Visões esparsas da Menina Poeta

... a multidão parece dispersa em si mesma. O olhar, em volta, volta-se contra tudo que há de banal. Reitera-se, com isso, a falta de densidade nas pequenas coisas; na beleza. Andar pela multidão e sentir-se só, olhar e não ver nada, ou só ver massa disforme, já se tornou costume. Não se entenda por isso que se tornou adaptação. Ainda há olhos atentos ao vivo. São olhares viúvos, solitários, sôfregos, que percorrem o mais banal, contrariam a realidade e o tempo. A densidade de meu pensamento nesse interstício é imensa. A tensão se esvai...

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A multidão se acaba em si mesma: torna-se preza, vive na escuridão. A solidão da luz é carente de sentido, porém, cheia de um prazer estranho, mas belo e vivo. O sublime não está tão distante: basta sentir-se pequeno, ao mesmo tempo grande, nos cantos dessas ruas de mão única: pequeno e não insignificante; grande, diferente da arrogância que quase se torna plena. A contrariedade dessa realidade se dá no subsolo do mundo. Aqueles que para lá se foram, por opção ou não, sentiram o cheiro da paixão, o amargo da existência, a falta de sentido e o gelado chão. Porém, se quer que voltem, dizem não.

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Os ratos ainda caminham pelas calçadas. Correm, atropelam-se, não se olham. A multidão é solitária, prende-se no egoísmo de cada ego. Não se vê olhares atentos, não se vê admiração. Exibe-se, aos que dizem não, uma convulsão sem fim. Presos às correntes do seu próprio não-ser, correm, os ratos, a viver para a morte, a morrer em vida. Não contemplam; o tempo é o que os sustenta. Existem, simplesmente. Se vivem, já é outra questão...