ALÉM DOS SONHOS

Capítulo 1

“Sonhar é viver os desejos

da alma.”

- Seria sonho, pesadelo ou um delírio?-

Inexplicavelmente, eu estava caindo num vazio. Em desespero, tentava agarrar algo, mas em vão. Alguma coisa sugava-me para baixo. Sem saber o que ocorria, me vi, repentinamente, deitado em uma superfície sólida.

Paulatinamente, uma imensa paz tomava conta de meu ser. Abri os olhos e ali eu estava, com a cabeça sobre um torrão revestido por uma espécie de graminha fina. Olhei para as minhas mãos, corri os olhos pelo meu corpo e, meticulosamente, comecei a sondar, ainda que deitado, aquele enigmático lugar.

Tentei coordenar as minhas idéias. Era realmente impossível! Tudo que eu lembrava é que havia despencado do nada. Quando me levantei, uma grande interrogação pairava sobre a minha cabeça: seria eu apenas uma lacuna à procura de referência? A dúvida era minha única companheira. O que fazer: permanecer ali esperando as coisas acontecerem ou agir em busca de respostas?

Uma névoa densa impedia-me de enxergar a distância. Ao longe percebi uma tímida luz. Lentamente e guiado por ela, caminhei em sua direção.

Ao atravessar a névoa, descortinava-se um mundo fascinante. À minha frente, havia um grande portal de pedras. Essas pedras de colocação simétrica davam àquele lugar um certo aspecto místico.

Transpondo-o descobri que aquele era o portal da razão. Eu sentia-me inteiramente débil, com uma amnésia angelical. Ali a razão superava a própria razão.

Caminhando a passos firmes, segui indo ao encontro de densa floresta. Em meio àquelas frondosas árvores, sempre em trilha reta, cheguei a uma clareira. À frente, avistei, ao pé de uma serra, um pequeno lago. Compondo aquele belo cenário vi uma casinha branca com telhado vermelho e uma chaminé, que mais parecia um enorme pincel a desenhar no céu anjos e carneiros com a sua fumaça.

Aproximei-me devagar, olhei curiosamente e observei um magnífico jardim. Tudo era encanto! Atravessei a cancela e fui de encontro a uma senhora idosa e muito bonita! Tinha os cabelos longos e grisalhos e dormia suavemente em sua cadeira de balanço debaixo de um caramanchão todo coberto por uma trepadeira. Suas ramagens estavam repletas de flores. O jardim era cercado de regüinhas brancas adornadas de flores antigas e belas, só encontradas no cantinho de nossas lembranças ou nos livros de fábulas de nossos avós.

Parei próximo àquela anciã e comecei a admirar o seu rosto bonito, esculpido pelos longos anos de sua existência. Era tudo novidade. Eu estava confuso mas incrivelmente feliz.

Algum tempo se passou e, mesmo assim, permaneci ali, estático, observando aquele belo quadro. Apesar de não entender o que estava acontecendo, sentia-me seguro e em paz. Não senti vontade de acordá-la. Era como se eu soubesse que tudo aconteceria ao seu tempo.

Em um dado momento, pude perceber que os olhos daquela senhora começavam a se abrir. Observava com detalhe, que as suas pálpebras se moviam suavemente tal qual o desabrochar de uma flor. Eu não sabia o que dizer, se seria bom dia ou boa tarde e, mediante tantas dúvidas, optei pelo silêncio. Aquela senhora, com sua surpreendente sabedoria e, entendendo a minha falta de jeito, disse:

_ Olá, meu amiguinho! Que a paz de Deus reine em sua alma! Eu sou Cacá. Estaria eu enganada ou você está precisando de ajuda?

_ Sim, respondi convicto. Queria saber quem sou, o que estou fazendo e para onde estou indo?

Dona Cacá sorriu suavemente. Senti uma sensação como a de uma brisa fria acariciando o meu corpo nu. Em seguida, ela prosseguiu:

_Filho, para que tantas perguntas? Tudo virá a seu tempo. Vamos por partes: “quem é você?” Esta é uma pergunta que só você será capaz de responder. Deus, quando criou o homem, guardou para o benefício, o eu, bem distante dos nossos entendimentos. Muitos dizem que esse conhecimento foi colocado no fundo, lá no cantinho de nossas almas, obrigando-nos a uma viagem interior constante, bem no centro de nossas verdades. Eu entendo que é uma boa maneira de nos avaliarmos todos os dias, e deveria funcionar como uma vassoura para varrer todas as sujeiras depositadas em nossas almas, a cada instante.

Na verdade, eu não consegui achar uma resposta exata, se sou o que realmente penso ser.

_Você perguntou o que estaria fazendo aqui: Responda-me o que você fazia antes que eu acordasse?

_Bom, antes de a senhora acordar, eu observava a beleza de seu jardim e o quanto é bonita.

Acabei de falar e senti meu rosto vermelho. Talvez eu não estivesse preparado para ser sincero, ainda que fosse para fazer um elogio. Aquela boa senhora de sorriso fácil voltou a sorrir e, depois de alguns segundos, tornou a dizer:

_Meu amiguinho, nós que moramos aqui, há muito restringimos o uso da palavra “observar” em nossas vidas. Descobrimos que “observar” traz apenas alguns conhecimentos; então, substituímos pela palavra “contemplar”. Sentimos que, quando contemplamos algo ou alguém, dividimos beleza, sabedoria e amor. Tudo indo e vindo com tamanha força que revigora e eterniza. Contemple as flores! Veja o quanto elas são bonitas, elas não se fazem bonitas. Dizem que, a cada coisa que contemplamos e achamos belas, ali estarão, certamente, os lábios sorridentes do nosso Criador. Pois bem, filho, você perguntou o que você estaria fazendo aqui e a resposta que posso lhe dar é que, nos últimos momentos, esteve contemplando tudo o que viu, compartilhando conosco a sua beleza e sabedoria.

_ É interessante! Mesmo não entendendo direito o que a senhora falou, por hora, eu estou satisfeito. Mesmo assim, ainda falta a terceira pergunta: ‘para onde estou indo?’

_Meu amigo, às vezes, sofremos por tantos questionamentos que nos torturam, até que aprendemos a usar a nossa fé. Para onde você vai, dependerá somente de você. Se guiar pela voz de seu coração, terá uma grande possibilidade de se dar bem, certo? Filho, sente-se aqui ao meu lado. Contarei a você uma simples história que poderá ajudá-lo pelos caminhos da vida: “Um certo homem morreu ainda jovem. Quando passou para o outro lado da vida, encontrou um anjo que tocava harpa, sentado em cima de uma grande cruz.

_Seu Anjo! disse o homem um tanto quanto perdido. Como faço para chegar ao céu?

O anjo parou o seu instrumento, desceu de cima da cruz e disse:

_É muito fácil, amigo! Pegue esta cruz, ponha em seu ombro e siga sempre em frente. Não desanime com a distância, nem com o peso, vá em frente!

Conta-se que a cruz tinha um tamanho descomunal. Esse homem andou por algum tempo e logo começou a olhar para os lados, para frente e para trás e, vendo que ninguém o seguia, parou perto de uma grande árvore, cortando um pedaço de sua cruz. Sentindo-se aliviado, tomou a cruz em seu ombro e, lá se foi à procura do céu. Andou, andou, e começou a sentir novamente, o peso de sua cruz. Sentou-se outra vez, cortando um pedaço ainda maior que o primeiro. E lá se foi, em busca da vida eterna. Esse nosso amigo não gostava mesmo de obrigações e, por várias vezes, repetiu aquela mesma operação, até que sua cruz ficou reduzida a apenas um símbolo. Andou mais um pouco e viu ao longe o céu, com todos os seus encantos e atrativos. Disparou a correr, queria chegar o quanto antes até aquele merecido lugar, ao encontro da eterna felicidade. Ao chegar à entrada, viu ali um enorme precipício e, para atravessá-lo era necessário que tivesse em mãos aquela cruz de tamanho descomunal pois, era ela a ponte que ligava o homem ao paraíso.”

Não sei se ele se perdeu para sempre ou se voltou e pediu ao anjo uma nova cruz. A conclusão a que cheguei é de que sofre muito mais aquele que não aceita o tamanho de sua cruz.

_Minha boa senhora, estou maravilhado com a sua sabedoria. Deve ser muito velha para ter aprendido tanto! Estou certo?

_Olha, minha criança, vejo que tem muita sede do saber mas, para ser sábio, idade não importa. Posso passar o que eu sei para você em curto espaço de tempo. Sabe, Messias, se eu conseguir lhe ensinar tudo que sei, certamente você chegará à conclusão de que, por mais que aprendamos, na verdade, nunca passaremos de “eternos aprendizes”. Alguém disse que na vida devemos procurar aprender toda sabedoria que poderemos coletar, para quando chegaremos diante de outro ser humano, sermos apenas humano. Messias...

