A VELHA DO TREM

Aparentemente era um casal feliz, tanto ele como ela sabiam dissimular, não deixavam transparecer o drama que se desenrolava cotidianamente na vida a dois. Eles não tinham filhos, pois se os tivessem seria um desastre para estes tal era o clima tempestuoso que reinava dentro das paredes daquela casa situada no final de uma rua de aparência tranqüila, na cidadezinha do interior. As discussões e as brigas não tinham como motivo nem diferença de ponto de vista por isso ou por aquilo, nem gastos exagerados, vícios ou incompatibilidade com parentes. O motivo era o ciúme doentio de Anselmo que via traição em Estela até num simples corte de cabelo. Se ela se banhava antes de sua chegada para esperá-lo, ele já achava que tinha se preparado para se encontrar com o amante, que só existia na cabeça dele. Se ela estava com calcinha azul (que ele fazia questão de verificar antes de sair para o trabalho), se devido a um acidente ela a trocasse por uma cor de rosa, a briga estava decretada, pois para ele ela tinha transado com alguém e trocara a calcinha. Quando saiam, ela era obrigada a andar de cabeça baixa, sem olhar para ninguém, pois um simples sorriso bastava para ele levantar a lebre e xingá-la dos mais estúpidos nomes. Estela que não contava seu drama para ninguém chegou mesmo a pensar em pedir a separação, mas no fundo ela o amava desesperadamente e tinha a esperança de que com o passar do tempo ele compreendesse que ela jamais tinha pensado em traí-lo. A vida da pobre mulher era um inferno e porque não dizer que a de Anselmo também não era nenhum paraíso, pois só o fato de viver constantemente na dúvida deve ser um martírio.

Num domingo quando os dois estavam na missa, numa das leituras dizia: mulheres sejam submissas a seus maridos.

Anselmo constantemente fazia uma cobrança e daí para a briga era um pulinho:

_Você sabe o que é submissão? Não!Não sabe, pois se soubessem, viveria somente para seu marido, sem pensar em outro.

_ Mas é isso que eu sempre fiz e continuo fazendo, você é o único em minha vida.

_ A é, e os olhares que você lança ao carteiro, e os cochichos com o verdureiro?

_ Você vê traição em tudo, vê muita maldade nos outros! Talvez você aja desta maneira, pois “o gato do que usa, cuida”.

_ Não troque de assunto. Quando você vê que o negócio está apertando para o seu lado, dá uma escorregadela e sai fora.

_ Não estou fugindo do assunto, estou tentando chamá-lo a razão.

_ Chamar-me a razão? Eu estou agindo dentro da razão, tenho que cuidar para não ser palhaço dos outros.

_ Para você, mulher nenhuma presta. Olha a coitada da aninha, fazendo salgados para ajudar o marido e você falando que ela tem um caso com o dono do bar da esquina.

_ É isso mesmo! Diz um ditado que: Não existe mulher difícil e sim mulher mal cantada.

_ Chega de baboseiras, já estou cheia de ouvir as suas idiotices. Vou para a casa da minha mãe, e só volto se você modificar o conceito sobre a dignidade da mulher.

Dito isto Estela arrumou rapidamente uma valise, colocou seus pertences e saiu em direção ao terminal rodoviário. Anselmo ficou somente observando-a, na expectativa de que ela mudasse de idéia, o que não aconteceu. Estela fora conforme dissera.

Era a primeira vez que isso acontecia e ele teve um lampejo de racionalidade, começou a analisar a idéia que fazia da esposa. Nem mesmo uma mulher de moral bem baixa agiria da forma que ele supunha. Tinha impingido a Estela uma vida de sofrimento e a revolta um dia viria o que de fato aconteceu. Era preciso fazer alguma coisa. Não podia perder Estela. Tinha que modificar o seu modo de agir tinha que confiar, afinal ele sentia que ela o amava nas horas em que estava fora do raio de ação dos seus ciúmes. Ele sentia isso! O seu machismo exagerado botou tudo a perder. Onde iria encontrar outra Estela, aonde iria se abastecer daquele sorriso terno e sincero? De quem iria ouvir as palavras de carinho quando estava abatido por um acontecimento desairoso? Onde? Com quem?

