Capítulo 6

Importa dizer que o raciocínio de uma sereia é absolutamente livre. Repetiu frases nítidas antes do último mergulho dimensional e com a excelência de um autor humano desconhecido. Havia guardado as anotações em folhas devidamente numeradas. Sublinhadas: Paul Valery: “Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade”. Ah, criatura soberba. No final da experiência procurava dimensionar a condição da sua sociedade milenar aos olhos humanos. Foi a pimeira voz do elo em pleno estado de alheamento através desse subjetivo medo pânico do ser humano incrustado na civilização ainda desconhecida da vida marinha. Por Deus! Sereias jamais poderiam ter conhecido Paul Valery! Zombavam os contemporâneos. Pois devoram um cetáceo em poucos minutos, daninhas e ferozes. Preferem exercitar os dentes vorazes de cardume alucinado contra a alma dos incautos. Levando-se em consideração o ítem dois, processo número 7, raciocinam velozmente, e com idêntica ferocidade de um homicida. Feroz e veloz como uma fortaleza flutuante inimiga. O pasmo é relutante?

Temos que a força da curiosidade é superior ao de uma galé de vinte remos.

Talvez devessem compreender um fator determinante sobre o preconceito, pois mesmo na escuridão da ignorância contemporânea, “provincianamente provinciana”*, como gostava de brincar, era improvável que alguns homens pudessem crer num ser marinho sobrenaturalmente colossal no oceano. Criatura imensa como o atualmente famoso “cetáceo”. Cetáceo, monstro marinho... Ora, direis, Sereias! Atravessar o coro de pândegos provoca uma barrigada de risos. Reação primária.

Para alguns ignorar é formalmente um ato completo, outros prescrutam a reserva complexa para atingir caminhos nunca antes inteligíveis. Por quê? Para conhecer até onde alcança a alma humana. Por isso ela havia garantido que a morte era muito depois do espelho, pois só o espelho é humano.

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