O SORRISO DE BRINQUEDO*

Os mendigos assaltaram o depósito do lixão. Puseram nos sacos sobejos de valor.

Foram pelas ladeiras alegres, mas sem abrir a boca, o vento era frio e os dentes de sorrir doíam.

Lá nos viadutos fizeram a partilha.

Quero a boneca pra minha neta.

Que nada, ela é minha!

Sem conversa o chefe saltou sobre o da boneca e dividiu sua cara ao meio com uma giletada.

O sangue quente nos dentes...

Todos sacaram suas giletes e retocaram uns aos outros.

O velho barrigudo segurava a torneira da jugular.

A netinha aproveitou para tomar a boneca e correr, os cabelos espetando o vento, um olho aberto e outro fechado, o sorriso de brinquedo.

Sãs e salvas, as duas moram no sinal.

A boneca, olho fechado, olho aberto, mão estendida recebe as moedas.

O sujeito do outro lado da rua tem planos para a menina.

* Publicado em FERNANDES, Rinaldo (Org.) Contos cruéis. São Paulo: Geração Editorial, 2006.

Gildemar Pontes
Enviado por Gildemar Pontes em 19/06/2011
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