Deusa Negra

Deusa Negra

Já era o terceiro fim de semana que ele chegava ao clube por volta das 22:00h e ela sentada na mesma mesa sozinha. A curiosidade geralmente leva a observância.

O clube funcionava a noite toda só fechando as 07:00h da manhã e aos domingos até as 02:00h. da segunda-feira, mas ela sempre ia embora depois da meia noite da sexta-feira e sempre sozinha e sempre recusava dançar quando alguém a chamava pra dançar, muito educadamente. Talvez ela fosse a mulher mais linda que ele já tinha visto mas com toda certeza era a mais bonita do ambiente, teria lá seus 38 ou 42 anos vestia sempre um vestido longo que dava a impressão de ser de alta costura, um decote profundo nas costas que chegava a curvatura das nádegas deixando se ver boa parte delas, e o da frente não deixava por menos com os belos seios livres de sutiã, o cabelo cortado baixinho acompanhando o formato da cabeça, altura em torno de 1.70mt., tudo isso acompanhado de um certo ar de aristocracia sem arrogância, uma deusa negra.

Naquela noite ao chegar e vê-la na sua mesa decidiu acabar com a curiosidade que o atormentava, ao passar por ela cumprimentou-a com um leve movimento de cabeça tocando a fronte como se estivesse a tirar um chapéu imaginário, ao que ela respondeu com um leve sorriso nos cantos dos lábios carnudos.

Não tinha mesas vazias, pediu uma bebida e do balcão ficou a observa-la não sabe por quanto tempo mas ela lhe pareceu melancólica e resolveu ariscar tudo numa só cartada, embora fosse um homem novo sempre achou que certas coisas tem que serem decididas sem preâmbulos, então ao chegar a sua frente com o copo na mão.

- Boa noite! Não esperou ela responder e apontando a cadeira ao seu lado.

- Posso?

Ela só acenou com um movimento de cabeça, ele levantou a cadeira e sentou se a sua frente, de repente a pergunta inusitada.

- Não vai me convidar pra dançar?

- Na verdade não sou um bom dançarino e poderia acabar machucando você, meu nome é Fernando.

- Sei, eu sou Socorro pensei que você tinha desistido de falar comigo.

- Não só estava tomando coragem como não sou bom nisso estava imaginando como seria tomar uma taboca da mulher maias bonita do lugar, já que não a vi dançar com ninguém nos últimos três fins de semana.

- Taboca, o que é isso?

- É só um ditado do pessoal do interior, quando a menina se recusa dançar com um sujeito costuma-se dizer que; "ela deu uma taboca nele".

Ela poderia ser advogada, medica, engenheira ou qualquer coisa menos domestica porque um vestido daqueles deveria custar os olhos da cara, segurou a curiosidade pra não perguntar e a imaginação voou pra coisas mais concretas que já passava da meia noite então chamou-a para dançar e para sua surpresa ela aceitou, terminou a musica e voltaram pra mesa ele ofereceu uma última bebida por causa do adiantado da hora, quinze minutos depois estavam saindo, ela perguntou com a maior naturalidade.

- Você dirige?

- Sim, mas não tenho carta então é melhor não.

O carro era um corcel 73 mas tudo nele revelava o toque feminino até mesmo o perfume que tinha o mesmo cheiro semelhante ao que ela usava, embora fosse um carro com quase cinco anos de fabricado era como se tivesse saído da loja recentemente, e ele ficou admirado com a bela joia em tão boas condições de uso, de repente a voz dela em tom de brincadeira.

- Você quer comprar o meu carro?

A cara de espanto que ele fez foi o motivo de uma bela e sonora gargalhada que ela deu mostrando toda a formosura daquela boca que era um pecado.

- Em que hotel você esta?

- Naquele da Brigadeiro Faria Lima.

- Sei onde é eu moro lá perto.

Ao chegarem em frente ao hotel ela parou o carro e perguntou se ele não queria tomar alguma coisa para fechar a noite e ele sem pensar duas vezes respondeu.

- Café?

E ela com um sorriso perguntou se ele lia pensamentos. Ao descer do carro ela lhe entregou as chaves para abrir o portão da garagem depois foi abrir a porta para ela segurando a sua mão para ajuda-la a sair do carro.

Só depois que ela acendeu as luzes da sala [e que ele descobriu o que ela fazia e ficou admirado com a quantidade de instrumentos musicais espalhados pela sala. Uma guitarra, dois violões, um banjo, duas flautas em cima do centro e um órgão pequeno parecido com um que ele tinha visto na igreja lá no interior onde morava.

Ele se surpreendeu com o tom da voz dela que era como se fosse uma melodia.

- Fique a vontade vou tomar um banho e depois faço o café.

Quando se virou pra responder ela estava nua com uma toalha no ombro como se isso fosse a coisa mais normal do mundo e ele embasbacado só conseguiu perguntar.

- Posso?

E foi se dirigindo para onde pensou ser a cozinha, ela nada disse e foi andando pra banheiro. Nos seus 23 anos recém completados ele não se lembrava de ter visto uma mulher igual a ela e teve certeza que nunca mais veria nem mesmo parecida, ou ela era completamente maluca ou ele estava ficando louco, mas se lembrou que a muito tempo atras tinha visto numa revista uma escultura de uma deusa negra e a partir dai os pensamentos se atropelaram na cabeça como se fossem um enxame de abelhas ensandecidas.

Quando ela voltou do banho o surpreendeu terminando de coar o café , colocou as duas mãos nos seus ombros como se fosse iniciar uma massagem e perguntou.

- Então o que é que você não sabe fazer? Você sabe dançar, sabe ser cavalheiro com uma mulher e até sabe fazer café afinal quem é você?

Ele se voltou pra responder mas a toalha estava no chão e a divindade com um ar de surpresa no belo rosto negro colocou um dedo na sua boca.

- Não, não responda só me abrace.

E por todo o resto da noite o amor preencheu todos os cômodos da casa. Quando acordou o sol já estava todo solto no céu e passava das 07:00hs. ela com o braço por cima do seu peito como se quisesse impedir que ele fosse embora, levantou-se devagar para não acorda-la cobriu-a e foi tomar um banho, voltou a cozinha preparou um café da manhã com o que encontrou e sentou na sala observando a decoração e viu pela primeira vez o diploma pendurado num quadro na parede, professora de musica e conto, não ficou tão surpreso mas um pouco confuso com o turbilhão de pensamentos que o assaltou no momento.

Na cozinha preparou a bandeja com o desjejum e levou ao quarto, ela tinha mudado de posição e pensou que ela estivesse acordada então pela primeira vez chamou-a pelo que achou que ela era, Deusa, acordou-a com um beijo na testa e ela perguntou se ele tinha esquecido seu nome, e ele disse que daquele momento em diante ela seria a sua deusa.

E pela primeira vez ele percebeu que tinha feito amor e não trepado pra aliviar o tesão.

Só voltou ao hotel na segunda-feira para apanhar suas coisas e nunca mais conseguiu ficar longe da sua Deusa que hoje completa 30 anos de divindade.

Texto do livro Contos de Meninos E Outras Historias (inédito)

Fernando Alencar (Triunfense) 14/08/2012