PORTO LUSITANA - 1.4

Encontra quase que por acaso Biancara. Quase, porque todos insinuam que ambos armam desses encontros conotando surpresa. A cena do encontro inesperado camufla toda singularidade cotidiana e oferece a ambos nova oportunidade de avançar sobre desconhecido. João e Biancara sabem que não há mais encontros como antigamente em que desconfiança e empatia travam guerra até vislumbre do primeiro toque. O sentimento toma conta e uma faísca do preconceito surge o amor. Vem adiante saudade, arrepios, ciúmes, posse e guerra. João e Biancara preferem ausentar-se de qualquer preconceito e medicar suas vidas com um conta gotas da atração. Ambos preferem que continue assim, encontros fracionados na medida adequada sem manter convívio exagerado.

Entretanto João se viu nos últimos tempos, subordinado a encontrar por várias vezes Biancara sem ter planejado calar-se, como faz rotineiramente a sua frente, diante seus lábios carnudos. Resolveu largar tudo sem dar satisfações a ninguém e buscou o primeiro ônibus em rodoviária da cidade com destino a Guaratuba, um dentre poucos litorais do Paraná que por algum motivo desconhecido sentiu-se atraído por maresia. Segundo sua conclusão precipitada, Biancara estava chantageando-o da pior maneira possível com atração que havia entre ambos. No litoral poderia se distanciar de Biancara, trabalhar de garçom em um bar qualquer com previsão de levantar uma grana, pois estava no ar o clima da temporada. Diante fila exagerada, houve dizer após 30 min de espera.

--- próximooo...

--- uma passagem para Guaratuba, por gentileza.

--- Para que horas senhor.

---Próximo ônibus.

---Para o próximo não tenho já está lotado. Tenho apenas para às 17 hrs acento 42, última poltrona deste carro.

---Pode ser.

Sempre preferiu viajar nos fundos de preferência sozinho, calado sem ninguém lhe importunando paciência com papinho mirrado sobre política atual. Quando não havia saída e algum tagarela o acompanhava viagem com assunto inoportuno, João limitava-se a responder sim, não, aham, pois é, provável, infelizmente, nada mais que isso. Sabia de antemão que veiarada costumava viajar à frente com objetivo de chegar antes do que todos ao destino, sempre que possível fugia deles, sabia que falavam pelos cotovelos e mantinha-se sozinho para que não tivesse que gastar palavras demais. Acreditava que as pessoas aprenderam a falar muito e a escrever pouco e sempre que possível João correspondia a inútil pretensão de inverter a ordem do jogo.

Em relação aos atendentes de guichê da rodoviária sempre desconfiou de todos, para ele não passavam de meros vendedores querendo empurrar sua última poltrona. No mínimo estavam sendo pressionados a vender ou resumia-se a assunto de funcionário exemplar. Ouvir a frase “última poltrona”, impede por meio de chantagem emocional, com que passageiro queira diante stress e cansaço de longa fila recusar passagem sob pretexto de averiguar horários na concorrente. Sua viagem foi um porre sem bebida. Exceto pela paisagem da serra do Mar que conjuga a maior área continua de floresta atlântica e, faz cair o cu da bunda caso tenha uma leve disposição para imaginação fértil e crie acidentalmente rápida representação imagética de ônibus despencando Serra abaixo caso ele obstruo o guard rail. Após superar sensação claustrofóbica de morrer dentro de um ônibus sujo e fedido daqueles, João depara-se com a vista de um braço de mar e consegue sentir seus ouvidos tinirem com alteração de pressão, arrepiando-se com ar quente e úmido. Vira o rosto, suspira e lembra-se de todas as confusões que arranjou naquele ano, digna de uma vida desregrada sem limites, pagou caro por tudo, mas o valor da conta nunca o incomodou até chegar sua última fatura do catão de crédito.

Dormiu o resto da viagem, pois ainda tinha chão até seu objetivo final. Assustou-se com berro do motorista com ônibus desligado em rodoviária estranha.

--- GUARATUBAAA!!!

