TRECHO DO MEU LIVRO - 15

Betina foi para a cama e começou a pensar. E, quase sem querer, uma sucessão de imagens começou a desfilar pela sua cabeça. Lembrou-se de quando estava no Sul: as manhãs geladas, as plantações de uva, os casarões de pedra, o cheiro do vinho no ar e... Heitor. Como estaria Heitor? Sentia falta dele, às vezes. Aliás, estava se sentindo carente sexualmente – talvez por isso estivesse pensando nele. Na cama ele a entendia perfeitamente. Mas em compensação, fora dela...
Não! Devia afastar esses pensamentos! Isso já era passado! Além do mais, depois que saíra do Sul já havia crescido tanto como pessoa, havia aprendido tantas coisas e estava gostando tanto de sua nova vida que não se arrependia um minuto sequer de ter partido!
Então, lembrou-se de Yan. Prometeu mais uma vez a si mesma que – apesar de ter sido muito bom – não permitiria que aquela situação se repetisse nunca mais! Sexo sem amor não tinha mais sentido para ela. Já tinha o seu amor. E procuraria por ele até o fim do mundo se fosse preciso, mas o encontraria! Aí então se entregaria de corpo e alma ao seu homem, àquele a quem estava destinada desde sempre...
Não seria ainda ali; seria na Espanha – Raul o dissera e ela confiava nele.
A imagem de Heitor lhe vinha à cabeça e se confundia com a de Yan. Tinha muito sono; suas pálpebras estavam pesadas, mas de repente despertava. Estava excitada, as mãos suavam.
Não conseguia entender porque estava daquele jeito!
Levantou e tomou um banho frio. Após isso conseguiu se acalmar um pouco e dormiu.
Sonhou que deslizava sozinha numa balsa pelas águas de um canal do Oceano Pacífico. Estava na ilha de Chiloé, no Chile. Um arquipélago de vegetação exuberante estendia-se à sua frente. Esta ilha se tornou célebre pela sua mitologia cheia de bruxas, deusas e barcos-fantasmas que aparecem nas noites de lua cheia.
Mas ela não demonstrava medo. Ao final da travessia saltou da balsa e caminhou com passos decididos por entre as casas de madeira, que tinham suas paredes recobertas por estranhas franjas também de madeira, todas muito coloridas.
Entrou numa dessas casas. Lá dentro um homem a esperava. Era muito moreno, quase negro, e estava sem camisa.
Fechou a porta atrás de si, ofegante. Seus olhos brilharam ao vê-lo. Despiu-se completamente e olhou para ele, ansiosa, quase implorando. Ele se aproximou. Pegou-a nos braços com violência, jogou-a sobre a cama e caiu por cima dela, que gemia de prazer.
Entregou-se totalmente, saciou todos os seus desejos. E também os desejos daquele homem bruto, nem um pouco carinhoso, praticamente um selvagem. Mas, que conseguia levá-la aos céus, ao inferno, a tantos outros lugares que ela não conhecia – a não ser em seus braços...!
Amaram-se com uma paixão louca, animal.
Seu destino era ser escrava dele, não poderia fugir! Mas... sabia que aquilo não era amor: era apenas sexo. O amor que ela imaginava era outra coisa. Era olhos nos olhos, carinho, ternura, compreensão. E isso jamais teria com ele! Era um insensível, não sabia o que era amar. E ela, uma mulher rica, bonita, queria levá-lo para junto dela; queria apresentá-lo aos seus amigos, ensinar-lhe a viver em sociedade, enfim, entrosá-lo na vida lá fora, além dos limites daquela ilha. Mas ele não queria: sua vida era ali e sempre dizia isso a ela da forma mais bruta possível. Por fim, desistiu de tentar convencê-lo e ser maltratada por ele devido a sua insistência. Contentou-se, então, em se encontrarem assim escondidos, como se fossem dois criminosos...
Já ia amanhecer. Ela se levantou com cuidado para não acordá-lo. Vestiu-se rapidamente. Antes de sair deu uma última olhada para a cama. E decidiu, naquele momento, que aquela seria a última vez: não voltaria mais ali! Partiria para muito longe e tentaria esquecer aquele homem e encontrar o verdadeiro amor com o qual tanto sonhava!
Saiu e começou a caminhar em direção à balsa. De repente, um homem interrompeu seu caminho.
Seu coração começou a bater descompassadamente: era ele! Sim, era ele, tinha certeza!
O desconhecido perguntou, com a voz embargada pela forte emoção que também sentia:
– Qual é o seu nome?
– Agda! – respondeu, ofegante.
– Agda! – ele repetiu. – De hoje em diante, repetirei esse nome mil vezes por dia, até o fim dos meus dias!
Ela custava a acreditar: ali estava ele, sua alma gêmea, o motivo de sua incessante busca – às vezes por caminhos errados, mas sempre tentando encontrá-lo (no sonho Betina se chamava Agda. E o rosto do homem que encontrara na ilha era o mesmo que vira no sonho na montanha de neve, na última noite em que passara com Heitor)!
Betina – ou melhor, Agda – tremia da cabeça aos pés.
Ele se aproximou e a beijou com imensa ternura. Aquele era um beijo de amor! Jamais havia sido beijada assim! E naquele instante percebeu que o amava! Mesmo sem conhecê-lo sentiu que era aquele o homem da sua vida! Sentiu, naquele tímido beijo, algo muito diferente, algo que nunca havia experimentado nos braços do outro. Aquilo era amor, não sexo! Sim, era amor à primeira vista, o mais puro amor que poderia existir entre um homem e uma mulher!
Afastaram os lábios um pouco e disseram, ao mesmo tempo:
– Eu te amo!
Nesse exato momento o sonho foi interrompido. Ela acordou banhada de suor, ofegante, o coração disparado.
Levantou a cabeça, apoiando-se nos cotovelos rapidamente e procurando lembrar do rosto dele, mas... não conseguia!