Quando a Vida encontra o Amor
Márcio José Siqueira Azevedo e 
     Vera Lúcia Leão Azevedo
 
   No céu alegria: uma filha amada retornara aos braços do Pai.Na terra, sinos anunciavam despedida — rostos compungidos de dor se juntavam a outros entristecidos, como massa compacta, silenciosa, amorosa. Reconhecia-se na mulher transcendida, a imagem bonita de Deus. No semblante, agora imóvel, os traços humanos se iluminavam: ali estava alguém que conhecera o bom combate, guardara a fé. Todos reconheciam, naquela mulher, a imagem perfeita de Deus. Feriado não era, mas as portas se fecharam, se fechavam quando o cortejo fúnebre passava pelas ruas. Em cada coração uma bandeira de saudade se agitava homenageando aquela que em vida soubera olhar e reconhecer no outro o Deus da vida, acolhida na ousadia do amor pelos pobres. Cumprida a missão, os pés partem, aqui fica o exemplo de joelhos que rezam e mãos que ajudam. Assim foi enterrada Dona Violeta, com comoção e saudade.
   Ninguém, ninguém escapa do contorno vital. O que são as teorias senão uma pálida maneira de enxergar a realidade? "É o passar do tempo e do vento que dá consistência à alma". Em cada começo existe um despertar, uma transformação invisível aos olhares humanos. Ilusão, desilusão são faces da mesma moeda, que nossos olhos dificilmente aprendem no presente, no momento que se revela a história humana. O homem vive entre forças antagônicas que o sufocam: sua finitude, a impermanência das coisas, efemeridade... nada na terra é pleno, eterno. Sendo a medida de todas as coisas, o homem busca incessantemente adaptar-se ao tempo na sua caminhada terrena. A evolução é sinal de imperfeição, pois é mudança, para melhor ou pior. Pode-se atribuir ao mesmo sujeito finitude e infinitude, eternidade e temporalidade, necessidade e contingência?
   Dona Violeta, Márcio e Vera são personagens de uma história linda, exemplar, construída com o fermento do amor. Trilharam o caminho do trabalho, indiferentes a conceitos racionais e verdades com as quais não sabemos o que fazer.
   O ser humano é uma cruz viva, marcada por quatro pólos: o que ele é, o que deve ser, o que quer ser, o que pode ser. Um de seus travessões marca a dimensão que existe entre o que o homem é de fato, seu estado presente, seu ser tensiondo e o que ele deve ser; o outro marca a dimensão entre o que ele quer ser e o que ele pode ser. Neste cruzamento de tensões, o homem se coloca numa encruzilhada dinâmica. Entre encontros e desencontros, harmonias e desarmonias nesse jogo de pressões psicológicas, ele se situa.
   Onde estamos? Quem somos? Para onde vamos? Márcio Siqueira Azevedo e Vera Lúcica Leão Azevedo têm olhar maduro sobre a efemeridade do ter e a perenidade do ser, sem perder de vista a dimensão da inteioridade. Na construção do ter, jamais se esqueceram de ser, apesar da exigência natural de satisfazer as necessidades antes de ter condições de liberdade, – primeiro viver, depois filosofar. A vida operativa conjuga-se à contemplativa, não se iludem com o sucesso e seu poder de convicção. Determinaram-se muito cedo. Existe o acaso, acontecimento imprevisto, fato fortuito, casualidade? Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, será o acaso ou a própria pessoa, seu desejo, sua própria necessidade a conduzem a isso?
   Eu vou me casar com essa menina, define bem a determinação de Márcio, na tarde em que conhecera Vera, que se fazia acompanhar de sua mãe, Dona Violeta. Seu ser ainda incipiente previa ali a desenrolar de sua vida amorosa, conjugal ao lado de uma quase-menina tímida, cabelos longos e olhos perguntadores, lindos, iluminados de infinito. Muito cedo compreenderam que toda realidade é efêmera, impermanente, que nada possui solidez, a não ser Deus.
   Em toda adesão a Ele, quando plena, esconde-se uma busca inconsciente de transcedência e eternidade. Na saída decisiva para o infinito, há um desejo de fuga da opressão da limitação; assim, a conversão é a suprema libertação da angústia.
   A promessa que Márcio fez a si mesmo cumpriu-se. Casou-se com a jovem de olhos grandes, sonhadores, que, à primeira vista, o enfeitiçara na primavera da vida. Colheu o fruto, ainda em formação, orvalhado de esperança, cujos pés ansiosos se entregariam agora a outros caminhos. As primeiras moradas do casal eram singelas, eles mal cabiam dentro delas, mas dentro deles vibravam todos os sonhos que construíram juntos, as manhãs que projetaram e os caminhos incertos que iluminaram. Os filhos foram chegando, e os espaços alargados pelas avenidas do amor.