_Eu não me chamo Messias!

_Para nós, aqui neste plano, você será sempre ‘O Messias’. Sabe, meu rapaz, estamos conversando há horas e você deve estar com fome. Vamos para o pomar, lá encontraremos muitas frutas.

Levantamos, demos a volta pelo portão e chegamos ao pomar. Assustei-me ao deparar com tantas árvores frutíferas e dezenas de pássaros em uma tal harmonia que só o grande Mestre é capaz de coordenar. Agradecemos aos céus pelas frutas que nos alimentavam e também pela beleza que nos envolvia.

Dona Cacá, mais uma vez, fez-me entender a origem da vida ao perguntar:

_O que você recebeu das árvores?

_Frutos!

_E o que fez com os frutos?

_Comi!

_Você prestou atenção? A cada fruto que comia, retirava as sementes que retornavam ao chão. Elas, com certeza, germinarão trazendo novas árvores que repetirão, assim, o ciclo da vida. Nós somos apenas os frutos. Crescemos e amadurecemos, doamo-nos, durante a existência e, depois, voltamos às nossas origens, do pó ao pó, deixando nossas obras para que se perpetuem em amor e virtudes.

_Puxa, mas a vida apesar de bela, é tão cheia de bons e maus sentimentos! A senhora me fez ver que, neste plano de Deus, viver e morrer é simples.

_ Meu amigo, neste plano, vida e morte são muito mais simples do que parece. Mas, sobre este assunto, ou o que vem depois dele, o tempo trará as experiências, para que você retire as suas próprias conclusões. Messias...

_Eu já lhe disse que meu nome não é Messias!

_Diga-me, então, qual é o seu nome?

_Bem, eu não sei, apenas sinto que não é Messias.

_Meu bom menino, chamaremos você de Messias por causa de seu coração puro. Não se aflija! Enquanto não descobrir o seu verdadeiro nome, será para nós o “Messias”, que significa “enviado de Deus”.

_Você, por acaso, é algum tipo de anjo?

_Sabe, filho, anjo é todo aquele que nos transmite ensinamentos com amor. Tudo na vida pode passar, os ensinamentos nos acompanham como uma tatuagem por toda a nossa vida.

Permaneci um longo tempo na casa de minha amiga. Ouvia e guardava tudo que ela me ensinava, até que me senti pronto para começar aquela misteriosa jornada.

_Cacá, o que é sabedoria?

_Meu bom menino, sabedoria são somatórias de bons e maus sentimentos, atos e experiências. Penso que a verdadeira sabedoria é encontrar a estrada que parte do nada, até o nosso Eu. A maneira mais fácil de encontrar o caminho é abrindo uma janela em nossas almas, deixando que a luz de Deus penetre como uma lanterna, clareando, as nossas vidas.

_Amiga, sinto que está na hora de eu ir. Abençoe-me, por favor. Eu não sei quase nada da vida, nem mesmo a meu respeito. Se tudo que eu encontrar for igual, em bondade e beleza, às coisas que encontrei aqui, sentir-me-ei como um verdadeiro ‘Messias’.

Ela pegou-me pela mão e caminhamos juntos até o alto da serra. Dali se observava a mais linda paisagem. Abaixo de nós via-se uma imensa campina, com centenas de animais que pastavam harmoniosamente. Ao longe, vimos uma grande floresta cortada por um caudaloso rio. Cacá elevou seus olhos verdes à imensidão como se Ela e a natureza fossem um só ser. Apontou o dedo, mostrando-me uma estrada estreita que embrenhava mata adentro e disse:

_Filho, siga aquele caminho. Mesmo que venha a afastar-se, nunca o perca de vista, para que, quando recuperar a razão, possa voltar com segurança. Sabe filho, muitos se afastaram em demasia e se perderam, nunca mais conseguiram retornar. A estrada é simples e estreita mas pode conduzi-lo com segurança e sabedoria ao seu mundo.

_Ela abraçou-me, beijando meu rosto com carinho. Em seguida, pediu que eu me conservasse humilde pois, segundo ela, “a humildade é o pilar central que sustenta o amor e a fé”.

Capítulo 2

“Confiar em Deus é seguir em frente.

É sentir-se seguro,

mesmo quando não sabemos

para onde ir”.

Sem malas ou mochila, pés descalços e um sorriso de fé e esperança, continuei em frente, em busca de novos conhecimentos.

Segui pela estrada estreita, atravessei a verde campina, embrenhando-me em meio às frondosas árvores, que veio a findar-se à margem do caudaloso rio. Sentei-me na grama verde, com o pensamento voltado para minha grande amiga, Cacá. Tentava lembrar nossos diálogos, estava tão entretido que nem me dei conta do belo cenário que me rodeava.

De repente, um barulho nas águas trouxe-me de volta.

_ Olá, Messias! Eu me chamo Cleone. Puxa, eu vim o mais rápido que pude. Se eu não chegasse aqui a tempo, Nikilyn jamais me perdoaria.

Fiquei imóvel contemplando aquela exótica figura, que sorria de pé em seu barco. Tinha um nariz grande, era moreno queimado de sol, olhos verdes que brilhavam, contrastando com sua pele, um chapéu grande e duas enormes tranças que escorriam pelos seus ombros nus. Sem perguntas ou curiosidades, entrei confiante naquele barco. Cleone, o barqueiro, continuava a tagarelar sem emitir qualquer pergunta. Contemplei, por algum tempo, aquela figura cuja aparência não revelava muito. Resolvi então dividir com ele, algo que havia aprendido com minha amiga Cacá.

_Cleone, há quantos anos trabalha aqui?

_Meu amigo, faz tanto tempo que eu nem sequer lembro. Não considero o que faço um trabalho mas, uma missão.

_Diga-me, o que tem aprendido com a vida?

_Tudo que ela, por acaso, me oferece.

_ Deve ser bem pouco, não é? Pois essa vida pra lá e pra cá, não lhe dá muita chance de aprendizado, correto?

_Sim e não! Aprendi muito daquilo que me é necessário, e, menos da necessidade dos outros. Messias, vou contar-lhe uma história que talvez mude o seu conceito a respeito do saber. Cada ser humano é um universo, cujo núcleo só o Criador pode conhecer “Há muito tempo atrás, meu colega Gasperim estava parado com seu barco à beira do rio, aguardando a sua missão diária. Eis que veio em sua direção um senhor ricamente vestido, com uma pasta de mão, querendo e se sentindo realmente importante. Gasperim, no entanto, fora previamente informado de que aquele passageiro era tão orgulhoso e prepotente que nem aceitou conversar com Dona Cacá, alegando não ter tempo para ensinar “àquela velha ignorante”. Sabendo do “rolha” que tinha pela frente, Gasperim não se intimidou. Lembrava-se sempre dos ensinamentos de Cacá que diziam que “a paciência é a mãe das virtudes”. Depois de ajudar aquele imponente cavalheiro a subir em sua embarcação, disse:

_Que Deus todo poderoso nos proteja para que façamos uma travessia calma e em paz. Vamos com Deus!

_Moço, não coloque seu “Deus” neste barco! Ir e voltar depende apenas de sua competência. Este “Deus” de quem você fala é apenas a força que é buscada pelos fracos e incompetentes.

Gasperim sorriu discretamente, procurando somente cumprir a missão a ele determinada. Navegou por alguns instantes em silêncio quando, de repente, passou voando uma linda garça branca que pousou em uma árvore seca à margem do rio. Naquele momento, o passageiro pouco gentil e desamoroso teceu o infeliz comentário:

_Se eu tivesse com a minha espingarda em mãos, mostraria a você como é que se atira. Sabe, moço, eu não erro nenhum tiro; você acredita nisso?

_É claro que acredito!

_Você conhece a minha fama?

_Não - retrucou o barqueiro.- Mas, aquele que consegue ferir a sua sublime alma com tamanha presteza, apenas com palavras tolas, jamais terá problemas com uma arma em punho.

_Moço, está me criticando? Saiba que estudei nas melhores escolas da França e, por falar nisso, você, com sua sabedoria ribeirinha, conhece a França?

_Não, senhor! Eu apenas me limitei a ser barqueiro. Tudo que aprendo é o que eu ouço.

_Você, por acaso, sabe quem foi Freud?

_Não, senhor!

_Você fala inglês?

_Não!