Agora sim começaria definitivamente sua aventura a final não conhecia um cu sujo daquela estranha cidade, precisava de pouso e refeição, mas já passava das 21 hrs. Amordaçado pelas mochilas que carregava as quais mantinham apenas o essencial e mesmo assim pesavam feito tijolos de construção, buscou seguir rumo em direção ao mar. Teve que atravessar toda a cidade a pé e concluiu que a maldita rodoviária mantinha a mesma distância em que se construiu a casa do caralho.

--- Malditos engenheiros --- resmungou ele cansado e faminto.

A cerca de desistir, prestes a sentar em meio fio para descansar pernas, braços e mãos cortadas pela alça da mochila percebeu um breu diferente ao fim daquela maldita e esquisita rua deserta, cheia de casas vazias. Apurou o passo desejando não ser alucinação, após uma hora de caminhada só poderia ser ele, alegrou-se e passou a encher-se do animo que lhe faltava para concluir infeliz jornada. Não demorou ouviu o primeiro e ainda acanhado “chuar”, agora mantinha passadas largas e ligeiras, suava testa e bigodes sentia também escorrer os pingos por todo seu peito. O som parecia sinfonia aos seus ouvidos, por um ano todo esperou aquele reencontro. No que finda a rua enxerga a primeira, segunda, terceira sequência enfileirada de pura espuma misturada à água salgada. Atravessa avenida abandonada apenas acompanhada pelas luzes brancas da iluminação pública. Se vê sozinho após eclodir feito monstro daquela ruela mal iluminada, cheia de buracos e calçadas tomadas pelo mato. Distrai-se por alguns segundos com vista sublime da costa tomada pela areia e por já se passar das 22 hrs procura pela primeira placa que indique pousada.

--- Gostaria de um quarto por gentileza.

--- 60 a diária.

---Gostaria de pagar por mês,

---Não tenho.

Volta a perambular pela orla da praia sozinho analisando os poucos bares abertos naquele horário, pensa em tomar uma cerveja ou sentar em banco e descansar um pouco, mas antes avista nova pousada.

--- Olá! Procuro um quarto para alugar por mês.

--- Se eu te falar o valor cai de costas.

--- quanto é?

---1200.

---Puxa um pouco alto mesmo, pensei em algo em torno dos 500, 600 conto.

--- Tá passeando?

---Não! Desci em busca de emprego --- assim se defendia de todos, melhor do que dizer que buscava por inspiração, leitura, escrita, infelizmente ninguém entenderia que emprego conotava sua última opção.

---Se vai fazer dinheiro tenho uns quartinhos mais em conta lá pros fundos.

---Sério. Quanto?

---Mas não se anima não. A temporada está fraca este ano. O quarto também não é lá aquelas coisas, alugo estes para os meus funcionários.

---Bom! Posso dar uma olhada?

---Você fuma?

---não.

---Você bebe?

---Não.

--- Ótimo! Fica nos fundos a esquerda do barracão. Acompanha ele lá guri --- insinua as chaves prateadas para garoto com camiseta da pousada que assistia a um programa de televisão --- não está fazendo nada mesmo.

Fomos até barracão com três carros de luxo e um motorhome, todos estacionados um ao lado do outro em excelente estado de conservação.

---O cara é nada fraco não --- diz João ao garoto --- ouve apenas um resmungo.

---É...

Chegam aos quartos, João agradece a Macunaíma esperava algo pior havia trinco, janela e cama, tudo ótimo.

--- Há! Banheiro é lá fora --- diz garoto com tédio embutido no rosto.

--- Tudo bem --- retruca João, o que para ele conotava férias, aventura, verão para infeliz garoto não passava de mais uma entediante e chata temporada de puro trabalho medíocre.

