CONTO DE AMOR, NO NATAL.

 

Thiago, meu filho de sete anos era fissurado em papai Noel. Durante o ano, sempre me perguntava se estava perto do natal. Como ele não tinha noção dos meses, perguntava-me se faltava muito ou pouco. Confesso que não sabia passar pra ele essa dimensão, mas arrisquei dizendo que quando chega o São João é porque para o natal só falta uma outra metade de tempo. Usei o São João porque no Nordeste é uma festa marcante que mexe com todos, mais ou menos como o natal. Thiago era o meu segundo filho de um casamento que não deu certo. Quando me separei de Leonora, Thiago tinha dois meses de nascido. Fui abandonado por ela porque a minha firma faliu e ela não soube mais viver sem algumas regalias financeiras e materiais. Com a separação, a nossa casa foi vendida (era um dos poucos bens que restaram) para dar metade a ela que queria voltar pra São Paulo onde seus pais moravam. Depois eu soube que o real motivo da separação tivera sido um antigo namorado que melhorara de vida e aceitou ela de volta. Com ela foi a minha filha de quatorze anos Camila, que, parecida com a mãe também preferiu ir com ela talvez pelos mesmos motivos da mãe. Tentei ficar com os dois, mas Camila não aceitou ficar comigo, embora soubesse que Leonora fez sua cabeça no sentido de uma suposta vida boa que levariam em São Paulo. 
Um belo dia – era dezembro antevéspera de natal, quando eu me levantei Leonora tinha ido embora levando consigo nossa filha. Eram seis horas da manhã daquele dia quando um bilhete foi deixado no berço de Thiago. Esse bilhete guardo até hoje, embora já marcado pelo tempo e borrado com alguns pingos de lágrimas por mim derramadas sobre ele. Sentei na cama do lado e, enquanto Thiago dormia profundamente, eu comecei a ler: “Meu filho, estou voltando pra São Paulo. Lá espero ser feliz, porque na companhia do seu pai eu só tive muito trabalho. Vou levando sua irmã que um dia, quem sabe, você a conhecerá. Ela é linda e já está uma mocinha que, em breve, deve estar namorando. Não te levo comigo porque eu terei que trabalhar e não teria com quem te deixar. A casa que eu ficarei em São Paulo  é pequena e só tem um quarto que ocuparei com sua irmã. Não sei se um dia seu pai vai deixar você ler esta carta, mas não me leve a mal. Estou deixando você porque não quero deixar seu pai sozinho, pois talvez tendo você por perto ele se recupere, arranje um trabalho e lhe dê uma vida de conforto. Se ele encontrar outra mulher, poderá  até registrar você como filho dela. Se já rapaz você pensar em me conhecer, esqueça. Eu quero apagar de vez seu pai da minha vida e, conseqüentemente, você. Depois de amanha é Natal, vamos ver se ele vai ter dinheiro pra te dar um presentinho. Feliz Natal e até nunca mais.”
Chegou o Natal trazendo consigo a escuridão para o meu mundo, principalmente por conta de Thiago para quem o futuro se apresentava nebuloso. Em nossa casa (ainda não tinha entregado ao novo proprietário), apenas um fogão de lenha, uma TV antiga falhando, pouca louça e duas cadeiras de plástico na cozinha, era o que dispúnhamos. O bercinho de Thiago foi presente do padrinho e a única coisa que Leonora não vendeu pra ir embora. No dia de Natal, sozinho, o padrinho de Thiago – antigo funcionário meu da firma, foi me buscar para jantar com ele. Não fui. Enchi os olhos de lágrimas, coloquei as mãos sobre a bíblia que se encontrava no tamborete e, silenciosamente, fiz uma prece. Meu compadre foi embora. Peguei Thiago, forrei o chão com um colchonete velho e o deitei comigo para assistirmos a missa do galo que a Rede Globo iria transmitir diretamente do quartel do Derby, na capital pernambucana.

Assisti à missa e Thiago só dormiu, ignorando meu estado. Lembrei da minha casa cheia quando eu tinha mesa farta com os melhores vinhos e queijos – diante de mim só o vinagre da vida e os buracos dos queijos que a minha vida se meteu. Acordei de manhã com meu filho chorando. Dei seu leite, fiz um cuscuz e comi seco, me engasgando, pois não tinha café e o leite só dava pra Thiago.