E, daí por diante, aquele importuno passageiro se divertia apenas em provar ao barqueiro o quanto lhe era superior. A cada pergunta que o barqueiro ignorava, o passageiro dizia:

_Você não sabe? Coitado! Está perdendo metade de sua vida!

O barqueiro ouvia tudo com a mesma serenidade das águas mansas do rio. De repente, Gasperim parou seu remo e, com sua voz calma e rouca, retrucou ao seu ilustre passageiro:

_ Muitas perguntas me foram feitas. Agora, devo lhe fazer apenas uma: você sabe nadar?

_Não, não sei!

_Pois bem, meu amigo, apesar de toda a sua sabedoria, todo o seu conhecimento não o ajudará em nada! Nosso barco, infelizmente furou o casco e você perderá toda a sua vida.”

_Este senhor com certeza morreu, não é?

_Não! Ele foi salvo pelo amor e pureza do coração de Gasperim.

_Amigo Cleone, homem com a índole daquele viajante merecia morrer, você não acha?

_Não, meu amigo! Aquele homem se agarrou muito ao conhecimento humano, o que é salutar. Conhecimento, amigo, vem dos livros, mas a sabedoria vem de Deus.

_E você, meu barqueiro amigo, em que você mais se agarrou: no conhecimento ou na sabedoria?

_Caro Messias, eu sou o viajante que, por acaso, foi salvo por Gasperim. Descobri que sábio é aquele que aprende com a experiência alheia. Aprendi, também, que não adianta ser sabido, a maior sabedoria do ser humano é procurar a felicidade, e só é feliz aquele que tem uma missão de verdade! Devemos fazer de nossa vida um apostolado: Viver é o ato de servir!

_Meu amigo do remo, desde que saímos, estou intrigado com estas duas palavras escritas em seus respectivos remos, o da direita: “ore” e o da esquerda: “labore” Você poderia explicar-me o por quê?

_Meu bom amigo, o resultado diz por si mesmo. Repare que, no momento, irei somente orar.

Dizendo isso, parou o remo esquerdo, usando apenas o direito. Aquele pequeno barco começou a andar pela direita em círculos.

_Agora vou apenas trabalhar.

Do mesmo modo, parou o remo da direita, acionando só o remo da esquerda. E o barco voltou a andar em círculos, desta vez para esquerda.

_Viu, amigo, o que acontece? Preste atenção agora: devo orar e trabalhar.

Usando os dois remos, o barco seguiu em frente, chegando ao outro lado do rio. Chegou, então, a hora de nos despedirmos.

_Meu amigo Cleone, por que ao chegar no melhor da amizade é tempo de se afastar?

_Não, Messias! Não estamos nos afastando. De cada pessoa que conhecemos e aprendemos a contemplar, nós recebemos e doamos e, com certeza, nossas almas jamais se separarão. O amor pode ser trabalhado, moldado mas jamais destruído.

Após nos abraçarmos, voltei para a estrada sentindo que, embora pequenino, estava forte; não tão forte como o mar, mas, como uma nascente pequena com objetivo de chegar ao rio.

Capítulo 3

“Viver a verdade,

é

abrir o cárcere da alma.”

Subi pela encosta do rio, acompanhando um caminho estreito que ondulava entre as árvores. Sentindo-me completamente livre, com os meus olhos orvalhados de alegria, eu tentava contemplar tudo que ali existia. Naquele instante, ouvi um barulho. Era semelhante ao caminhar sobre folhas secas mas nada pude ver. Fiquei intrigado pelo barulho que corria e parava, como um animal à espreita. Tive a sensação de que algo ou alguém me observava. Foi quando descobri, atrás de uma árvore, alguém que, por entre as ramagens, me olhava e se escondia.

Aos poucos e bem devagarzinho, fui me aproximando. Naquele momento, num fio de voz, alguém me perguntou:

_Você é Messias?

_Bom, por aqui todos me chamam assim, mas quem é você?

_Eu sou Nikilyn! Sou um palhaço. Sabe, Messias, pedi que você viesse porque sou um verdadeiro fracasso.

_Amiguinho, saia daí e venha conversar comigo. Quem sabe nós dois juntos possamos encontrar uma saída.

Neste instante, Nikilyn levantou o galho que o ocultava. Fiquei maravilhado com tal beleza. Ele, ricamente vestido, com o rosto maquiado numa beleza tal, capaz de atender a qualquer sonho infantil, por mais exigente que fosse.

_Amigo, por que disse ser um fracasso? A única maneira de fracassar é nunca haver tentado. Você já se apresentou em algum picadeiro?

_Não.

_Por quê?

_Sou muito tímido. Quando vejo as pessoas, minhas pernas tremem e ficam tão bambas, que tenho medo de cair. Meu pensamento me diz, ‘não vá, ninguém vai gostar de você!’.

_Nikilyn, em primeiro lugar, vamos criar um slogan para você. Que tal: “Nikilyn, O Rei dos Palhaços?”

_É muito bonito mas não pode ser, pois não consegui ainda nem mesmo ser um palhaço. Seria uma inverdade!

_É, você tem razão. Vamos pensar em outro nome. Que tal: “Nikilyn, O Palhaço Tímido?”

_Este nome me caracteriza muito bem. Não existe nada no mundo, melhor que a verdade. Mas e agora, o que devo fazer?

_Leve-me até o seu circo.

Andamos pouco tempo e hei-lo! Era realmente um belo circo mambembe.

_Vá, meu amigo, entre no picadeiro e mostre-me o que sabe fazer. Lembre-se de que a sua própria timidez, bem usada, poderá ser a base de seu sucesso. Um bom palhaço tem que ser amigo, sensível e bastante desastrado.

_Você acha que consigo?

_Mas é claro! Olhe para cima, veja as luzes iluminando-o como num toque de mágica. Veja nas arquibancadas as pessoas sorrindo, com os seus corações em festa. Eles não estão ali para julgá-lo, querem apenas sorrir e amá-lo! Vá, meu amigo, o show não pode parar! Veja! O espetáculo vai começar!

Levado pelo sonho maior, Nikilyn ouviu o apresentador anunciar: _Respeitável público, com vocês, nossa estrela maior! O único, o incomparável: “Nikilyn, O Palhaço Tímido!”.

Neste momento, começou a tocar a contagiante música circense. Nikilyn entrou timidamente no picadeiro. Trazia uma rosa junto ao rosto e, com a força dos deuses do picadeiro, fez uma declamação, sobre a vida, acabando por emocionar a todos. Após a declamação, mergulhou novamente no palhaço nato, que era, fazendo todos que o assistiam chorar de tanto rir. Ao término daquele mágico espetáculo, todos batiam palmas e gritavam eufóricos; “Nikilyn, Nikilyn, Nikilyn!”. Olhei maravilhado para a platéia, que antes não existia e, na primeira fila, estavam Cacá, Cleone e, supostamente, Gasperim.

Aproximei-me dos três, contemplamo-nos mutuamente. Abracei Cacá, beijando-a com carinho. Cacá, rompendo aquele momento de contemplação, falou-me:

_ Messias, estou orgulhosa. Cumpriu com sabedoria a missão que lhe foi determinada. Quando lhe dei o nome de Messias, sabia que, em você, Deus se fazia presente. Vá se encontrar com Nikilyn, ele quer dividir a sua vitória com você.

_Desci correndo para o picadeiro, fiquei frente a frente com aquele agora famoso palhaço. Ele, movido pela felicidade, abraçou-me com ternura e em seguida falou:

_Messias, obrigado! Aprendi muito com você. O mais importante que me ensinou é que devemos lutar para conhecer a nossa verdade, pois só ela nos liberta. Muito obrigado, amigo!

_Meu caro Nikilyn, contaram-me, há muito, uma história, que talvez lhe sirva de experiência para o seu dia a dia: “Certa vez, muito longe daqui, havia um palhaço muito famoso, que a todos encantava. Quando entrava no picadeiro, as crianças de todas as idades riam tanto que chegavam a cair de seus assentos. Um belo dia, aquele magnífico palhaço foi contratado para fazer uma criança, que nunca havia sorrido, sorrir. Naquela noite, fizeram uma grande festa. Foi armada uma tenda no quintal daquela rica e triste casa. Ali, tudo lembrava a felicidade: balões coloridos, música, pipoca, mágicos e tudo que fazia lembrar a alegria. As crianças brincavam quando anunciaram que o esperado palhaço iria começar o seu show. As pessoas se posicionaram estrategicamente, para não perder nenhum detalhe. E, neste clima, começou o espetáculo. Era impressionante o quanto todos riam. Mas o triste garoto continuava estático e com a feição apática. A cada momento, nosso bom palhaço mudava de tática, tentando alcançar aquele mundo infeliz que habitava naquela pobre criança rica. Foram horas de combate: “alegria versus apatia.” Até que aquele bom palhaço, vencido pelo cansaço, sentou-se frente a frente com aquela pobre criatura, perguntando num triste sussurro:

_Filho, que mal trazes na alma, que me negas um sorriso?

