, Sherlock Holmes saberia responder-me.

Mas, eu não era e nem tinha Holmes como amigo. Esperei um pedido de resgate do HD. Carlos poderia pedir-me a autoria dos versos ou pedir algum tipo de cola durante as provas. Mas, o pedido de resgate não veio.

-Qual foi a tua, moleque? - tive que chegar ao nível do vocabulário de Carlos para que ele me compreendesse - bom plano, imbecil. Você chega conquistando a Isabel, só por ser gatinha, e agora rouba meu HD... - fui interrompido.

- HD? Está me chamando de ladrão? O que eu iria querer em seu HD, se eu já tenho Isabel para mim. Basta dar um sopro para que esse namoro caia - seu tom era ameaçador.

Minha mão encontrou seu rosto com um peso a mais. É claro que ele era o ladrão.

Paulo não desconfiou de minha alteração de comportamento. Estava empolgado com seu namoro. Sempre me falava que Isabel era linda, mas nunca de seu bom coração.

- Isabel é uma gata e nosso namoro vai tão bem que só nos beijamos - afirmava.

Isso não é namoro, isso não é amor. Senti vontade de retrucar, mas, ele me entenderia? Ele entenderia que Isabel é muito mais que uma gata, como ele dizia? Mas, a partir daquela semana surgira uma nova pergunta. Ele a amava?

A briga com Carlos provocava algumas faíscas que refletiram em meu comportamento. Certo dia, peguei-me em uma discussão em meio à explicação do professor de geografia sobre a Guerra Fria. Mas, agora, minha guerra com Carlos já havia ficado quente demais.

- É isso que você quer ouvir? Você quer ouvir que eu roubei seu HD? - pausou e descansou - Então, esteja satisfeito! Agora você pode correr e contar tudo a sua “namoradinha” - sua voz saiu em tom gozador - mas, me deixa em paz, garoto!

Parecia aos ouvintes que ele era o “dono da moral”. Ele esperava, neste momento, que eu corresse para contar tudo a Isabel. Afinal, ele virara réu confesso. Porém, por qual motivo ele entregaria seu plano? Justo quando conseguiu roubar meu pertence mais valioso?

Não pude confessar nada a Isabel pela falta de provas. Restara-me esperar pelo aparecimento das poesias.

-Você não sabe da novidade? - Isabel demonstrava um enorme sorriso - Estou recebendo diversas poesias por dia. Elas chegam aos montes.

- E o que você achou delas?

- Quem as escreveu possui um verdadeiro talento. Alguém sensível, honesto e carinhoso. Um homem que me ama e que me quer bem. O tipo de homem por qual me apaixonaria.

Os elogios ganhavam uma carga extra de valor quando vindos dela.

- Ah... ninguém manifestou-se? - algo me dizia para não revelar tudo a ela.

- Não. Vou perguntar a Paulo - o sorriso novamente invadira seu rosto.

Isabel enroscara-se cada vez mais naquele laço. Não havia sido Paulo que lhe enviara as poesias e sim Carlos. No dia seguinte, Paulo e ele conversavam em baixo tom. A conversa estava no fim quando me aproximei.

- Claro que pode. Afinal, sexta-feira é dia - as gargalhadas chegavam ao outro lado do pátio.

Paulo deixou Carlos sozinho no meio do pátio e começou a tomar o caminho da aula ao meu lado. Continuava a contar-me sobre o namoro e já achara diversos defeitos em Isabel. O principal: nada de beijo durante o horário escolar e essa regra adequava-se ao recreio também. Era o motivo da irritação dele. Por diversos momentos, pensou em encerrar o namoro. Nesses momentos me mantinha calado para não chamá-lo de imbecil. Passou a valorizar somente os beijos dela. Era boa pessoa, porém, se esquecia diversas vezes da chamada beleza interior. Cabia a mim lembrá-lo sempre.

Isabel continuou a receber as minhas poesias através de meu inimigo e ele, continuava a dar a mesma desculpa.

- É nisso que você quer acreditar. Acho que um verdadeiro criminoso não confessaria seu crime a troco de nada.

Pela primeira vez na vida, Carlos falara algo inteligente. Além do mais, como ele iria ter conhecimento de meu talento?

Podiam acusar Paulo, mas havia me tornado seu álibi.

O valor de um sorriso

Naquela sexta-feira, Isabel exibia seus belos dentes em seu belo sorriso. A felicidade invadia seu corpo e aquilo refletia em sua beleza. Quando ela sorria, esquecia-me de meus problemas. Em suas mãos, carregava um bloco repleto de anotações que não parara de ler durante toda a aula.

À tarde, decidir andar na praia e tentar esquecer aquele amor que nunca seria correspondido. Havia um grande rochedo que se localizava na divisa entre duas faixas de areia. Ao aproximar-me percebi que uma linda adolescente de cabelos soltos contemplava o mar em seu azul infinito. Mesmo ao longe, reconheci que aquela era minha musa.

