Uma visita esperada (Vencedor do 26º concurso Lit. Takemoto)

A febre se instalara já havia uma semana. Pobre Joel, esquálido sobre um arremedo de cama, lá estava. Sua mãe dona Almerinda ajudada por uma dedicada vizinha, tudo fazia para que a pobre criança recuperasse a saúde. A vigília já os esgotava.

Era véspera de natal e também, aniversário de Joel, que devido à penúria por que passavam, nunca teve uma festa de verdade. Estava completando dez anos.

Além das tradicionais árvores natalinas, havia nas alamedas, jardins e fachadas de prédios, uma febre daquelas pequeninas lâmpadas chinesas, sorrindo incansavelmente suas cores.

Enquanto algumas guloseimas já eram servidas naqueles ricos palacetes, com o intuito de acalmar os irrequietos guris, no casebre, as duas senhoras se empenhavam tristes e preocupadas com o estado do pobre Joel que nesse momento já delirava... Enquanto a mãe rezava apertando ao peito um pequeno rosário, a vizinha profetizava tentando confortar-lhe dizendo calmamente que o natal sempre trazia boas novas, e que elas chegariam assim que batesse meia noite.

Passavam das onze horas quando o menino com voz lânguida pediu que lhe abrissem a janela que dava para a sua cama, pois queria ver a chegada de papai Noel. Queria na realidade, surpreendê-lo assim que ele entrasse... Chovia muito no momento, uma tempestade, mesmo assim atenderam-no. A janela agora estava escancarada e um quadro inóspito, pintado de breu era o que se via, mas para o pobre menino, havia uma outra realidade, ele descrevia repetidamente um céu estrelado e calmo. As duas mulheres ficavam cada vez mais apreensivas com tal comportamento. O corpo febril de Joel permanecia inerte, mas seus olhos brilhantes varriam toda a imensidão.

Duas lâmpadas de azeite com suas luzes bruxuleantes lutavam bravamente contra a escuridão daquele casebre, ao mesmo tempo em que pela janela aberta entrava vindo de longe, um agradável cheiro de assado que a essa altura, muitos já saiam dos fornos ganhando aquelas ricas mesas. De súbito atrás do reposteiro que dividia o ambiente, grita o menino não se sabe com que força:

-- É ele ali mamãe, é papai Noel, está vindo para cá, vejo a luz no céu, eu sabia que ele viria um dia! E entre os gritos do menino e o som da chuva que ainda persistia, ouviu-se um “toque, toque, toque!”

-- Ô de casa posso entrar?

Amedrontadas as duas senhoras olham furtivamente pelas frestas, porém, naquela escuridão a fraca luz que fugia de dentro para fora, não lhes permitia ver mais que um vulto. Ele insiste e diz ser papai Noel e elas já atônitas, mas com o espírito de ajudar, soltam a tranca da porta e o deixam que entre.

Era um homem de meia idade, um próspero empresário que naquela noite resolvera fazer uma surpresa aos seus familiares. Vestido dos pés a cabeça com tal indumentária, ele representava fielmente a figura legendária de papai Noel, igualzinho aquele das propagandas da TV. Seu carro ficara atolado naquele tremedal bem em frente ao casebre. Trazia um saco repleto de coisas e as polainas ensopadas, sujas de barro.

De certa forma receber tão ilustre visita em tão humilde lugar, era privilégio de poucos. As duas mulheres se entreolham emocionadas, secando com os dedos, furtivas lágrimas, e enquanto conversavam sobre tudo o que acontecia naquele lar, Joel apareceu para surpresa de todos e com a voz de felicidade, perguntou o que para ele, era o óbvio:

-- Papai Noel, é o senhor?

--Sim, sou eu respondeu o bom velho, e continuou. --Sim, estou aqui atendendo o seu pedido, demorei um pouco mas cheguei, aliás, o que foi mesmo que você me pediu? Sabe? Minha memória anda falhando muito ultimamente.

-- Papai Noel, não lhe pedi coisa muito custosa, o que lhe pedi é muito simples, servirá para todos, pedi que eu ficasse bom só pra ver a minha mãe feliz e poder ajudá-la, esse é o melhor presente que eu poderia receber e agradeço muito ao senhor por isso. Disse Joel agora com a voz firme, apertando as mãos enluvadas do bom velho. Papai Noel o abraça comovido e deixa-lhe uns brinquedos e algo para que fizessem uma pequena ceia de natal. A febre de Joel, inexplicavelmente depois de tanto tempo, baixara por completo.

-- Este é o melhor natal que já tivemos, disse o menino, enquanto papai Noel disfarçava duas lágrimas que já lhe corriam no emaranhado de sua barba.

Houve ali uma grande confraternização onde todos se abraçavam num silêncio profundo só quebrado pela nova intervenção de Joel:

-- Fica mais um pouco papai Noel, implorou o menino com um farto sorriso.

-- Não posso, mas prometo visitá-los em breve, agora, tenho também que abraçar outras pessoas que há muito tempo não abraço.

Dava pra ouvir o carrilhão da matriz ao longe, tocando acordes natalinos, enfim, chegara o natal.

A chuva já havia parado e o céu agora era um brinco de estrelas e o papai Noel pode então desatolar o seu trenó, digo, o seu carro.

-- Bom natal e feliz aniversário! disse ele partindo e radiante de alegria.

-- Bom natal responderam em uníssono...

Um minuto se passou e uma estrela moveu-se no infinito.

Conto de José Alberto Lopes.

José Alberto Lopes
Enviado por José Alberto Lopes em 23/12/2008
Reeditado em 06/10/2012
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