E, olhando fixamente para aquela criança, começou a chorar. Ao ver que o palhaço chorava, aquele pequeno ser humano, começou a sorrir gritando eufórico:

_Vejam, o palhaço está chorando! O palhaço está chorando!”

Graças a Deus, nosso pequeno triste voltou a sorrir. Lembre-se amigo, de que existe muita gente que só aprende a sorrir depois de fazer os outros chorarem.”

Despedi-me de meus amigos e, mais uma vez, pus pé na estrada e tomei um rumo não determinado.

Capítulo 4

“Abra a vivenda de seu ser

e deixe que a luz divina penetre fixando

ali a sua morada.”

Subi e desci ladeiras. Ouvia poucos ruídos, o cantar dos pássaros e a sonoridade das águas descambavam pedra abaixo, formando uma cortina transparente. Era uma bela cachoeira! Parei, sentando-me sobre uma grande pedra negra que cercava as águas, formando em torno de si um vai-e-vem que mais parecia um bailado das águas. Parei ali por algum tempo, saciei minha sede e deixei meus pés se refrescarem nas águas frias.

Prosseguindo, agora pelo leito do riacho, lembrava-me de Dona Cacá e de tudo que havia acontecido em minha caminhada. Sem dúvida, havia aprendido muitas coisas, embora nem mesmo eu soubesse para quê, ou por quê deveria aprender. Mesmo assim, continuei.

O tempo ali era ignorado, por isso, não sei por quantos dias andei.

Cheguei a uma casa grande, onde tudo era festa: crianças corriam e gritavam numa euforia contagiante. Observei que o muro daquela casa havia caído e mais parecia uma ruína romana. As árvores do pomar estavam cheias de frutos. As crianças e os pássaros dividiam espaço nos frondosos galhos. Tudo se traduzia em alegria. Tio Francisco, o dono da casa, preparava sucos e bolos para todos. Aproximei-me dele e comecei a contemplar aquela figura calma, de sorriso franco e aparência simpática.

_Olá Messias! Há muito o esperávamos. Venha cá, aconchegue-se na rede, pois há muito o que conversar. Messias, o que me conta da vida?

_Bom, senhor, ainda não tenho uma idéia definida, mas me parece que é o mesmo que definir o gosto de uma comida, apenas pelo cheiro. Se o cheiro nos é agradável, temos certeza de que o seu gosto também o será.

_É, meu amigo, talvez você não esteja tão certo. Às vezes, nem tudo que parece é. Responda-me: o que você acha de minha casa?

_Puxa! É claro que um lugar como este foi criado com todos os requintes para tornar as pessoas felizes, não é verdade?

_Não.- retrucou com um leve sorriso.

_Vou contar-lhe tudo o que ocorreu: A existência nos prega troças que, na verdade, são frutos de tudo o que plantamos. Às vezes, frutos bons, outras vezes, maus; isso não importa muito, o fato é que precisamos de todos esses frutos. É eles que alimentam o nosso espírito, tirando-nos da simples sobrevivência e nos entregando à vida.

“Há muito tempo, eu vivia numa sociedade onde a lei era viver a qualquer custo. Eu era um jovem, (fruto dessa sociedade) que lutava bravamente para sobreviver. Meu pai, que também era parte dessa sociedade, comentava com os outros orgulhosamente: “este garoto vai longe”!

....Criado desta maneira, no mundo que dizia apenas “mais!” desconhecia por completo algumas palavras como: dividir, amar, dar e receber. Eu, na verdade, conhecia o “toma lá e dá cá”. O único objetivo era o poder. “Faça isso, faça aquilo, eu mando, pois sou eu quem está pagando”. Meu egoísmo era uma rocha. Cego e surdo, jamais tive tempo para alguém e, em pouco tempo, cheguei ao ápice. Meu pai, agora idoso, polido pelo majestoso e poderoso tempo, formado na faculdade do sofrimento, tentava, inutilmente, ensinar-me, para que eu não sofresse tudo que havia sofrido, por desconhecer os verdadeiros valores da vida. Nessa altura dos acontecimentos, havia em meu pensamento apenas uma meta: o poder. Foi então que idealizei a construção desta casa.

_Mas eu não estou entendendo nada! Se o senhor era essa pessoa egoísta e presunçosa, como poderia criar este paraíso, que acolhe tanta felicidade?

_Você está certo amigo, não dá mesmo para entender, mas existe um plano superior, regido por um mestre divino, que tudo sabe e a todos atende. Meu velho pai, antes da grande e última viagem, certamente, em suas orações, pedira ao Pai que me mostrasse o sentido da vida. É, meu amiguinho! Ele realmente completou sua obra. Tudo começou quando resolvi construir aqui a minha fortaleza. Queria um lugar onde ninguém ousasse importunar-me. Construi minha casa toda fechada; os muros com mais de três metros de altura, que garantiriam a minha santa privacidade. Eu não percebia que aquilo não era privacidade. Era, na verdade, a mais completa solidão.

Arborizei meu pomar com árvores frutíferas e arbustos ornamentais, para enfeitar de flores aquele paraíso somente meu. O tempo passou, minhas árvores frutíferas cresceram, mas não davam frutos; as ornamentais, nem botões de flores, por incrível que pareça, nem mesmo os passarinhos cantavam ou faziam ali os seus ninhos. Realmente, era a mais triste solidão. Resolvi fazer uma longa viagem. Queria fugir para longe, tentando procurar, seja lá onde fosse, a tal de ‘felicidade’. É, meu amigo, rodei meio mundo, procurei aqui e ali, mas, nada de felicidade. Pensei comigo mesmo: ‘Meu velho pai devia estar caducando, antes de passar para o outro lado da vida, disse que eu precisava mudar de vida, e eu mudei. Estou viajando há tempos, coisa que jamais fiz. Procurei conhecer todas as Sete Maravilhas do Mundo e, na verdade, não me empolguei.’ Comecei a questionar: porque todos estão maravilhados e só eu não consigo ser feliz? Resolvi voltar para casa. Não adiantava procurar este obscuro Deus de que meu pai falou tanto antes de partir. Se este Deus quiser, Ele mesmo me encontrará.

Sabe, amigo, naquele mesmo dia, juntei minhas tralhas frustrado e sentindo-me o mais infeliz dos homens, voltei para continuar sobrevivendo, até o final de meus dias.

Quando cheguei a minha casa, deparei-me com um quadro que jamais pensei que pudesse acontecer: uma grande tempestade havia derrubado o muro e, mesmo com toda estrutura e tamanho, ele não resistira à força da natureza. Meu amigo, isso ainda era pouco, diante do que ainda viria a acontecer. Quando cheguei ao quintal, pude ver minhas árvores cheias de frutos e flores, crianças que brincavam subindo e descendo das árvores, pássaros que fizeram ali seus ninhos, fixando aqui suas moradas. Experimentei naquele momento, uma sensação indescritível. Passei então a contemplar a importância das crianças, dos pássaros e também a minha. Percebi que, involuntariamente, havia proporcionado a pintura de um belo quadro, com que jamais sonhara.

_Puxa, tio Francisco- comentei, num fio de voz - que história linda!

_É, meu rapaz! Mas, o mais emocionante ainda estava por vir, foi o momento do meu encontro com a verdade. Olhei para uma jabuticabeira, onde uma pequena criança se esforçava para subir. Pude reparar que aquela criança estava com o cotovelo e antebraço machucados e sujos de sangue. Fiquei com muita pena, sentimento estranho para mim. Então, fui em direção a ela, para ajudá-la a subir na árvore. Quando me aproximei daquela pequena criaturinha, comentei: ‘Filho, você se machucou todo. Por que não pediu para que o ajudassem subir?’ Ele surpreendeu-me com sua resposta:

_Não, tio Francisco, na verdade, não me machuquei tentando subir em sua árvore! Estes arranhões em meus braços, eu os consegui há tempos, quando tentava pular o seu muro! Eu sou aquele que o procura para lhe dar felicidade. Eu sou o filho de Deus.”

Ao ouvir esta narrativa, chorei.

_É, meu companheiro, - disse Tio Francisco,- não devemos construir muros diante de nós e, se o construirmos, devemos deixar um grande portão para que o amor entre, expulsando de vez o orgulho e o egoísmo. Só é feliz aquele que sabe compartilhar.

