A canção de Laura - Prólogo

prólogo

É o fim, não há o que se possa fazer, ela está morta, o corpo nu incontestavelmente frio largado sobre a cama, os lábios entreabertos e arroxeados, deles nenhum suspiro escapa, no peito nenhum pulsar, apenas o insuportável silêncio.

Ela estava desmoronando há muito tempo, mesmo assim tenho as mãos trêmulas e o coração congelado, apenas algumas hora atrás ela me olhava com os olhos cheios do mais puro terror, agora assisto a seu corpo lentamente enrijecer. O que me tortura é essa fantasia onde a vejo levantar-se, cianótica e gélida, estendendo-me seus braços e olhando-me com aquela expressão inocente e confusa da primeira vez que nos encontramos. Então eu espero, há horas, que ela se levante, sinto que vou enlouquecer trancado neste quarto em compania de um cadáver, tentando acreditar que ela está morta, que ela está realmente morta.

Deito-me ao lado do corpo delicado e curvilíneo como em tantas outras noites, lá fora um forte vento começa a soprar, o perfume dela ainda paira como uma aura primaveril ao seu redor e suavemente vai penetrando minhas narinas, torturando-me a cada inspiração, agarro me à ela num momento de desespero e tenho a sensação de tocar uma estátua de mármore.

Não posso chorar, não o consigo! Quisera gritar, jogar-me contra as paredes e arrancar os cabelos, penso que não conseguirei suportar a dor que dilacera minha alma, ela está morta, morta!

Ela esta morta.

Céus, estou ficando louco, trancafiado num quarto frio esperando que um defunto se levante! Começo a rir de toda essa palhaçada, rir incontrolávelmente, aquele riso que mais parece um choro, mas é momentâneo, preciso fazer alguma coisa antes que a insanidade me domine novamente.

Tomo-a em meus braços e saio, nuvens negras encobrem todo o céu, apenas o lampejo dos raios ilumina os campos desertos, meus braços doem e enquanto caminho me dou conta de que cada novo dia será um dia sem a voz melodiosa a cantar ou recitar algum verso novo, cada instante será um instante sem o toque das macias mãozinhas, tais pensamentos me fazem voltar a tremer. Coloco o corpo na cova aberta, começa a chover, finalmente as lágrimas saltaram de meus olhos, cobrindo meu rosto enquanto eu cobria o dela com terra.

A chuva moderada se transformou em tempestade rapidamente, permaneço ainda algum tempo ao lado do monte de terra sob o qual minha amada repousa, tenho vergonha de admitir mas, santo deus como me sinto aliviado! Aquela maldita canção volta a ecoar em meu cérebro e eu sei que não se passará uma noite em que não a ouça em meus sonhos e delírios como uma punição por ter tomado a vida de sua autora, minha adorada Laura. Sim, eu confesso, matei-a e deixo bem claro que o que se sucedeu foi totalmente intencional, não foi, no entato, uma morte sem motivos.

Tudo começou com aquela canção, apaixonei-me de imediato, a voz suave e aveludada era de uma beleza rara, assim como sua dona, Laura. Ela me encantou, me enlouqueceu a tal ponto que... tive que matá-la, minha pequena e diabólica Laura.

Michelle Angel
Enviado por Michelle Angel em 03/02/2009
Código do texto: T1420445
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