Imagem: Campo coberto por vinhedos e vinícola na cidade de Bento Gonçalves (RS)
 


TRECHO DO MEU LIVRO - 2

Betina olhou os campos e sorriu. Eram realmente lindos. Da janela da pousada Terra da Luz, onde era recepcionista, podia vê-los, a perder de vista. Campos cobertos por vinhedos, que ficavam na cidade de Bento Gonçalves, no Sul do Brasil.
Apesar do sol e do céu muito limpo o frio ainda era bastante intenso. Mas ela já estava acostumada. Amava viver ali, apesar de não ser sua terra natal. Mas foi onde escolheu viver quando ficou sozinha no mundo. Não quis continuar morando na pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, após a morte dos seus pais. Desde criança gostava muito do Sul e escolhera Bento Gonçalves pela sua beleza exótica. Achava-a uma região muito parecida com a Europa, mas com a vantagem de estar em seu país. E aquele lugar realmente a havia conquistado, com suas pousadas românticas, seus ambientes acolhedores e suas paisagens espetaculares.
Muitas tardes havia passado caminhando sozinha pelo Vale dos Vinhedos, onde são produzidos os melhores vinhos do Brasil. Andando sem destino descobriu lindos casarões de pedra, iguais aos da região de Vêneto, na Itália.
Às vezes parava, sentava no chão e pensava, quase sem acreditar, que já se haviam passado quatro anos desde que chegara ali... desde que perdera seus pais.
Realmente o tempo passara depressa. E durante esse tempo fizera muitos amigos, tinha um trabalho que amava, conhecia muitas pessoas todos os dias e, sobretudo, amava andar por aqueles campos maravilhosos quando não tinha nada para fazer. Aquela imensidão de uvas que se estendia por quilômetros, espalhando um aroma delicioso no ar...
Contudo, tinha a nítida sensação de que mais uma vez precisava partir. Só que ainda não sabia para onde. Mas, esse era o seu destino e precisava segui-lo!
Depois do trabalho foi direto para casa. Fazia muito frio. Sentia vontade de ficar sozinha naquela noite.
Apesar do frio a geada desaparecera. Seria uma noite de céu claro com muitas estrelas. Gostava de ficar durante horas olhando as estrelas. Demorava-se olhando para uma ou outra, como se a estivesse reconhecendo, como se cada uma delas fosse uma pessoa amiga. Nesses momentos era como se sua alma flutuasse lá em cima, juntinho à lua, e fizesse parte do encanto da noite escura, iluminada pelo brilho das estrelas que faiscavam. Era uma espécie de passeio solitário que lhe trazia uma paz imensa.
Desde criança sempre amou a lua, o céu e a noite. Sempre foi fascinada pelo desconhecido, por outras vidas. Mais de uma vez foi surpreendida pelos pais, enquanto conversava com seus amigos imaginários (desejando ardentemente que eles existissem de verdade), além de amar e acreditar piamente em duendes, gnomos, bruxas e fadas.
Isso causava neles certo desespero, mas sempre mantiveram a esperança de que ao se tornar adulta “essas coisas”, como eles diziam, fossem esquecidas.
Enganaram-se totalmente: com o passar do tempo Betina foi se mostrando cada vez mais uma mulher dotada de uma sensibilidade e um misticismo fortíssimos. Seu maior desejo era encontrar sua alma gêmea. Além disso, estava decidida a ir em frente, até últimas conseqüências para chegar às suas raízes. Desejava percorrer o mesmo caminho que, num passado muito distante, haviam percorrido suas ancestrais. “Suas” porque sua intuição lhe afirmava que em todas as suas outras existências teria sido sempre uma mulher. 
Tomou banho, preparou algo para comer e sentou em frente à janela.
Sua cabeça dava mil voltas. Pensava freneticamente na maneira de realizar o maior sonho de sua vida. Sonho esse que nos últimos tempos havia se tornado seu principal objetivo, quase uma obsessão.
Mas... por onde começar? A quem pedir ajuda? Ali, apesar de conhecer muitas pessoas, não havia ninguém que compartilhasse com ela dessa tendência mística, ou alguém em quem tivesse confiança suficiente para revelar coisas tão íntimas.