_Desfrutei, por muito tempo, da acolhida prazerosa de meus novos amigos. Senti que já se fazia tarde e devia apressar-me, pois a jornada não terminaria ali. Seria, apenas, mais um capítulo de meu aprendizado. Tio Francisco, sabedor da minha missão, olhou-me e disse:

_Siga em paz.

Capítulo 5

“Sepultar os maus sentimentos

é

Fartar-se de luz”

Novamente, eu estava tal qual um barco à deriva, com a certeza de que, a cada passo, estava diminuindo o caminho entre a criatura e seu criador pois, não importa para onde vamos, chegaremos sempre a algum lugar.

Neste novo caminho, tudo estava diferente: folhas secas, montes rochosos, árvores tortas, correção de formigas. Era uma paisagem rústica, mas nem por isso descartava-se de seus encantos. Eu a tudo contemplava. Senti que chegara a um lugar onde seria meu novo encontro. Estranhei ao ver que, naquele lugar tão árido, existia tanta vida. Pouco abaixo do ponto em que eu me encontrava, via-se um cemitério. Pude ver e ouvir um pequeno homem que abria uma nova cova com a mesma alegria de quem prepara a mesa para um banquete. Perguntei ao homem:

_Meu bom senhor, por que tanta alegria se o que fazes é enterrar pessoas, deixando aqui fora tanta tristeza e saudade?

_Engano seu, meu amigo, aqui em nosso mundo, o cemitério tem outro significado. Aqui, apenas enterramos as nossas sobras. É por isso que me alegro, não existe nada melhor que enterrar o orgulho, a vaidade, a arrogância, a ira, a gula, a avareza, a preguiça, a inveja e a luxúria. É como despir os homens de seus defeitos e revesti-los de sabedoria, preparando-os para uma vida melhor.

_Nossa! Há quanto tempo o senhor exerce essa missão?

_Desde o início. Este trabalho é tão velho quanto a humanidade. Eu que o pratico, viverei, enquanto existirem os bons e os maus sentimentos.

_E esta sepultura, o que esta enterrado nela?

_Não sei se você prestou atenção, é uma túmulo pequeno, neste lugar foi enterrado apenas o resto do orgulho de um santo homem. Você tem tempo para me ouvir?

_Sim, - respondi ao coveiro.

_Vou contar a você uma parte da vida deste verdadeiro missionário que vive do outro lado. “Padre Zico, desde criança, viveu em missão de fé. Cuidava dos necessitados, sempre disposto a ouvir e a aconselhar a todos que o procuravam. Desprovido da avareza, com uma vida ligada simplesmente à espiritualidade, doou todos os bens que recebera de herança aos pobres.

Por mais que ocupasse seu tempo nas suas tarefas do dia a dia, não conseguia ser feliz. Sentia uma tremenda vontade de morar e viver em uma ilha onde viviam leprosos. Naquele tempo, o hanseniano era retirado da sociedade, vivendo o resto de seus dias ‘a mercê da própria sorte. Por várias vezes, tentou convencer o bispo de que o liberasse para aquela que seria sua verdadeira missão. O religioso amava com toda as suas forças aquele bom pastor e emissário de Deus. Este, por sua vez, argumentava de todas as formas, numa tentativa inútil, de convencê-lo a ficar. Por fim, vencido pelo cansaço, perguntou-lhe o seu superior:

_Padre Zico, o senhor tem consciência dos tributos que pagará com essa atitude? O senhor sabe que uma vez nesta ilha, jamais poderá retornar?

_Sim, disse o santo homem esperançoso.

Não tendo mais argumentos, mesmo sabendo que seria a ultima vez que veria aquele santo padre, deu-lhe a permissão. Despediram-se com um abraço fraterno. Padre Zico beijou a mão de seu bispo e amigo, partindo em busca da sua verdadeira tarefa.

Era uma viagem longa de navio mas, para o padre, nada nem ninguém poderia afastá-lo de seu sonho. Por fim, chegaram. Um pequeno bote veio até o navio para apanhar os suprimentos que, periodicamente, lhes eram entregues. Qual foi a surpresa daquela boa e infeliz gente, ao descer um padre, junto aos suprimentos. Foi, para a colônia de leprosos, um grande motivo de festa. Festejaram durante toda a noite. Os dias se passaram e o nosso bom padre a todos atendia, ajudando a cuidar dos enfermos, dando banho nos paralíticos, rezando por todos eles.

Nosso bom homem, no entanto, não conseguia ter uma alegria plena. Sentia que, embora fosse aquilo que ele queria, ainda lhe restava um pouco de orgulho e de preconceito.

Uma certa manhã, quando se preparava para a celebração matinal, observou que havia cortado o seu dedo e não sentiu dor, pois ele havia contraído a lepra. Uma imensa alegria tomou conta de sua alma, e, no início de sua celebração disse:

_Irmãos, agora sou um de vocês, a barreira foi rompida.

_E, assim, naquela manhã celebrou a melhor e mais bela missa de sua vida.”

_Meu amigo, este é um belo exemplo para todos nós. Tende a provar que, só através da igualdade, podemos encontrar a plena felicidade.

_Realmente, o senhor tem razão, o que nos diferencia uns dos outros é a sobra. Amigo, e aquela cova grande?

_Ah é, eu estava me esquecendo. Aquela cova maior também é dos sentimentos de outro padre. Podemos chamá-lo de padre Hilu. “Hilu, quando jovem, era amigo inseparável de Nestor. Tinham semelhantes idéias e as mesmas aptidões. Quando atingiram a adolescência, ambos sentiram uma grande vocação para a vida sacerdotal. Foram para o seminário na esperança de permanecerem sempre juntos. Hilu, em pouco tempo, se destacou pela facilidade com as palavras, mostrando que seria mesmo um bom sacerdote. Nestor, ao contrário de Hilu, apesar de humilde, era limitado, na certa não conseguiria ser um padre. Foi, justamente, o que aconteceu, HiIu ordenou-se padre; Nestor não conseguiu. Mesmo assim, continuaram amigos inseparáveis. Todas as vezes que padre Hilu celebrava uma missa, Nestor estava presente, sentado bem na frente, admirando seu amigo.

A cada dia, a fama de padre Hilu corria, já atravessando fronteiras. Cada vez que pregava, mobilizava os fiéis com tamanha sabedoria. Nosso amigo chegou a ficar tão famoso que começou a se esquecer daquele amigo que sempre o acompanhava. Certa vez, foi convidado a pregar para uma multidão de fiéis em um país vizinho. Sua vaidade sobrepôs sua humildade e, quando subiu ao altar, sentiu um tremendo vazio que foi o seu primeiro fracasso. Dias depois, viveu o maior sonho que um padre poderia sonhar. Foi convidado a pregar na praça São Pedro, no Vaticano. Com todo o entusiasmo de quem esperou anos, por tão sublime momento, preparou incansavelmente para corresponder a todas as expectativas. Infelizmente, mais uma vez, fracassou. Sentido-se derrotado, triste e solitário, lembrou-se de Nestor.

_ ‘Onde andará meu fiel amigo, não sei por que o desprezei, deixando-o entregue à sua própria sorte.’

Decidiu ir em busca daquele fiel escudeiro. Ao chegar em sua terra natal, foi à casa de Nestor. Chegando lá encontrou enfermo o seu grande amigo. Este, ao vê-lo, ficou emocionado. Começaram a conversar e então, o velho amigo perguntou ao padre:

_Amigo, você fracassou?

_Sim, meu irmão, acho que a fonte de minha inspiração secou. Hoje, estou certo de que você era esta fonte.

_É, caro amigo, formávamos uma grande dupla, enquanto você falava, eu, ali na frente, orava pedindo a Deus por você. E abraçaram-se chorando, prometendo, um ao outro nunca mais se separar.”

_Gostei da história, aprendi que nunca devemos colocar nossa vaidade acima da amizade.

Amigo, estou vendo, lá do outro lado, um grande e belo jazigo, você podia me falar a respeito dela?

_Sabe, garoto, aquele belo jazigo é onde são depositadas as virtudes.

_Há quem sobre virtude?

_Não, virtude não sobra. Mas podemos sepultá-las, trocando-as pelo pior de todos os sentimentos, o “orgulho”.

_Me conte, amigo coveiro, como se dá essa troca, que acaba por desperdiçar essas maravilhas, que são as virtudes.

_Contarei para você o porquê daquele túmulo:

“Em uma pequena cidade, duas famílias de tradição e princípios uniram os seus filhos pelo santo matrimônio. Ainda recém-casados se desentenderam.

Ele disse:

_ Nunca mais entrarei em nosso quarto!

...._Ela por sua vez, retrucou:

_Se você aparecer lá, eu juro que abandono o quarto! - Movidos pelo calor da desavença, juraram nunca mais perdoarem um ao outro.