Procura o dono da pousada acomodado em sua recepção e paga o mês adiantado, recebe as chaves e deixa suas mochilas em quartinho garantido por um mês inteiro. No que deixa seus pertences em quarto volta a trancar porta e busca junto à orla um barzinho a fim de fazer lanche e tomar uma cerveja. Os que mais lhe agradam são os com poucas pessoas, quase vazio se possível que é para conversas alheias não tornarem sua atenção indevida em assuntos chatos e corriqueiros. João é desses que possui rosto enrustido e dificilmente se enturma ou mostra os dentes a qualquer um. Encontra a fachada que mais lhe agrada um humilde e decaído botequinho. Suas primeiras horas em litoral conferem solte, pode ser que durante jogo de barganha entre o que têm e o que o espera mais adiante não seja tão fácil assim.

--- Uma bera por gentileza.

--- Uma bera pro campeão --- berra garçom para atendente do balcão torcendo seu pano mirrado e craquento em baldinho que leva de mesa em mesa oferecendo a hospitalidade da limpeza --- mais alguma coisa campeão?

--- Por enquanto só bera. Obrigado.

A noite finaliza em manhã de tempo nublado, garoa fina, mar agitado e grande parcela dos quiosques e lanchonetes fechados. João conclui que deve ser por conta do “mau” tempo, o que só existe para os comerciantes, mas também leva em questão o dia da semana conotando no máximo uma manhã fria e cinzenta de domingo. Lembra-se que há pouco dinheiro em conta e por isso deve apressar-se com vislumbre de atividade remunerada caso não queira passar apuros. Mas ainda considera cedo demais para preocupar-se com trabalho, prefere correr o risco e arcar com as despesas da escrita, João gosta de dedicar-se a papel e caneta em suas horas de folga. Mas primeira procura por café da manhã para não acontecer de tremer mão e pernas por conta da baixa glicose no sangue. Alimentação regular e saudável atrelada há horários bem definidos é um luxo do qual João não pode ater-se. Antes de encontrar qualquer estabelecimento aberto depare-se com grande porção de pedras junto à praia que no seu entender pode servir de forte para visualizar de maneira ampliada a vastidão da vida.

João passa escalar inúmeras pedras menores contorna as maiores e chega ao outro lado. Senta-se. Vento espalma as rochas maiores e faz com que as ondas se choquem a todas aquelas obscuras fendas em um processo lento e remoto de atração e retração. Fecha os olhos a fim de encontra-se e dispersa em si uma ressaca de pensamentos que tomam conta de sua memória como fosse sequência fílmica de uma projeção inesperada. Ao abrir os olhos observa lá longe embarcação que sofre com vento e mar agitado. Mostra-se tão pequena que seria possível resumi-la as dimensões de sua caixa de fósforos tamanha a distância que entrepõe ambos. Procura por seus cigarros, busca por seus fósforos para tirar prova real, mas não encontra. Seria mesmo impossível ascender qualquer coisa mediante todo aquele vento húmido e salgado soprando-lhe o rosto. Esquece os cigarros. Deita sobre as pedras e chega à conclusão de que suas férias inesperadas ou os dias que estão por vir serão do caralho.

Ao levantar-se após repouso de mais de cinco horas sobre as pedras, percebe que havia sido induzido a dormir pelo ritmo das ondas que aos seus ouvidos aconchegou feito canção de ninar. Dormiu por quase um dia inteiro com a total liberdade a sua frente. Levanta-se e decide procurar barzinho próximo a fim de comemorar feliz passeio que até o momento só o encheu de satisfação e alegria. Observa de longe ainda sobre areia duas lâmpadas fracas acesas com várias mesas cheias de onde provem gargalhadas capaz de dispersar até mesmo o som do mar chocando-se sobre as rochas. Procura guiar ritmo dos pés até pequeno banzé de pau a pique e mostra-se pela primeira vez apto a interação com todos aqueles que se dedicavam a roda de samba tão viva quanto todo aquele mar adiante. Percebe que no horizonte as nuvens começam a avermelhar tingidas pela euforia que transmite o fogo dos céus, até mesmo o céu estava em festa, então ouve-se dizer.

--- Somo todos caiçaras --- o berro parece surgir de uma das mesas que comemora a boa temporada de pesca proveniente por certo de um pescador local já tomado pela alegria que influência até mesmo o descontínuo ritmo do mar.