Pensou em seu pai: ao contrário de sua mãe, foi nele que encontrou apoio quando lhe explicou o que realmente desejava da vida. Mas, quis o destino que ele se fosse tão cedo!
Levou a mão ao peito, emocionada com a lembrança do pai. Olhou de novo aquela lua no céu – tão real e clara quanto seus pensamentos. Não, não desistiria! Jamais!
Pensou no namorado. Ele também não compartilhava com ela do mesmo interesse. Era muito diferente dela, apesar de amá-la profundamente. Não entendia como podia gostar tanto dessas coisas de misticismo, magia, espíritos dos antepassados. Muitas vezes, discutindo essas questões, chegavam a brigar seriamente. Tanto que passavam vários dias sem se ver. Nem mesmo se falavam ao telefone, pois nenhum dos dois queria dar o braço a torcer acerca de suas opiniões.
Mas, depois de alguns dias, era sempre ele quem ligava:
– Amor, não agüento mais de saudades...
– Então vem logo me ver, seu bobão! – ela dizia.
À tarde ele a esperava à porta da pousada. E após pararem em algum lugar para comprar algo para o jantar, seguiam direto para a casa dela.
Chegando em casa ela tomava um banho e preparava o jantar. E ambos se sentiam muito felizes por estarem juntos de novo. Mais tarde, deitados no sofá, abraçadinhos, conversavam muito. Sobre muitos assuntos. Menos “aquele”. Betina já aprendera que ele, como professor de Matemática que era, jamais conseguiria aceitar e muito menos acreditar no que ela acreditava. Ele acreditava somente naquilo que podia comprovar com seus cálculos, seus teoremas, suas fórmulas matemáticas. Fora isso, nada o convencia. Não insistiria mais – decidiu.
Naquela noite não queria discussões. Heitor era um homem lindo, olhos castanhos penetrantes, pele morena, sensual, além de ter um temperamento forte que fazia seu sangue ferver. Enfim, era um homem que a envolvia. Não tinha tanta certeza de amá-lo como ele a amava, mas gostava muito de estar com ele, apesar de saber que isso não bastava. Podia ser loucura, mas... tinha certeza de que ele não era o homem da sua vida! A pessoa com quem tanto sonhava e que deveria estar em algum lugar desse mundo à sua espera. Sim, porque acreditava firmemente que todas as criaturas que nascem aqui na Terra têm uma alma gêmea que a completa. E que temos que procurá-la até encontrá-la, ou jamais conheceremos a verdadeira felicidade.
Por isso seu interesse tão grande pela magia. Porque tinha a firme convicção de que somente através dela poderia encontrar a luz que terminasse de vez com tantos mistérios, com as dúvidas que trazia, havia muito tempo, guardadas dentro de si. Precisava criar coragem; sabia que precisava partir em busca das respostas. As respostas da sua vida.
Mas, naquela noite tudo que queria era ficar assim, ao lado de Heitor...
Deixou que a pegasse nos braços e a levasse para o quarto... deixou que a amasse...
Foi uma linda noite de amor para Heitor. E uma prazerosa noite de sexo para Betina, nada mais que isso – embora ela desejasse muito que fosse diferente.
Acordou em seus braços. Lembrou-se vagamente de um sonho... estava numa montanha coberta de neve... sim, começava a lembrar-se de cada vez mais detalhes! Havia um homem ao seu lado e... não era Heitor! Fazia muito frio, mas ele protegia-a, agasalhava-a, aconchegava-a ao peito o máximo que podia para lhe transmitir seu calor – e ela se sentia feliz e serena como nunca! Ao seu lado naquele sonho estava o seu homem, sua alma gêmea, tinha certeza disso! Não conseguia lembrar do seu rosto, por mais que tentasse! Mas, tinha a impressão – embora achasse loucura demais – de sentir até seu cheiro! Mas, do rosto dele... de forma alguma conseguia se lembrar!
Na noite seguinte ficou até muito tarde na janela pensando em todas essas coisas. A Lua silenciosa no céu era sua única companheira. Depois se deitou e dormiu. Sozinha...