   Vera, um dia, confidenciou à sua mãe comportamentos estranhos de seu então namorado, que a levava para bairros chiques da cidade e detia-se a olhar as grandes casas, os lindos palacetes que afastavam olhares plebeus. Ali permaneciam, por algum tempo, namorando, à distância, a suntuosidade daquelas obra de engenharia e arte. Depois, retornavam às suas casas, de ônibus, à realidade de suas prosaicas vidas.
   Os sinais tangíveis de entusiasmo manifestaram-se, cedo, em Márcio. Mesmo saber o nome de Vera, sabia que com ela se casaria, e que com ela viveria uma história de amor que faria inveja a qualquer grande amor da existência humana. Como toda história dee amor, os seus ingredientes são encontrados no  dia-a-dia da vida. Tem perequito da sorte, desencontros, a primeira visita inesperada de Márci à casa de Vera, quando ela estava saindo da padaria, de cabelos presos, desarrumados.
   Ela estava triste, terminara o namoro, e o seu coração permanecia ainda fiel, batendo ao compasso da lembrança. Mas não imaginava que aquela visita inesperada, náo lhe concedendo o tempo feminino para se arrumar diante do espelho, para se fazer bela, para se fazer amada, mudaria os dias e as noites de sua vida. 
   Márcio foi à casa de Vera, determinado, traço marcante de sua personalidade, e pediu-a em namoro. Vera sequer imaginava que o seu coração guardava um segredo – segredo que foi se revelando ao longo do tempo:
   "Dê-me tua mão e não importarei com a distância a ser percorrida, seguiremos juntos até onde existir vida".
   Ah, o periquito da sorte, o periquito que tirava sorte em frente à perfumaria Lourdes, quando ela acompanhava sua mãe à loja do Márcio, que, Dona Violeta, com a venda de jóias procurava ajudar na economia doméstica da família. Aquele periquito, entre tantas possibilidades, acertou em cheio, bicou a sentença que haveria de marcar para sempre a vida e os passos de Vera, sentença que o periquito entegou-lhe arrepiado, onde se lia:
   "Hoje você ficará conhecendo o seu princepe encantado".
   "As grandes verdades só se comunicam pelo silêncio, e que nós não compreendemos as coisas a não ser que nos coloquemos com elas no mesmo estado de oração". Márcio Azevedo conseguiu a proeza de viver 600 anos em 60. Viver e conviver com ele é surpreender-se a cada instante. Com a sua originalidade, inteligência, cultura, sabedoria, generosidade, e, principalmente, consciência amorosa, transita, sem medo, pelo mundo, cruza oceanos, senta-se à mesa de talheres de prata e cristais; ocupa a cadeira de presidente de empresas, de ministro da Eucaristia, como pode, também, sentar-se no chão de qualquer lugar público, ou à mesa do casebre mais simples e pobre.
   Viver a graça da vida ao seu lado não isenta Vera de surpresas – adoráveis surpresas – de doces emoções, encantamentos.
   A sua origem, na pequena Datas, o fez escrever, cotidianamente, atas rara beleza na alma de Vera. Sim ! Nessas atas percebemos a magnitude de seu coração. Nelas, os personagens não transitam pelo poder, pelo mundo sofisticado do ter; não exalam perfumes sedutores. Nelas os personagens são simples, despojados, miseráveis. Faltam-lhes tudo: a começar da mesa vazia. Como vicentino de uma vida, ele repassa aos mais necessitados não só o fruto do seu trabalho, como também do seu tempo humano, cotidiano – faça chuva ou calor escaldante.
   Vera Lúcia Leão Azevedo gerou em seu ventre, os 7 filhos de Márcio, filhos de um inabalável Amor. Entretanto, Vera confessa: "ainda hoje o meu coração se inquieta, se emociona com o abençoado dia que a percepção profética, de Márcio, iluminada, o fez afirmar:
   "Eu vou me casar com aquela menina, menina de olhos grandes, lindos – dissera ele, menina que o enfeitiçara na primavera da vida, menina que ele nem sabia o nome, e que, na NOITE ESCURA de São João da Cruz, amorosamente escreveu para ela:
 
                        "Oh! noite que me guiaste.
                       Oh! noite mais agradável que a alvorada;
              Oh! noite que juntaste
                 Amado com Amada, 
                     Amada já no Amado transformada!"
 