Hoje, sete anos depois de ser abandonado, administro nesta época, a fissuração do meu filho por papai Noel. O mais estranho é que ele não me pede presentes. Ele fica feliz com a época, mas quando chega perto do dia ele entristece e até chora. Penso, às vezes, que ele sente que foi abandonado nessa época pela mãe. Sempre quando ele vai dormir eu conto histórias, mas perto do natal, tenho que falar da vida de Jesus, dos Reis Magos, da Estrela-Guia, da Manjedoura, de Herodes, de Jesus, Maria e José.

O tempo passou e eu não tive mais notícias de Leonora, nem quero. Eu soube que minha filha, dois anos depois tinha ficado grávida, mas o pai não assumiu a criança. Provavelmente deve estar junto com a mãe se prostituindo na cidade grande. Até hoje não consegui recuperar minha firma, mas trabalho para um antigo funcionário meu a quem eu muito ajudei no passado. Ele me colocou em sua loja como gerente e eu tenho conseguido dar uma vida digna a Thiago. Comprei uma pequena casinha num subúrbio e na qualidade de pobre temos tudo. Meu filho é estudioso, sagaz, perguntador. Outro dia me perguntou: - “Pai, por que você não se casou de novo?”. Disse-lhe que tudo tem seu tempo e que eu estava casado com meu emprego e era feliz assim, vivendo pra ele. Por isto que você tem que estudar, filho! É a herança mais sólida que lhe deixo, falei pra ele. Na verdade eu tenho uma companheira. Mas eu não quis misturar as coisas e ela tem a casa dela e eu a minha. A gente se encontra pra curtir nos finais de semana e é tudo muito bom. Certamente Thiago não alcança que nós temos um caso.
Este ano, novamente, o natal me coloca na berlinda com Thiago. Embora quase com oito anos, ele só dorme quando eu conto alguma história sobre o natal. Ontem, quando fui me preparando para lhe contar uma história (um remake, pois o repertório estava curto), ele me saiu com essa pérola: “Papai, conte uma história diferente. Faz de conta que o meu quarto é a manjedoura. Eu sou o menino Jesus. Então você vai contar o nascimento de cristo sendo que você vai ser JOSÉ. Você colocaria minha mãe como Maria? O meu padrinho seria um dos reis magos? Quem, do seu conhecimento, seria Herodes? O que os Reis Magos me dariam no lugar do ouro, incenso e mirra?” Desagüei num choro sem fim! Não tive alternativa diante de tudo que Thiago me pedira. Quando ele me viu naquele pranto, me beijou , pediu desculpas, mil desculpas. Mandou-me fechar os olhos. Agora abra, falou. Hoje eu sou seu Papai Noel. Está aqui seu presente. Abri o pacote. Era um porta-retratos com um desenho que ele fez na escola. Ele desenhou meu rosto e o dele, coladinhos. Embaixo a frase: “eu amo meu pai, ele é meu papai Noel de toda vida”. Naquele dia eu adormeci com ele na mesma cama. Quando eu imaginei que com aquela apoteótica história da noite anterior eu não precisava mais contar nenhuma outra, ele me saiu com com um episódio inusitado na noite seguinte: era antevéspera de NATAL(coincidência!). Fui colocá-lo pra dormir, como de costume, mas ele me disse que queria agora uma história real. – Como história real, perguntei! Ele me mostra um bilhete e diz que quer saber daquela história. "Tim Tim por Tim Tim". Era o bilhete que Leonora tinha deixado quando nos abandonou. Ele, fuçando, nas minhas gavetas o encontrara, mas agora eu tinha mesmo que contar tudo, do jeito como a coisa aconteceu. Contei tudo. Choramos juntos. Depois sorrimos juntos – um misto de alegria e tristeza. Desde aquele dia, a gente tem vida nova. É como se a vida não nos cobrasse mais nada. Como dizem os Psicólogos, eu e Thiago fechamos a GESTALT da vida, em pleno Natal. Finalmente chegara a noite de Natal. Pela primeira vez, depois da separação, eu vou iria ter condições financeiras de fazer uma ceia pra nós dois, mas primeiro nós fomos assistir à missa do galo ao VIVO, na Praça do Derby, pois foi um pedido de Thiago que eu não tive como me recusar em atender. Retornamos da missa e fomos jantar. Em plena ceia, percebi que Thiago tinha feito uma árvore de Natal com galhos secos de mato. Não tinha bolinhas coloridas, mas ele pendurou confeitos, ou bombons, como se fossem bolas. Perguntei pelas luzes, ele me disse: - não estás vendo? Tem duas luzes aqui e você não as vê? - Você está ficando velho, querido pai, respondeu! Meu coração e o seu são as luzes desta noite de Natal! Abraçamo-nos, jantamos e fomos dormir.


FÉ-LIZ NATAL A TODOS.