--- Katibummm...--- Houve-se lá longe arrebentação das ondas em sinfonia que apenas aquela pacata vila de pescadores rege orquestra, conforme a maré da vida noturna se agita e o rebolado das águas finda em samba.

João aproxima-se do bar, puxa uma cadeira qualquer, busca por todas as saídas fáceis e de rápido alcance e relaxa. Nunca gostou de se sentir preso sem alternativas para saídas rápidas e ligeiras no caso de qualquer imprevisto. Garçom aproxima-se da mesa.

--- O que vai ser meu jovem.

--- Uma bera por gentileza.

--- Já vai garoto só um minuto.

Enquanto espera garçom descolar atividade até freezer mais próximo, João sente-se maestro de todo aquele interminável furdunço. Sem dúvida gosta de entreverar-se sempre que possível de maneira despercebida sem chamar atenções somando a noite verdadeira aula de observação. Jamais arrisca-se dançar mesmo quando convidado, prefere manter a velha política do ser introvertido interligada por vezes a, sua restrita e precária conclusão sobre os bastidores da madrugada. Por isso geralmente busca mesas ao fundo para ampliar seu campo de visão, mas não é sempre. Por vezes cansa ele mesmo de manter interminável ritmo estrategicamente orquestrado, buscando sempre que possível ponderar o melhor resultado segundo seus objetivos. Naquela tarde sentou-se em qualquer mesa o que não o deixou calmo o suficiente. Pareceu-lhe que algo estava fora do seu domínio, não buscou o melhor lugar logo não poderia usufruir da melhor forma possível à noite ou poderia estar correndo risco sem guardar à vista saída de emergência. Não deixa escapar ao seu domínio nem mesmo os movimentos bruscos procurando estar sempre atento fantasiando desta forma sua vida cotidiana a de um espião buscando por provas que esclareçam os arroios da vida em sociedade.

Sempre que possível analisa as situações corriqueiras com as quais as pessoas deixam “entre aberta” suas emoções e, nesta hora João entra em ação, busca ouvir seus sentimentos, paixões, decepções, lagrimas, dor, angustia, medo, desespero, traumas... dentro de um ritmo de bar que não sessa. As portas dos banheiros batem, torneira chia, goteja, descarga que bronqueia, caixa registradora que abre e fecha, garrafa que estoura, copos latejam, gargalhadas ferozes, talheres batendo, micro-ondas da cozinha apita, liquidificador berra, bailarina dança no coquetel, gelo explode em coqueteleira, garrafas escorrem suor, assovio para garçom, TV ligada no canal de luta e por último as caixas de som emitem algum ruído. Conforme diminui o público da noite a medida que avança horário em direção a madrugada o samba torna-se cada vez mais lento e moribundo as gargalhadas cada vez mais raras. E quando tudo parecia estar perdido no que anuncia fim da festa e morte de majestosa noite sob luar, juntam-se ao bar determinado grupo de garotas para sorriso de todos. O que João não esperava é que junto ao grupo de garotas avista um corpo já conhecido por ele e por alguns outros. Entra majestosamente vestida apenas com canga branca toda rendada como se fosse ela própria deusa do mar. Soube no que trocaram olhares que dela não poderia escapar. Se é difícil conseguir provar para uma mulher de fibra de que possui as melhores intenções, dez vezes pior é afastar-se dela sob julgo de que ambos não valem nada. Com aqueles olhos de tempestade e fúria, seios empinados, coxas grossas desferindo a passos descalços como se estivesse de salto alto, senta-se à mesa.

--- Olá meu Joãozinho.

--- Biancara o que faz aqui?

--- Estou apenas dando um rolezinho cas amiga.

--- Ah tá. Na mesma praia que eu e no mesmo barzinho em que me sento.

--- Nossa João como você anda amargurado cá vida.

--- Só preciso de um pouco de ar. Ficar sozinho. De preferência longe de você. Por que me persegue?

--- Não sou dessas aí tá. Não persigo ninguém não. Além do mais me diga quando chegou?