Bem vejamos o drama que estava se desenrolando em um dos vagões do trem: Estela estava sentada, cabisbaixa, pensativa, sempre que fora até a casa de sua mãe foi para visitá-la e não para ficar. O que iria dizer a ela? Como ela reagiria ao fato? Em oito anos de casados era a primeira vez que isso acontecia. Seria porque não tinham filhos? A reação negativa da vida de Anselmo seria devido a ele ser estéril? Talvez isso mexesse muito com a sua psique, seu amor próprio. Ela se recordava que quando noivos tinham muitos planos: três filhos, dois meninos e uma menina e depois o diagnóstico médico de que ele era o responsável pela infertilidade do casal é que houve o desfecho desfavorável na vida de ambos, mas no fundo ela o amava, não poderia esquecer nunca do garotão dócil que conquistara seu coração com aquele sorriso terno e aquele olhar sublime.

Com essas recordações algumas lágrimas teimosas iam se deslizando por seu rosto o que fora observado por uma senhora que estava sentada no banco da frente que carinhosamente colocou suas mãos sobre as de Estela e disse:

__ Quando algo não vai bem, minha filha o único linimento capaz de sanar qualquer dor é a oração. Quem te fez, quem te deu a vida entende mais de você, do que você mesma. Nunca aja sem consultá-lo. Ele sempre tem a resposta.

Estela tinha a impressão de que conhecia aquela senhora, de que já a tinha visto quando criança. A simpática velhinha continuou:

__ No caso de um casal sem filhos acontecem muitas desavenças, porém existem outros meios de apaziguar a falta que faz um herdeiro. Existem as adoções. Quantas crianças nos orfanatos de bracinhos abertos a espera de corações generosos! Minha filha, talvez o seu esposo já esteja esperando-a na próxima estação e tem uma proposta que acho que vai dar certo.

Nem bem a anciã terminou de dizer as últimas palavras, já o trem diminuía a velocidade aproximando-se de uma estação.

Anselmo pedia ao motorista do táxi, põe mais velocidade. Precisamos chegar antes de o trem sair da próxima estação!

O maquinista já tinha acionado o apito avisando os que esperavam de sua chegada. Estela que observava a movimentação dos passageiros que iam ficar na próxima virou-se para agradecer a simpática senhora pelas palavras, mas não a viu mais. Parece que ela havia desaparecido no ar, pois não havia passado por ela para sair. Ficou intrigada e passou a olhar os que estavam na plataforma até que viu Anselmo que olhava em todas as janelas para ver se a via. Ela ao vê-lo, gritou:

__ hei, eu estou aqui.

Anselmo aproximando-se disse:

__ Pegue sua valise, desça. Acho que encontrei a solução! Uma senhora bondosa me deu a “dica”: Nós vamos adotar uma criança e vamos viver a três. Eu aprendi a lição, Estela. Essas horas ausentes de você me abriram os olhos e eu pude sentir o quanto eu te amo. O quanto você é importante em minha vida. Você me perdoa?

__ Você vai mudar, mesmo?

__ Totalmente, querida. Não quero perdê-la!

Os dois voltaram e tiveram uma convivência invejável. Uma linda menina fora adotada e era o “xodó” dos dois. Só uma coisa intrigava o casal, “Quem seria aquela senhora que aconselhara Anselmo?” Seria a mesma que falara com Estela no trem? Seria uma antepassada de um dos dois? Seria uma enviada dos Céus para salvar-lhes o casamento? Ou apenas eles pensaram ter conversado com essa senhora e fizeram uma mudança em suas vidas em nome do amor?

São coisas que acontecem “Além da Imaginação!”.

Luiz Gonzaga da Silva
Enviado por Luiz Gonzaga da Silva em 24/07/2007
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