 Acertadamente, disse o poeta: "Se alguém te ama, não é  bom se não te ama sempre mais".
   As pessoas não são iguais, a vida as colore com sua próprias cores. Sempre houve as que exigem da vida o que ela tem de mais alto e não se conformam com sua estupidez e crueldadel.Transformam carências, insuficiências, deficiências, sonhos em realidade.
   Deus estava pleno de entusiasmo no momento em que criou o mundo e a nós. Especialmente Ele nos criou livres, não presos numa gaiola: podemos ir e vir, praticar o bem ou o mal, isto é, deu-nos inteira liberdade de ação e de escolha, até a liberdade plena de odiá-Lo ou amá-Lo. Posso acariciar um rosto, amar alguém, praticar a caridade, como posso e tenho a liberdade de maltratar, de ferir, fazer sofrer.
   O entusiamo é a inspiraçpão que vem de Deus, é um fenômeno de vida exuberante, plena. Quando o fogo do entusiamo acende, passamos a ter um interesse vivo por tudo o que queremos realizar. O ardor de fazer o melhor de nós mesmos se une a uma alegria desprentesiosa e leve, e sabemos como persistir, mesmo quando dificuldades emergem. Nada é empecilho para nós e os nossos projetos. A atitude entusiástica nos vitaliza como um fogo criador e divino e a energia está sempre presente para nos apoiar. O resultado é uma perfeita entrega à nossa Essência Divina. Ninguém, ninguém pode virar as costas ao entusiasmo. Sem interesses e paixões, sem fé e amor, sem o pano de fundo da vibração, o homem não encontra prazer naquilo que faz e não tem razões para viver e agir. Indivíduos ou povos excessivamente frios e meditativos, críticos e apáticos não realizaram nada de autêntico, de grande, tudo fica como está e não haverá o belo, o bem, e a felicidade tão desejada por todos nós.
   Ao lado das edificações que alcançavamo céu, do sucesso empresarial e financeiro, Márcio e Vera Azevedo se entregavam, também, à edificação que tem estatura eterna. Não se tornaram escravos do orgulho, que consiste em identificar pessoa, dinheiro e imagem social, erigir uma estátua e adorá-la como escravo, como o faz a maioria dos ricos. Os filhos: setem — número da preferência divina, dos dias da semana, das cores do arco-íris, das maravilhas do mundo antigo, das notas musicais – nasceram e cresceram ambientados na filosofia do respeito e da caridade: "Meus preferidos serão os preteridos; quanto mais marginalizados tanto mais promovidos serão em meu coração". 
   Na sociedade, entretanto, nas relações humanas o funciona são os pólos de atração: dinheiro, poder, fama, beleza. O homem puro, a criatura despojada não provocam nenhuma emoção. Amamos as qualificações sobrepostas às pessoas. O homem-home, o abraço-abraço são desprovidos de enfeite e de "pólos de atração".
   A selva de pedra do mundo enconômico tensiona e, às vezes, desequilibra os mais sensíveis. A família, os filhos e, principalmente, a esposa têm papel relevante nas crises ou nas euforias materiais. O matrimônio não é, não deve ser o "sepulcro do amor"; ao contrário, é a banca examinadora. "Um amor que naufraga na realidade prosaica da dida cotidiana é um sentimento imaturo e abstrato, inflado por um romantismo vazio. Entre presente e futuro, realidade e esperança há uma larga margem que somente a espera paciente e racional pode superar. Pouco ou nada nos é dado, e o possível se faz real somente na ação e no trabalho que exigem a paciência e o concurso lento do tempo".

   Vera Azevedo sabe muito bem. Hoje, ela não espia com o namorado as suntuosas casas; ela se encontra dentro de uma delas. Não de uma qualquer, construída com materiais inertes, mas edificada e arquitetada com os incandescentes elementos da eternidade. Um espaço se reservou ao sagrado: os joelhos se dobram na capela da mansão, que os transporta à intemporalidade espiritual.

                                     Roberto Gonçalves
                                               Escritor
                         
RG
Enviado por RG em 01/10/2014
Reeditado em 28/07/2016
Código do texto: T4983518
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