Passaram cinqüenta anos e não se ouvia conversa nem sorriso. O orgulho era surdo e mudo. O marido com a saúde precária morreu. Sua esposa tomada pela mais profunda solidão, deprimiu-se, até que a encontraram morta. Ao lado de sua cama, encontraram dois diários. Em seus registros havia os mesmo sonhos. No diário dele, existia o seguinte relato: “Esta noite, ouvi quando você se levantou. Meu coração bateu forte, senti-me como um colegial à espera de sua primeira namorada. Ficou mesmo no sonho. A frustração continuava minha companheira.”

No outro diário, mais uma narrativa surpreendente: -“Levantei-me esta noite, porque queria procurá-lo. Meu coração não podia mais suportar a solidão. Sonhava com seus carinhos, queria apenas ser amada. O medo de ser rejeitada, me impediu. Voltei para cama e chorei a noite inteira. Meu Deus! Como é difícil suportar sozinha tanto amor.” Morreram com seu orgulho, deixando de escrever os melhores sonhos em seus diários.”

_Meu amigo, como podemos desperdiçar tanto sentimento? Cultivar o amor é fartar-se de prazer. É dar cores e perfumes, embelezando o infinito de nossas vidas.

_Observe aquele outro túmulo grande ao lado, nele também estão depositados os sentimentos de um chefe de família. Vou lhe contar esta outra trágica história:

....“Existia há tempos, um casal pobre, que vivia um amor de fazer inveja. Por causa deste amor ilimitado, o Pai da Vida lhes concedeu um belo filho. Este filho era a alegria da casa. Não importava muito se lhes faltava conforto ou alimento, o amor superava tudo. Senhor Candinho, o pai do garoto, começou a melhorar rapidamente sua vida material. Para se tornar importante, Candinho passou a ficar cada vez mais tempo com seus amigos de futilidade. Conversas fiadas, competições e bebedeiras passaram a comandar sua vida. Passou a brigar com a sua esposa, achar defeito em tudo e a beber cada dia mais. Sua vida financeira estava cada vez melhor, a afetiva deixava muito a desejar. Resolveu, então, comprar um carro novo, daqueles que causassem inveja. Hei-lo no dia seguinte, na agência da cidade, comprando o passaporte para a felicidade. Levou o carro para apreciação dos colegas de infortúnio, provocando neles uma inveja de morte. Quando voltou para casa, guardou seu carro novo, como quem guarda um tesouro. Entrou para dentro de casa bêbado, xingando, bravo como se a família fosse o empecilho de sua vida. Não se lembrou de beijar a esposa, nem mesmo de fazer um afago no filho, que agora contava três anos. Depois de aborrecer a todos, deitou-se, apagando de vez. Seu filho, com toda a pureza que Deus lhe deu, foi até o carro do pai, olhou-o por alguns minutos, pegou um prego que estava sobre a prateleira e começou a riscar aquela pintura nova, desenhando ali, a sua obra prima. No outro dia, seu Candinho levantou cedo, numa ressaca de fazer dó, tomou um banho, mas não conseguiu tomar o seu café. Saiu, então, para pegar a sua nova aquisição (o carro) para ir trabalhar. Ao chegar à garagem, deparou com seu veículo todo riscado. Enfurecido, entrou casa adentro gritando, pegou o seu garoto e, levando-o à garagem, perguntou ao filho se fora ele o artista que havia feito aquilo. Inocentemente, o garoto confirmou. Inconsciente, com a raiva que o conduzia, tomou entre as suas, a pequenina e gordinha mão da criança, batendo forte. Bateu, bateu e bateu, enquanto sentia raiva, enquanto a mãe do garoto gritava pedindo por socorro. Foi inútil, ninguém apareceu. Ao terminar a seção de tortura, deixou o filho aos prantos e lá se foi ‘a procura de mais bebida, para acalmar a fera, que estava solta em seu ser.

Ao voltar a casa, com um remorso muito forte, foi procurar o filho que chorava no colo da mãe, com sua mãozinha inchada. Passou pomada, remédio caseiro, e tudo que supunha melhorar o machucado. Foi em vão. Não podia levá-lo ao hospital, tinha medo de a que descobrissem a monstruosidade que havia cometido. O tempo passava e, a cada dia, a mão da criança piorava. Até que um dia, a mãe desesperada diante do sofrimento do filho, correu com ele para o hospital. Os médicos revoltaram-se com tamanha barbaridade. Começaram a lutar pela recuperação daquela mãozinha delicada e tão danificada pela ignorância do pai. Foram dias de luta, porém nada adiantou, diante daquele órgão tomado pela gangrena. Os médicos não tiveram outro recurso, senão amputarem aquela frágil e delicada mão. Com o tempo, o ferimento cicatrizou e os médicos deram alta à criança. A mãe levou o filho para casa, onde o pai alcoólatra o esperava. O remorso torturava a sua alma.

A criança, ao ver o pai, correu a seu encontro e, com saudade, o abraçou. Depois das lágrimas de remorso, o pai tentando se redimir da culpa pelo sofrimento do filho, pedia-lhe perdão.

_Papai, disse o filho inocentemente- quando a minha mãozinha crescer de novo, eu não vou mais riscar o carro do senhor, viu?

O pai não agüentou mais o remorso que o torturava, deixou o filho e foi até o quarto, dando cabo de sua própria vida.”

_Sabe, amigo, é por isso que aquele jazigo é tão grande, lá estão depositados todas as virtudes que eram de Candinho.

_Amigo coveiro, desta vez não tenho nenhum comentário. Eu, na verdade, devo continuar minha caminhada, a última coisa que preciso saber, é o seu nome.

_Meu nome é Humildade, só eu sou credenciado a enterrar, eliminando de vez as sobras e pecados. Meu amiguinho, um sábio disse que `devemos aprender toda sabedoria que o mundo nos proporcionar, para quando chegarmos perto de outro ser humano sermos apenas humano`

_Senhor, não quero despedir de você, espero que permaneça comigo para sempre.

Capítulo 6

“Viver o amor

é sentir-se um pouquinho

Deus.”

Com estas palavras, voltei à estrada. Não sabia o que me esperava e nem me preocupava com isso. Sabia que o importante era o momento. Andei muito, pela primeira vez estava cansado e parei debaixo de uma árvore. Deitei um pouquinho e não demorou para eu pegar no sono. Acordei num sobressalto pois senti que alguém me contemplava. Vi um jovenzinho com vestes brancas como ‘O Pequeno Príncipe’.

_Minha criança, quanto me alegro, ao acordar com tão bela visão!

_Moço, a beleza não está nas coisas nem nas pessoas. Esta avaliação é feita pelo nosso coração. Messias, há muito o estou contemplando, vejo o quanto dorme tranqüilo, sei que este é o sono dos justos. Tenho certeza de que você vem de uma longa jornada. O que tem para me ensinar?

_Depende do que precisa saber.

_Você, por acaso, é algum sábio?

_Minha querida criança, sabedoria não está nas coisas ou palavras que conhecemos, a verdadeira sabedoria encontra-se no ouvir com a alma, ver com o coração e falar associando a razão. Na verdade, pessoa alguma consegue ser sábia a todo momento mas temos por obrigação tentar sê-lo a cada segundo.

_ Que coisa mais complicada. Eu queria ser como as pedras, elas não têm sentimentos, na verdade, não sofrem.

_Filho, sofrimento é tentar ser o que não somos. Tenho certeza de que, por detrás destas palavras, existe a alma mais sensível e bela que já se viu. Ou estou enganado?

_Não sei, é por isso que vim a sua procura. Talvez eu tenha perdido a minha identidade. Por favor, ajude-me.

_ Então vamos começar a nos entender. Em primeiro lugar, qual é o seu nome?

_Amor.

_Amor? Meu Deus! O que eu, um mero aprendiz, poderia ensinar para o sentimento mais nobre do mundo.

_Disseram que você poderia me ajudar. Em primeiro lugar, qual a sua definição de ‘amor’?

