TRECHO DO MEU LIVRO - 17


Imagem: Mirante (Chapada dos Guimarães- MT)

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A mata estava tão silenciosa que Betina podia ouvir nitidamente a respiração dele.
O mestre olhou-a longamente nos olhos.
Ela permaneceu em silêncio.
Ele disse, finalmente:
– Não podia esperar até amanhã, Betina. Realmente, você me surpreende! Essa lição você aprendeu sozinha. Quem te ensinou foi seu coração. Vim lhe dar meus parabéns!
Seu coração batia descompassado. Sentia-se a pessoa mais feliz do mundo: tantos elogios vindos de alguém tão iluminado como Raul! Duas lágrimas teimavam em querer rolar pelo seu rosto – mas não queria chorar: ele a chamaria de novo de “bezerra desmamada”!
Respirou fundo e conseguiu dizer:
– Vamos entrar...
– É tarde, eu preciso ir.
– Por quê?
– Você precisa descansar.
– Não estou com sono! Vamos, entre!
Raul aceitou: também não tinha sono.
– Sabe, Raul – disse ela, enquanto se ajeitavam na enorme cama – não sei se você concorda comigo: existem coisas que a vida coloca na mão da gente... assim como um presente dos céus, uma dádiva. Outras, a gente tem que correr atrás. Ir buscar. Trazê-las para junto de nós, agarrá-las com unhas e dentes! E não soltar mais, entende? Senão elas escapam de novo e aí será muito mais difícil trazê-las de volta outra vez!
Raul olhou para ela coçando a barba, pensando no que ela acabava de dizer. Concluiu:
– É, está certa. Sabe que está me ensinando muito mais coisas do que eu a você?
– Não diga isso! Quem sou eu para lhe ensinar alguma coisa? Digo apenas o que penso. Aprendi muito com Álvaro, com Yan e agora estou aprendendo com você – que dos três é o que... ah, não sei... o que mais se parece comigo!
Ele sorriu, sem dizer nada.
Betina continuou:
– Aprendi que na vida não basta desejar, apenas. É preciso querer, querer mesmo, com toda a força da alma! Não se pode passar a vida inteira desejando, de braços cruzados esperando que tudo caia do céu! É preciso fazer as coisas acontecerem!
– Isso mesmo, Betina.
– Você é uma discípula exemplar!
– Obrigada, Raul. Eu me esforço ao máximo. Afinal, essa é a vida que escolhi para mim, não é? – ela respondeu, acariciando seus cabelos sempre despenteados.
Começou a sentir frio. No chalé fazia frio à noite, devido à proximidade com a mata.
Levantou-se e foi pegar um cobertor.
Quando voltou Raul havia adormecido.
Betina ficou parada no meio do quarto olhando para aquele homem, do qual aprendia a gostar mais a cada dia. Sua fisionomia, completamente tranqüila durante o sono, irradiava uma profunda paz. Aquele ar sereno no rosto coberto pela barba, os dedos longos, o corpo magro...
Olhava-o assim agora, dormindo, e pensava em quantas coisas boas aprendera com ele dia após dia, desde que ali chegara. Lembrou-se da angústia que estava sentindo antes de encontrá-lo – quando ainda nem o conhecia. Agora, ao lado dele, sentia-se segura, poderosa, capaz de tantas coisas!
Inclinou-se e beijou seu rosto. Em seguida tirou-lhe as botas. Pôs seus pés para cima da cama, cobrindo-o com carinho. Depois deitou ao lado dele e dormiu profundamente.
Acordaram com o alvoroço dos pássaros cantando na mata.
– Bom dia, moço! Então o senhor dorme e me deixa falando sozinha, não é?
– Mas... Betina... por que me deixou dormir...?
– Não acostume, viu? Da próxima vez vou cobrar pensão!
Raul riu, deu-lhe um beijo na testa e se levantou. Foi à janela olhar o dia. Viu que seria lindo: as copas das árvores já começavam a brilhar, banhadas pelos primeiros raios de sol.
