Imagem Google: Paredões de Arenito vermelho-alaranjados, marca registrada da Chapada dos Guimarães (MT)
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TRECHO DO MEU LIVRO - 14


Raul percebeu que ela estava ansiosa demais. Convidou:
– Vamos ver a lua? É cheia.
Betina vibrou: estava com saudades da sua amada lua cheia.
Sentaram-se no banquinho à porta do chalé. Deram-se as mãos, mestre e discípula. Ficaram olhando a lua, fascinados, como dois irmãos que se divertem com o mesmo brinquedo...
Ficaram em silêncio. Mas ela sabia que ele adivinhava seus pensamentos. E a cada dia ficava ciente de mais alguma coisa – nada muito complicado, mas perfeitamente coerente. Dito numa linguagem simples, clara, objetiva. Uma linguagem que todas as pessoas de boa vontade são capazes de entender. Porque falava do amor, da natureza, de Deus, das coisas que se quer e se acredita. A linguagem que se lê nos olhos de uma criança que recebe um afago. No barulho da chuva que cai lá fora. No olhar do pobre a quem damos um pedaço de pão. Que era perceptível na delicadeza da flor que acaba de desabrochar. No som do vento que assobia, no sol que nasce todos os dias só para oferecer seu calor, sem nada exigir em troca. No sorriso, no abraço, na sinceridade de um olhar. Na lua, nas estrelas e nas árvores daquela floresta...
Sim, ela sabia que cada dia que passava ali dava mais um passo, com seus próprios pés, em direção ao seu destino...
Ele rompeu o silêncio:
– Quero que saiba que estou muito orgulhoso de você!
– Obrigada, Raul! Mas é você quem está me ensinando a ajudar as pessoas. Eu não tinha noção de como isso é gratificante! Está me ajudando muito no meu crescimento pessoal, muito mesmo! Sem contar que os meus... fantasmas – inclusive o da solidão – não me assustam mais!
– Mas não deve deixar que seus fantasmas te assustem!
– Você não tem fantasmas, Raul? Ah, que pergunta idiota! É claro que não! É tão forte e corajoso o meu mestre, como poderia tê-los?
– Sim, tenho os meus fantasmas, mas não tenho medo, nem fujo deles! Porque quando aparecem é sempre para me ensinar alguma coisa.
– Ensinar...? Os fantasmas?
– Sim! Eles... colocam-me contra a parede, me forçam a pensar em soluções. Eles debocham sem escrúpulos dos meus medos, os transformam em coisas insignificantes! Vão me empurrando, empurrando... até a beira do abismo. E sabe para quê? Simples: para que eu seja capaz de firmar o pé ali, na beiradinha, e não cair nele. Apenas eu entendo meus fantasmas! Vivem me fisgando, me cutucando! Quando me vejo em perigo eles me mandam respirar, contar de um a dez – e, se preciso for, de dez a um novamente – e aí levantar a cabeça e enfrentar com muita calma meu agressor, ou meu problema. De igual para igual. E sair vitorioso da situação.
– E você consegue? Sempre?
– Sempre. Sabe por quê? Por que eles estavam aqui no meu ouvido: “Como é, não vai fazer nada? Reaja, homem! Que moleza é essa? Vamos lá, enfrente! E vença, faça-me o favor”!
– Ah, Raul! Só você mesmo!
– Não acredita? É verdade! Eles não me fazem mal algum, só o bem! E te digo mais: cada fantasma que surge em minha vida eu o transformo em meu amigo! Experimente fazer isso!
Betina estava impressionada: que cabeça! Que maneira de ensinar as coisas! A cada dia o admirava mais! Seria capaz de ficar a noite inteira ouvindo-o falar!
De repente uma sombra de tristeza passou pelos seus olhos: pensou no dia em que tivesse que se separar dele também – assim como de Álvaro e de Yan...
Sentiu um aperto no peito. Por onde andaria Yan? Deveria estar muito longe. E quanto a Raul? Estava se apegando demais a ele! Seria ainda mais difícil quando chegasse o dia de partir dali...
– Não fique triste – ele disse. – Ainda vamos ficar juntos por um bom tempo. Mas é claro que chegará o momento em que terá que seguir seu caminho.
– Já pode me dizer para onde irei?
– Sim, Betina. Você irá para a Espanha.
– Espanha...? – levou a mão ao peito. Seu coração parecia querer saltar pela boca. – Mas...
– Calma, querida. Tudo ao seu tempo, já lhe disse.
A bela lua cheia já estava no meio do céu. Era quase madrugada. Um galo cantou ao longe.
– Já vou, Betina. Fique em paz.
– Boa noite, Raul. Vá em paz também.
Deu alguns passos e voltou-se:
– Boa sorte com a mãe do menino amanhã. Sabe seu nome?
– Clarisse. Obrigada, mas... não vai comigo?