Pus-me em ritmo de corrida e cheguei à base do rochedo em poucos minutos. Lá, ecoava uma voz:

- Era metade de mim, era pedaço inocente, pois eu era quase nada e pensava que era gente - Isabel não pôde completar a poesia.

- Entre aqui dentro, Isabel. Aqui não há nada de mal, mas vais achar em meu peito um verdadeiro arsenal! - completei enquanto abraçava Isabel.

- Você? É exatamente o que está escrito aqui - seus olhos brilharam - ele nos trapaceou.

- Ele? Qual é o valor “dele”? - o mistério acabara ali.

- Percebi que ele estava mais romântico - contemplou o infinito e continuou - as poesias eram suas e Paulo estava... - abaixou sua cabeça.

- Paulo? Como? - havia sido traído por meu fiel companheiro.

Os olhos dela encharcaram-se e sua cabeça balançava negativamente. Paulo golpeava-me fortemente. As poesias continham meu amor. Amor que ele nunca teve por Isabel.

- Passei a amá-lo por causa das poesias. Mas, era tudo falso. Era um ser frio e que não me amava. Ele encontrou em suas palavras a fórmula para manter o namoro. Eu nunca amei esse homem. É você que eu amo. Esqueça de todas as vezes que eu não aceitei seus pedidos de namoro. Por favor, esqueça! - pausou e tomou fôlego - Eu te amo! - gritou com os olhos molhados.

Isabel aproximou-se de meu rosto com todo o seu calor. Esquivei-me enquanto lágrimas invadiam meu rosto.

- Não posso. Não consigo - meu coração chocara-se com a razão – Viajarei ao exterior.

Decidi então viver a nossa amizade. De que adianta um namoro bobo? Concluí que isso possivelmente deixará mágoas. Afinal de que vale um namorico assim?

Uma onda explodira junto às pedras próximas. Isabel recuou assustada.

- Não pode. Você não pode viajar. Nós nos amamos.

Esboçou um choro, cabisbaixa. Mas, logo se levantou alisando carinhosamente meu rosto e sorriu. Quando sorria parecia trazer todo o brilho do sol em sua face. Essa era uma face angelical e dentro dela existia um verdadeiro anjo.

- Podia beijar-te agora - falei pausadamente - mas, nenhum beijo compara-se a observar esse lindo sorriso.

Abracei Isabel e acariciei seu rosto enquanto sussurrávamos palavras de amor. Aquela amizade era eterna e um namoro ganharia um tom de melancolia, quando a separação fosse inevitável. Ela era uma garota linda e ainda teria diversas paixões, diversos namorados, amantes, poetas. Muitos serão esquecidos, mas, nossa amizade ficara eternizada depois de tudo ali vivido. Ganhara algo que poucos namorados ganhariam: toda a sinceridade e todo o valor de seu sorriso.

Álbum de recordações

Mudei-me do Brasil alguns dias depois do acontecido. Aquela paixão eterna solidificara-se e virara amor. Um amor que nunca seria arrancado de nós.

Os anos voaram. Isabel sempre teve diversos namorados e admiradores. Alguns a amaram firmemente, na tristeza e na alegria, e esses eram os namoros mais duradouros.

Em Atlanta, cidade americana para qual me mudei, vivi alguns romances à moda antiga. Grande parte de meus namoros iniciaram-se a partir de minhas poesias. Namorei lindas meninas, mas, possuíam também a beleza mais especial das mulheres: a beleza interior. Alguns namoros naufragaram nos primeiros dias enquanto outros duraram diversas primaveras. Mas, apenas uma menina despertou em mim um amor tão bonito quanto aquele que sentia por Isabel. Um namoro vivido intensamente.

Isabel casou-se com um escritor e com ele teve seus filhos. Minha alma gêmea também me aguardara. Logo quando a vi, senti que ela era o amor da minha vida. Hoje, estamos prestes a comemorar 20 anos de uma união eterna onde o amor sempre reinou.

Tive um casal de filhos: meu maior tesouro. Enquanto meu filho prefere os esportes, minha filha revela-se uma poetisa digital. Sempre que ela deseja namorar, conto-lhe a história deste Poeta. Ela, então, analisa o possível namorado e toma a decisão correta.

Ainda tenho no coração as lembranças deste romance. Um romance sem beijos, porém, nenhum Shakespeare pode colocar defeito. Hoje, sei que os beijos sem esperança corroem-se com o passar do tempo, enquanto o amor de amigo, o amor que comecei a sentir naquela praia, permanecerá guardado em nossos corações e quando nos recordarmos dele não haverá mais lágrimas, pois nossas faces serão dominadas por um sorriso único e eterno.

Pescador de Olhares
Enviado por Pescador de Olhares em 15/11/2009
Código do texto: T1925388
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