--- Diz você primeiro sabichona, pensa que vou cair nessa.

--- Cheguei na quinta feira João, já faz três dias que estou instala aqui e você? Hmm! --- Por um momento passou por sua cabeça que ela já sabia quando havia chego.

--- Cheguei ontem. Mas o que isso tem a ver com a história em?

--- Tudo seu bobo. Quem em santa comédia persegue alguém e chega antes que o indivíduo?

--- Ah... as melhores agem desta forma.

--- Aii... com você não tem papo mesmo.

---...

--- Anda escrevendo?

--- Não. Escrevo parado mesmo.

--- Idiota.

--- De nada.

--- Ai João desamarra essa cara, vamos, eu estou aqui.

--- Por isso mesmo que estou com esta cara --- garçom cola a mesa com caderninho ralo e caneta mixuruca.

--- Uma dose pra madame --- garçom jovem com seus 23 anos, bochecha rosada pela lamina do barbear, alto feito uma palmeia dessas de praia, olhos castanhos e fios de cabelo liso com ponta nos olhos --- encara João intimidando resposta.

--- Mas o que é isto meu jovem, por acaso isso tudo é um poleiro

--- Não sei meu senhor, mas a dona trabalha aqui e faço apenas o que me mandam.

--- Olha só... quer dizer então que a senhorita já está empregada.

--- Poisé João dizem as más línguas que arrumo emprego em qualquer esquina. --- Biancara larga gargalhada para bar inteiro ouvir. Garçom à mesa fez o que pode para controlar sua vontade de rachar o coco, contendo-se com apenas sorrisinho dentro da formalidade esperada, João ainda mantinha aspecto de cliente no recinto.

--- Uma dose de campare.

--- É pra já e a senhorita --- Garçom ainda anota pedido de João em seu caderninho.

--- Uma caipirinha de saquê meu fofo, você é um gatinho viu.

Agora foi vez de João gargalhar para bar inteiro ouvir. Rachou coco de tal forma que jamais pensou ver em vida uma palmeira avermelhar. Garçom recolhe as comandas e dirige-se rumo à balcão todo desorientado para efetuar os pedidos.

--- Por que encabular o garoto, tadinho?

--- Não fui eu quem encabulou o garoto foi você mesma.

--- Tá, tá, tá ... me diga o que veio buscar no litoral que não se resuma à piranha?

--- Inspiração.

--- Ai João destranca isso aí. Odeio quando me respondem com uma palavra só --- João suspira fundo, não gosta da maneira como Biancara o pressiona.

--- Bom, vim beber também. Quatro está bom?

--- Aiii... ninguém merece você. Vai acabar vovozinho carente em asilo perdido à grande cidade.

--- Nossa me parece uma especialista no assunto.

--- Eu sou culta a minha maneira João.

--- Por isso dou trela a você, sua sapiência.

--- Você dá trela pra mim Me poupe João! Ainda não sei porque sempre que te encontro converso contigo. Deve ser porque sou uma moça de respeito.

--- A sim, claro Biancara! É obvio que faz por educação, afinal por qual outro motivo seria?

--- Você é sarcástico João. Você não merece atenção. É por isso que sempre o encontro sozinho. Mais parece um velho rabugento, mal-amado, amargurado com a vida. Cuidado em! Isso beira depressão.

--- Sou feliz a minha maneira. Sozinho de preferência. Por que DEVO sair com amigos se eles nunca pagam a conta Por que DEVO sair sempre com a mesma mulher sendo que as oportunidades estão ao ar livre, feito um baralho de cartas, a cada nova rodada um novo jogo, novas oportunidades.

--- Ou você não percebe Joãozinho ou não quer ver. Percebo DESILUSÃO em seus olhos marejados todas as vezes que bebe. Ouço MORTE todas as vezes que pronuncia qualquer palavra. Enxergo ARREPENDIMENTO a cada movimento seu. Deduzo que está cada vez mais LOUCO a cada dia que passa.

