SALOMÃO NO SÉCULO XXI

O rei Salomão se recompunha em seu trono, enquanto batia um papo ao celular, com a presidente Dilma, do Brasil. Dilma ensinava a Salomão, algumas espertezas políticas bem mais eficazes do que a sabedoria milenar do grande rei ressurreto.

De repente, adentram seu palácio duas mulheres. Ambas indignadas, levavam consigo uma criança recém-nascida. Uma das mulheres a segurava pela cabeça, e outra, pelas pernas. A confusão era porque ambas diziam ser a mãe verdadeira da criança que restou de uma tragédia na qual morrera outra criança, também filha de uma delas. Logo atrás, quatro soldados tentavam conter os ânimos exaltados e ninguém entendia nada por causa do grande volume de palavras proferidas aceleradamente pelas supostas mães.

"Já vi esse filme"; pensou o rei, enquanto se recompunha para que ninguém visse as suas partes íntimas sob o roupão de majestade. Salomão ficou calado, mão no queixo, como convém a um grande sábio, e de repente, pareceu também se lembrar do desfecho da história ou do "filme" parecido. Só não recordou que os tempos são outros. Estamos no século XXI.

- Soldado! Traga uma espada! Já sei exatamente como resolverei essa questão!

Temeroso, ciente das intenções do monarca, e com a certeza de que aquilo não tinha como dar certo, o soldado, mais sábio do que Salomão, tentou adverti-lo da mancada que estava dando, mas não teve sucesso.

- Responda uma coisa, soldado! Quem é Salomão aqui? Eu ou você?

- O senhor...

- Pois então faça o que lhe mando! Corte a criança em duas e divida entre as mulheres! Se ambas dizem que são mães da mesma criança, que se dê um pedaço a cada uma!

O soldado levantou a espada. Como não viu nenhuma reação das mulheres, o rei fez sinal para que aguardasse. Olhou profundamente nos olhos de ambas e perguntou, primeiro a uma, depois a outra:

- A senhora não diz nada?

A primeira não se fez de rogada. Ou melhor; se fez. Também encarou o rei, como se fosse uma rainha, e respondeu solenemente:

- O senhor é meu Rei. Seja feita sua vontade.

Já um tanto aliviado, e julgando adivinhar o que ouviria da outra mulher, Salomão não pressionou. Esperou com paciência, o quanto pôde, até que a perdeu e disse, asperamente:

- Qualé, mulher? Vai ou não vai dizer?

Depois de fazer um muxoxo, a segunda se recompôs. Estava meio distraída, mas voltou a si, pareceu se consultar com os seus botões, e disparou:

- Olhe, majestade... acho que um pedaço é melhor que nada.

Não acreditando no que ouvira, Salomão se "redescompôs": espumou, andou de um lado para outro e fez mil caretas, enquanto o soldado já se cansava de segurar a espada, em posição de carrasco. E foi o soldado quem acabou cobrando uma atitude do rei:

- Pô, majestade! O que faço com essa espada! Vai ou não vai dar a ordem? Já estou com câimbra!

Um brilho diferente, de satisfação e vingança chegou aos olhos do rei. Ele sorriu em silêncio, deu uma cusparada e reuniu a coragem necessária para mudar o fim do "filme" que já vira:

- Certo, soldado! Vá em frente! Corte as duas vacas em quatro!

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 27/10/2014
Reeditado em 27/10/2014
Código do texto: T5013784
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