Um casal perfeito

Essa não é uma história de amor. É a história de um não-amor.

Um não-amor é o amor que poderia ter sido, mas não foi.

Essa é a história do guerreiro e da camponesa.

Ele Torre. Ela Barro.

Aquele já deveria ser um presságio. Seus sobrenomes já diziam tudo que poderiam querer saber um sobre o outro. Ele forte como uma torre, ela frágil como o barro. Ele nobre como as torres do xadrez, dos castelos. De origem nobre. Ela humilde como o barro que vem da terra e suja as mãos dos camponeses.

Ele guerreiro forte como as torres, e origem nobre na frente de batalha. Lutando sempre e levando os exércitos às vitórias. Mais parecia o Willian Wallace, personagem de Mel Gibson no filme Coração valente. Com razões reais pra lutar e muita força e garra correndo em suas veias. Inflexível e forte como uma torre.

Ela já mais parecia a humilde camponesa que vive de colheita e plantio, sempre com as barras do vestido sujos de barro, moça de nobre coração, mas puro. Moça flexível tal qual o barro ainda molhado.

Ele seguro, alto, imponente. Quando se pensa num guerreiro se imagina justamente esse tipo de homem. Alto, cara de mau, forte, olhos faiscantes, veias do pescoço saltadas no ímpeto da eterna batalha. Pessoa estudiosa, cheio dos planos possíveis para sua vida. Ao conversar com ele percebia-se claramente seus objetivos de vida traçados. Possivelmente até a idade de 60 anos. Quando se permitira inventar a vida. Mais moço que ela, mas com tanta responsabilidade em si sem que ninguém tivesse imposto, sua idade parecia maior.

Ela insegura, vacilante, quase volitava de tanta leveza e não-segurança, não-certeza. Nada nela criava raízes. Por não ser provida de muitas posses, pra ela colocar uns mantimentos numa sacola e partir seria o ideal. Cada dia vivendo e vivenciando a rotina diferente das províncias. Ela era quase etérea. Cabelos esvoaçantes, corpo branco, de estatura normal e porte forte também, mas uns olhos.... seus olhos tiravam toda e qualquer certeza de qualquer um que os fitasse por longo

tempo. Ela parecia querer devorar o mundo com os olhos. E aquele tom de azul fazia com que as pessoas se encantassem e perdessem naquele pedaço de céu. Principalmente os homens, com quem tinha grande dificuldade de relacionar-se. Ela contava mais anos que ele, mas por ser tão leve e despreocupada com os rumos e laços, pareciam ter a mesma idade ao serem observados juntos.

Deu-se que um dia eles se encontraram. Já haviam ouvido falar um do outro, já haviam conversado por troca de cartas, mas nunca haviam se sentido. Conheciam a fisionomia um do outro por fotos e sabiam muito das historietas de cada um, mas nunca haviam se tocado. Sabiam idade, desejos, sonhos um do outro, mas não haviam se cheirado. Sabiam qual nome do animal de estimação do outro, mas nunca haviam se olhado.

Então numa noite combinada e esperada ansiosamente eles trocaram olhares crepusculares. Ele se perdeu na imensidão dos olhos dela e ela sonhou seus sonhos nos olhos faiscantes dele.

Ela sentiu seu corpo estremecer e enregelar enquanto tocaram-se as mãos e quase perdeu a fala. Ele apenas sorriu. Em sua mente sempre segura, concreta como a Torre... nada poderia ser construído no terreno tão disforme e oscilante onde habita o Barro. E não entendeu quando de repente sentiu a garganta seca naquele sorriso congelado nos lábios e uma sensação de revoada de borboletas no estômago.

Ela pôde tocar um pedaço do céu quando envolveu-o em seu abraço e pôde sentir aquele cheiro forte e másculo emanando do pescoço dele.

Ele sentiu seu corpo todo estremecer e fez uma viagem transcendental ao tê-la nos braços e poder beijá-la. Viajou por terras distantes com a donzela em seus braços.

E ouviram uma trilha sonora.

E muito foi dito entre ambos.

Muitos beijos e abraços intermináveis. Que mesmo nesse não terminar deixavam um lastro de saudade.

E o relógio deu as doze badaladas.

E os olhos se despediram contando histórias. Fazendo promessas. As mãos seguraram um pouco mais do que o necessário na hora da despedida.

Ela sentiu uma lágrima escorrer ao entrar no seu bonde para partir.

Ele sentiu revirar seu estômago ao ver os cabelos esvoaçantes dela despedirem-se de sua vista quando o bonde partiu.

[...]

Ambos sabiam que aquela era uma história do não-amor.

Ambos sabiam que jamais haveria amor entre eles.

O que ninguém sabia ainda é que o amor pode ter a duração de algumas horas.

O tempo que tiveram juntos foi o tempo da duração de um não-amor que virou amor.

E o resto da história não precisa haver. Porque já houve.