--- Nossa! Nunca pensei que fosse poética a tal ponto, vamos lá, conte-me mais sobre o que vê.

--- Não sou só eu que vejo João, todos enxergão! Está no seu rosto contorcido pelo cansaço, na sua forma de se vestir, na maneira como pronuncia as palavras como se fosse moribundo, seus hábitos de reclusão, como anda, como senta-se para repousar, até mesmo a bebida ....

--- Ok, tá bom, chega... Você mais parece uma advogada do diabo falando que há uma maneira certa para cagar, andar, enfim, como se houvesse a maneira correta de se viver. Gosto das minhas manias e fodam-se vocês.

--- Viu só João, você está depressivo.

--- Viu vamos mudar o rumo desta conversa não estou gostando.

--- Sobre o que quer falar João?

--- Por exemplo. Como você me achou? O que você faz aqui? E quero também mandar te foder, mas vou deixar mais para o fim da noite.

--- Tá vendo como você é! Não passa de um canalha, pilantra, egocêntrico. Estou aqui perdendo cliente e dinheiro só para te ajudar a se sentir melhor e você insiste com esta história de que estou te seguindo. Vê se te enxerga. E vá te foder você.

--- Nossa! Você tem pavio curto sabia --- Biancara entorna sua caipira aguada pelo tempo que ficou descansando a mesa, sem perceber que seu drink já estava a sua frente faz tempo. Garçom usou de sua artimanha para deixar os copos sem com que ambos percebessem sua presença. Bom, pelo menos sem com que Biancara percebesse, pois João mantinha domínio sobre tudo, ou melhor, quase tudo.

--- Seu trouxa.

--- Garçom --- Grita João levantando as mãos para garçom que procura manter-se calmo e sereno, a final aquela era sua mesa mais difícil da noite, dupla de pilantras daqueles da pior espécie --- Veja mais um Campari e uma segunda caipira para moça.

--- Não quero mais caipira --- diz Biancara com cara infernizada pelo demônio.

--- Que isso amor, parou de beber já.

--- Claro que não seu mal antenado, mulheres de fibra nunca bebem uma segunda caipira de saque, só em filme hollywoodiano quero agora um whisky --- João larga seu sorriso de menino abestado.

--- Bom jovem, veja dois whisky bourbon.

--- E mais um Campari senhor.

--- Não jovem, cancela o Campari. Percebo que você não bebe. Há níveis que regulam a bebida.

--- ... hmm.

--- Todos os meus amigos de verdade são bêbados, como faço para inserir você em minha lista de amigos?

--- Olha senhor, pra ser sincero sou evangélico, não vejo como posso participar da sua lista de amizades. --- João entorna de um só gole seu campari.

--- Pois então você é exceção à regra, todo garçom que me serve é meu amigo sabe por quê?

--- Não senhor.

--- Porque também sou garçom. Mundo pequeno não! --- Biancara sorri para aquele garoto jovem, até parece que enxerga João em seu lugar --- Vai lá, busca esse drink já estou com água na boca.

--- Você realmente sabe como quebrar o gelo com as pessoas

--- Não foi nada de mais somos camaradas agora.

--- Também não exagera João --- Biancara gargalha na mesa após todo aquele clima tenso da conversa anterior.

--- Aqui está senhor --- Garçom larga os copos a mesa --- Agora se me permite posso te dar uma dica.

--- Claro --- Sorri de maneira forçada como se estivesse prevendo algo --- fala aí garoto, somos parceiros agora.

--- Você tá sabendo que bebida mata né? --- Diz o garçom demonstrando estar assustado, João e Biancara gargalham juntos para bar todo ouvir e pela segunda vez ambos veem uma palmeira avermelhar.

--- É como eu sempre digo parça --- carrega copo a mão, chama Biancara para um novo brinde e no que se ouve tinir os copos baixos ambos entornam gole de uma só vez, Biancara é a única quem faz cara feia --- Poeta bom é poeta morto.

--- Ué! Agora não entendi. Não disse que era garçom?

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 02/08/2016
Reeditado em 13/05/2018
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