Betina se animou:
– Vou me arrumar. Depois vamos juntos tomar o café da manhã na pousada!
– Vão pensar que nós dormimos juntos! – ele disse.
– E não dormimos? – ela riu.
Caíram na gargalhada e se abraçaram, felizes.
– Não me importo nem um pouco com o que as pessoas pensam, Raul! O que me importa é minha consciência!
– Está absolutamente certa! – concordou o mestre.
Saíram do chalé, sentindo na pele o frescor da manhã. De braços dados, caminharam pelas alamedas e entraram na pousada.
Escolheram uma mesa e se sentaram. Enquanto faziam isso Betina notou que os funcionários logo repararam de onde eles vieram – ou seja, do chalé. Estavam pensando alguma coisa, com certeza! Não deu a mínima. Ao contrário: resolveu aguçar ainda mais a curiosidade deles. Chamou o garçom:
– Bom dia! Hoje estou morrendo de fome! Quero um café da manhã completo para dois com tudo que tenho direito: café, leite, torradas, suco de laranja, pão, queijo, presunto, mel, manteiga, geleia e muitas frutas!
– Pois não – disse o garçom, já se retirando.
– Ah, ia me esquecendo! Quero cereais também! Para repor as energias!
Raul disse, incrédulo:
– Você é mesmo uma bruxinha danada!
– Se estão pensando algo sobre nós, deixe que pensem! Faz de conta que estamos famintos!
– Mas eu estou realmente faminto!
– Eu também! – ela riu, tapando a boca com as mãos.
– Às vezes você parece uma criança, sabia?
– E não é bom ser criança, às vezes?
– Sim, é mesmo...
O garçom chegou com o farto café da manhã pedido por ela – e estava exatamente como ela pediu.
Quando terminaram Betina disse:
– Sabe por que estão estranhando? Por que às vezes eu passo aqui correndo, ansiosa para ir encontrar com você e só tomo um cafezinho rápido! Mas hoje é diferente... hoje você está aqui comigo! A melhor companhia que eu poderia ter! Meu mestre, o homem mais sensível e sábio que já conheci! Que me fez entender a vida, as coisas mais especiais, as coisas simples e pequeninas – dádivas de Deus! E ainda me ensinará muito, tenho certeza!
Ele não disse uma palavra. Ficou olhando para ela durante longo tempo, acariciando as pontas dos seus dedos sobre a mesa.
– Raul... eu... – Betina teve uma ideia, mas tinha medo de dizer. Ora passava a mão pelos cabelos, ora tirava sujeirinhas inexistentes da toalha da mesa, procurando as palavras.
– Diga logo, mulher! – ele brincou, fingindo-se de zangado.
– Eu queria que... – gaguejou.
– Queria o quê? Vamos, fale! – pediu, já com a voz suave.
– Será que quando eu tiver que ir embora você não poderia... ir comigo? Não vou aguentar me separar de você!
Ele ficou um pouco agitado. Mas respirou fundo e disse:
– Não, não posso ir com você, Betina. Terá que seguir o seu destino. Ele é só seu.
– Mas... quando cheguei aqui e... fiquei sozinha, antes de te encontrar, foi horrível! Não conhecia ninguém, me senti perdida! Imagine num país estranho! E não é só isso! Eu também... vou sentir demais sua falta!
– Betina, preste atenção: agora você é uma pessoa mais forte, está sendo preparada para enfrentar obstáculos! Além disso, lá encontrará quem vai ficar com você para sempre. Lá realizará seu sonho de encontrar sua alma gêmea, será feliz de verdade! E nós estaremos sempre juntos em pensamentos, já esqueceu? Poderemos conversar todos os dias! Já sabe como fazer isso!
– Sim...
– Mas não vá chorar agora, bezerrinha desmamada! Senão o povo vai pensar que o amante já está te maltratando!
– Está bom – respirou fundo. – Vamos procurar Emanuel.
– Vamos não: você vai! É outra missão só sua. Qualquer coisa que precisar estou em casa, ok?