_Amiguinho, nunca pensei em definir o amor, sempre preferi vivê-lo. Viver o amor é libertar a alma, é ser paz, é doar, é ser parte atuante deste grande universo. Contarei a você um fato acontecido que demonstra a pureza de coração daquele que carrega consigo o verdadeiro amor:

“Há algum tempo atrás, vivia uma senhora que tinha como prioridade ajudar os necessitados. Sua luta era constante. Pedia de porta em porta algum donativo para doar aos nossos milhares de necessitados. Era uma luta ferrenha. Muitas pessoas tinham fome, outras frio, a maioria não tinha teto, muitos tinham todas as necessidades juntas, além de viverem à margem da vida. Por incrível que pareça, o que mais causa sofrimento a essas pessoas é a solidão, o que se torna a mais profunda falta de esperança. Nossa bondosa senhora tentava suprir parte do básico que a eles fora negado. Tornando-se, assim, o veículo do amor. Várias pessoas a surpreenderam chorando, quando saía de um casebre onde recebera como doação meio quilo de arroz. Talvez fosse uma divisão justa, meio quilo, era o suficiente para aquela boa família passar o dia; a outra metade, com certeza, faria a alegria de outra família totalmente desprovida de alimentos. Parecia injusto receber tal doação mas aquela boa senhora sabia que a virtude do saber receber, com certeza equivale à grandiosidade do doar. Aquele pessoal humilde alimentava o corpo com o meio quilo do arroz e, com a parte doada, com certeza, alimentava o espírito reforçando o laço com o nosso Criador.

O amor puro e cristalino daquela senhora comovia a todos. Muitas pessoas de posse, ao receber a sua visita e ouvir suas narrativas, se comoviam. Muitos ricos aprenderam com ela o verdadeiro sentido da vida. Quem doa um grão recebe, com certeza, uma espiga de felicidade.

Certa manhã, a mensageira do amor saiu para sua peregrinação diária: pedir o pão, para quem tinha fome. Ganhava um pouquinho aqui, outro ali e muitos batiam-lhe a porta . Nem isso desanimava nossa valente missionária. De fato, ela era movida pelo amor Divino. Naquela manhã, as coisas não estavam nada bem, recebera bem menos mantimentos do que gastaria com seus protegidos. Ao passar defronte a um supermercado, olhou para o seu interior e viu tanta fartura que murmurou consigo mesma:

_Se eles doassem apenas um pouquinho de cada coisa, com certeza, mataria a fome de minha gente, por alguns tempos.

_Com uma fé inabalável, entrou porta adentro, procurando o dono ou responsável pelo estabelecimento. Movida pela força divina, viu-se frente a frente com o proprietário e estendeu a sua frágil e delicada mão, pedindo:

_Você pode dar uma esmola para os meus pobres?

Aquele homem de pouca compreensão, olhou a mão estendida e deu uma raspada na garganta, cuspindo naquela pequena mão que tão somente lhe pedia para ajudar a encontrar o caminho do amor. A nossa santa personagem olhou para aquele homem que sorria v com sarcasmo. Calmamente, retirou um lencinho branco do bolso e limpou devagar a sua mão. Depois, guardou o lenço e, estendendo a outra mão, disse:

_O que me deu é o que eu mereço. Agora, pode dar uma esmola para os meus pobres?

Aquele sorriso irônico, repentinamente, sumiu do rosto do homem, dando lugar a um choro seguido de soluços. Era a conscientização da sua estupidez. O amor, mais uma vez convenceu. Depois de se desculpar, chamou alguns de seus empregados e mandou carregar um caminhão de mercadoria para entregar na obra daquela que o fez despertar para a vida.”

_Sabe amigo, às vezes precisamos conversar com outras pessoas. Só assim reencontramos nossa identidade.

_Meu companheiro Amor, o que o confundiu tanto a ponto de pedir ajuda?

_Amigo, comecei a me impressionar com as conversas tolas e vazias no que se referia a mim. As pessoas matam e se matam, batem e roubam, usam de intrigas, prostituem-se, deturpando e desgastando o verdadeiro sentimento.

_Amar é o ato de doar, sem pedir nada em troca. “Conta-se que, em uma pequena casa, lá no alto da serra, morava um homem que amava tudo e a todos. Os que o conheciam o chamavam o “homem de Deus”. Na verdade, esse nome justificava aquela pessoa. Certo dia, estava ele orando perto da janela, quando um pequeno pássaro entrou desesperado, caindo exausto no seu colo. O bom homem pegou aquela pequena criatura em sua mão. O pobre passarinho apavorado tremia muito. Ele o abraçou junto ao peito. Nesse momento, entrou pela janela um grande gavião nervoso que reclamava os seus direitos:

_Isto não é justo, há léguas eu persigo este pássaro, por direito ele é meu. Eu não sou ruim, sou um predador, se você me tira a presa, com certeza, morro de fome.

Aquele bondoso homem, ponderou o ocorrido, sabia que o gavião tinha razão mas pensou: ‘Se entregar o pássaro, ele fatalmente morrerá, é um verdadeiro dilema, se me nego a entregar o passarinho, é o gavião que morre de fome.’ Então, o homem chamou o gavião para um acordo:

_Amigo gavião, vou lhe fazer uma proposta bastante justa, vamos pesar o passarinho, eu darei um pedaço meu, equivalente ao seu peso.

O gavião prontamente aceitou. Neste momento, desceu uma enorme balança do céu. O homem de Deus pegou o pássaro colocou-o no prato da balança e, cortando um pedaço seu, colocou no outro prato, e a balança pendeu para o lado do passarinho. E então, o homem cortou outro pedaço e a balança mostrava que o pássaro ainda era mais pesado. Continuou a cortar pequenos pedaços e não conseguia chegar ao peso do pássaro. Naquele instante, o homem sofrendo e sangrando, resolveu, então, subir na balança. Aí, então, os pratos se nivelaram. O bom homem compreendeu a lição: ‘quem ama não negocia partes, amar é doar- se por inteiro’.”

Realmente, o amor supera a ingratidão, as dores e o egoísmo. Somente o amor, é, capaz de doar a própria vida.

“O amor é o vinco da perfeição.” O amor só e completo, quando traz consigo, em seu interior, a caridade.

_Já é tarde, é hora de ir, estou muito honrado em conhecê-lo.

Abraçamo-nos e mais uma vez, saí pela estrada estreita.

Capítulo 7

“A morte é a amiga fiel,

que nos espera

pacientemente, por toda a nossa vida.”

Passei desta vez por uma campina, encontrando uma bela paisagem. Emas e seriemas corriam dando àquele lugar um toque especial. Cheguei a um vale cheio de sombras. Confesso que senti um arrepio como se um vento frio passasse em minha espinha, causando um certo receio. Fazia um silêncio tão grande que comecei a andar cautelosamente.

Pude ver uma senhora sentada em um tronco caído, que cantava uma linda canção para uma criança que dormia serenamente. Quando me aproximei, assustei-me, pois ela era muito velha e feia, tanto quanto aquele lugar.

_Ora, ora! Olhe só quem vem me visitar. Sabe, Messias, não é normal que eu receba visitas. Normalmente, sou eu quem as faço. Sei que você está me achando a coisa mais feia que já viu, não é?

_Sim, perdoe-me. Sou apenas um ignorante, talvez eu não saiba direito distinguir o bonito do feio. O que aprenderei com você? A encontrar a beleza, mesmo que pareça impossível?

_Quem sabe? É só você quem poderá responder. Meu amigo, às vezes nos tornamos feios pelo modelo que nos é imposto. Acompanhe-me e contemple, quem sabe terá um enigma para início de sua aprendizagem. Vamos ver que a beleza está no conhecimento dos fatos.

Ela pegou aquela criança e atravessamos uma gruta de pedras, quando chegamos a um lugar que só poderia mesmo existir nos sonhos. A criança abriu os olhos com suavidade e sorriu como se voltasse para seu habitat natural. Qual foi a minha surpresa, quando vi milhares de crianças, vindas de todas as direções, como se brotassem da terra. Eram crianças lindas com vestes brancas. Corriam em direção à recém-chegada, mais pareciam um grande lençol alvo cobrindo a terra numa harmonia singular.

Aquelas crianças receberam das mãos de nossa amiga a nova habitante. Contemplei neste momento uma surpreendente transformação de um ser, tal qual a de um casulo em borboleta. Aquela senhora feia transfigurou-se dando lugar a um ser de luz.

_Meu amigo, não se assuste! Aqui neste lugar, eu sou vista desta forma, isso porque eu sou apenas o que realmente sou. Do outro lado, vocês me vêem como me imaginam.

_Estou começando a entender. Cria-se no mundo uma imagem que traduz os nossos sentimentos e medos.

_É mais ou menos isso. Quando se fala na cor branca, lembramo-nos da paz, na cor preta, do luto, na roxa, das dores. Mas são apenas símbolos. O que fez você me ver tão feia era somente o que eu representava, e agora sou bela, pelo que sou.

_O que você fez ao trazer esta criança e, carinhosamente, entregá-la para as outras, realmente, foi bonito. Mas, se é assim , por que fica tão feia lá no vale?

_Messias, achei que já havia entendido. Vejo que você apreciou o que fiz, mas não entendeu por que a fiz. Me dê a sua mão, vamos fazer uma viagem. Não se preocupe com as pessoas,elas não poderão vê-lo nem ouvi-lo.

De mãos dadas, senti uma sensação estranha, mais ou menos, a de um elevador despencando no fosso. Olhei em volta e vi uma cama pequena onde uma pessoa gemia, sentindo tamanha dor que não pude conter as minhas lágrimas. Pedi então à minha bela amiga, que ajudasse aquela criatura.

Na mesma hora, a bela jovem aproximou-se do leito de dor, com sua voz suave e melodiosa. Começou a entoar uma canção tão bela que, aos poucos, fez calar o gemido. O doente dormiu profundamente com um semblante tranqüilo e em paz. Não entendi, as pessoas começaram a chorar e ficaram tristes. Tentei dizer a elas que seu ente querido estava em boas mãos, pois a minha amiga o tornaria feliz mas foi em vão, não me ouviam. Minha bela amiga, que a tudo acompanhava, disse-me:

_É este sofrimento que me é atribuído, que me faz horrorosa.

Em seguida, abraçou aquela pessoa que agora dormia e, juntos, num piscar de olhos, voltamos ao vale das sombras.

Minha amiga estava outra vez sentada em seu tronco caído e continuava sua linda canção. Cheguei perto, queria ver o novo membro que chegara. Tive outra surpresa: ao invés de um adulto, ali estava outra criança tão bonita quanto a primeira. Não contive a minha curiosidade:

_Minha amiga, como é que pode? Quando fomos visitar esta pessoa que você fez dormir, ela era adulta; por que se tornou uma criança?

_Aí é que está a recompensa. Aqui a vemos como criança. Ela foi uma pessoa muito boa e sofreu muito. Ser feliz é ser pura como uma criança. Neste plano, apagamos todo o passado, expulsamos os sofrimentos e devolvemos a paz e o sorriso. Amigo Messias, você agora deve saber quem sou, eu sou a Morte. Muito embora eu quisesse mudar meu nome e me chamar Esperança, para que todos, quando chegassem a essa etapa, pudessem deixar seus entes queridos felizes pela esperança de vida eterna.

A Morte saiu do vale, levando consigo a sua nova protegida e, junto a elas, a minha ignorância. Decidi então me retirar, estava feliz. Descobri que as coisas feias, só são feias porque não damos a elas a chance de nos revelar a sua verdadeira face.

Capítulo 8

“Historiar é enviar sonhos.

É

colorir a vida do mais alto patamar

da imaginação”

Saí com o pensamento preso às novas lições que havia aprendido. Andei sobre uma grama muito verde, até que cheguei a um casebre na encosta da serra, onde um velho contava histórias, sentado num banquinho de madeira.

Dezenas de crianças e adultos escutavam atentos àquelas narrativas. Ao perceber a minha presença, ele parou a sua história e, com uma risada gostosa, disse-me:

_Seu Messias, que prazer em vê-lo. Espero que goste de ouvir histórias. Para nós, é o melhor passatempo do mundo. Primeiro deixe-me apresentar, meu nome é Tempo.

_Senhor Tempo, eu adoro histórias, quem não as ouve, pouco aprende.

...._Tiquinho, busque uma banqueta para o nosso convidado, ele vai compartilhar dos nossos momentos. Sabe, filho, toda a história que se preze, para ser boa, tem que começar de maneira tradicional. Então, vamos lá:

“Era uma vez, um homem que nunca se preocupou com as outras pessoas. Cresceu em seus negócios, tornando-se muito rico. Todas as vezes que lhe pediam uma esmola, negava e dizia “vá trabalhar, quem trabalha não precisa pedir”. Seus empregados eram maltratados e viviam em condições subumanas. Seu coração era duro, jamais se emocionou com o sofrimento alheio.

Só que o tempo não perdoa. Em idade crescia, mas suas forças, a cada dia, o abandonavam. Morreram muitos de seus bons empregados sem ao menos conhecer o conforto. Este homem, porém, preocupou-se muito com o materialismo, se esquecendo do verdadeiro ensinamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.”

Seus subordinados viveram ou sobreviveram conhecendo tão somente o trabalho. Este senhor viveu muitos anos e teve muitas oportunidades de se redimir de seus pecados. Quanto mais tempo passava, mais ele apertava a venda dos seus olhos. Então chegou o derradeiro dia, fazendo finalmente a sua passagem. Uma bonita moça foi recebê-lo, lá do outro lado. Começava a caminhada em um lugar, onde tudo seria diferente. Viram em seu caminho uma grande casa, era uma verdadeira mansão. O nosso personagem, perguntou à moça:

_De quem é esta casa?

_A moça, carinhosamente, contou-lhe que aquela casa era de Tuca.

_Do Tuca? Aquele que foi meu motorista?

_É dele sim! Aqui neste mundo é desse jeito.

_Estou deveras curioso para ver a minha, deve ser um palácio.

Andaram um pouco mais e viram outra casa, desta vez, maior e mais bonita que a primeira. Outra vez, ele perguntou a moça:

_E esta casa, de quem é?

_É de Carminha.

_Aquela que foi minha cozinheira?

_É essa mesmo.

_Faço uma idéia de como será a minha, pois eu era o patrão deles e sou muito rico.

E assim foram os dois pelo caminho afora, admirando as casas daqueles que haviam sidos seus subalternos. No final da estrada, via-se um ranchinho. Aquele senhor, desta vez, observou:

_É, moça, até aqui, existem miseráveis e infelizes? De quem é este pequeno rancho?

_É seu!- retrucou a moça.

_Meu? Deve haver algum engano. Eu sou rico! Todos os proprietários destas mansões foram meus empregados! Por que haveria de sobrar somente o rancho para mim?

_Senhor, não se zangue, aquelas pessoas quando estavam do outro lado, trabalhavam e sempre mandavam material, em forma de caridade e amor, para usar em suas construções. Você nunca mandou nada, nós só construímos o seu rancho, graças a bondade de seus ex-empregados que cederam adjutório para que você não ficasse ao relento”.

_Vovô, o que devemos fazer para sermos felizes do outro lado da vida?

_É fácil, Tiquinho! É trabalhando a humildade e praticando o amor puro sem distinção e semeando a fé.

_Senhor Tempo, o senhor deve conhecer muitas histórias. Ninguém faz ou conta histórias como o senhor.

_Vovô, conte outra história pra nós!

_Vou contar! É sobre um homem muito mau e egoísta: “Era uma vez, um homem que passou toda a sua vida dedicando-se ao mal. Era egoísta e desonesto, um verdadeiro mau caráter. Este homem morreu e, como existe justiça do outro lado, ele foi condenado ao inferno. Muito tempo se passou. O sofrimento ali era cruel. Todos os dias, ele pedia a Deus por clemência mas em vão. Um certo dia, ele pedia perdão por seus pecados, quando uma voz lhe disse:

_Suas súplicas chegaram até o céu. Se você quiser sair deste sofrimento, é só você lembrar algo de bom que tenha feito, em sua vida.

Ele pensou, pensou e não conseguiu lembrar. Sua vida fora um desastre total. A voz insistiu:

_Procure lá no fundo de sua memória, é uma coisinha que parece insignificante mas, pode salvar a sua alma.

O pobre infeliz pensou novamente e, por fim, disse:

_Senhor, a única coisa boa que fiz foi, certa vez, quando vinha por um trilho de gado e vi uma aranha que se arrastava pelo caminho. Ela havia machucado uma perninha, pela primeira vez em minha vida, tive pena. Sabia que se não conseguisse atravessar logo, as vacas fatalmente a pisariam e a matariam. Com meu pé, empurrei para junto de um arbusto. Foi a única vez que me preocupei-a com algo ou alguém. A voz, então, se fez ouvir de novo:

_Esta mesma aranha que você salvou, irá salvar a sua vida.

Conta a história que, naquele instante, desceu uma aranha lá do céu. A mesma voz mandou que ele pegasse aquele fio da aranha e subisse por ele. Mais que depressa, o homem pegou aquele fio e, sem hesitar, começou a sua escalada rumo à liberdade. Este homem de tantas imperfeições, olhou para baixo e viu os seus companheiros de infortúnio, agarrados ao fio da aranha tentando desesperadamente livrarem-se de seus sofrimentos. Ele ficou bravo, deu chutes e pontapés, derrubando vários de seus companheiros.

_Larguem, larguem este fio, ele é meu!

Depois de momentos de luta, a mesma voz fez se ouvir:

_Você continua egoísta e, por causa disso, continuará para sempre nas profundezas do inferno.

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 10/04/2009
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