Maria da Luz

MARIA DA LUZ

Àquele horário noturno do metrô não estava como nas noites anteriores. Tinha mais gente, como se todos tivessem ficado em suas firmas fazendo serão. Geralmente aquele horário em outros dias costumava ter os vagões quase vazios. Os bancos estavam todos tomados e havia muita gente de pé nos corredores. Como sempre, há pessoas de todos os tipos nesses coletivos. Umas alegres, comunicativas, como se os problemas do cotidiano nunca atingissem as reservas de seu bom humor, outras carrancudas como se o viver fosse um eterno aborrecimento. Viam-se também algumas de fisionomias tristes parecendo frustradas pelas vicissitudes da vida.

Como é o meio de transporte mais barato, é utilizado por todo tipo de pessoas, em sua maioria de baixa renda.

Em um canto do grande banco que ia da porta até o final do vagão estava sentada uma senhora ainda jovem que dava pra se notar, estava grávida e talvez já no oitavo mês de gestação. Pelo seu rosto, às vezes mordendo os lábios, a gente concluía que ela estava sofrendo algum desconforto. Com espaços regulares ela deixava escapar algum gemido.

A composição continuava seu curso normal com seu barulho tradicional que podia ser interpretado como sendo um “PACATI-PACATÁ”, ruído das rodas quando passavam entre um dormente e outro. Alguns dos ocupantes reclamavam lamentando-se da vida:

__ Isto é vida de cachorro!

Outros completavam:

__ Nem cachorro suportaria esta lata de sardinha mal cheirosa.

Uma voz se destacava. Talvez um evangélico ou um religioso:

__ Coragem irmãos! A salvação virá um dia para aqueles que observarem a lei do Senhor.

Um grupinho de adolescentes tentava um pagode fazendo o compasso nas paredes do vagão.

De repente tudo ficou escuro e o coletivo foi diminuindo a velocidade, o que ocasionou no geral uma ligeira perda de equilíbrio e nesse momento a gestante deu um grito alto que todos puderam ouvir como se fosse uma oração:

__ Ai meu Jesus acode-me!

Uma voz aguda gritou:

__ Calma dona! É apenas um “apagão”. Logo voltará a luz. Mas a jovem continuava a gemer cada vez mais alto. Um outro falou alto com voz grave:

__ Não dá pra calar essa boca?

Uma senhora que estava mais próxima gritou:

__ Ela vai ganhar nenê! Já começaram as contrações!

Um "ZUM - ZUM" incompreensível se fez ouvir:

__ Eu mereço isso! Eu fiz muitos pecados!

Um outro com espírito de gozador falou:

__ Não dá para esperar chegar num hospital dona.

Ninguém se entendia mais: Eram gritos, apupos, assovios, risos e gemidos.

Finalmente a composição foi parando em uma estação ou parada quase deserta àquelas horas da noite. Alguns correram até o condutor para avisá-lo que havia uma mulher em trabalho de parto, porém ele adiantou:

__ Eu tenho horário a cumprir. Não posso permanecer aqui! Mesmo que quisesse não poderia, pois estamos sem comunicação.

Desceram a jovem parturiente e alguns ocupantes, depois outros, até que todos estavam na plataforma da pequena estação tentando de uma forma ou de outra prestar alguma ajuda a jovem senhora. Alguém gritou:

__ Tem algum médico ou enfermeira por aí?

__ Eu sou enfermeira. (disse uma senhora). Preciso de panos. Se possível branco. Não importa o que sejam. E o que é mais importante: Muita luz, fósforos, isqueiros, jornais seja o que for.

Dito isto apareceram muitos lenços brancos, muitas camisas e camisetas! Os isqueiros e fósforos entraram em ação. Uma cena diferente naquela plataforma que durante o dia e a noite abrigava milhares de pessoas.

Começa o trabalho de parto. Algumas pessoas amparando a cabeça da parturiente, outras a incentivando: Respire fundo. Faça biquinho! Assopre!

Outros rezando em voz alta: Se Deus quiser tudo vai dar certo.

E a parteira postada aos pés da parturiente a animava:

__ Vamos! Força minha filha. Mais um pouquinho só. Já estou vendo a cabecinha. Mais um esforço, vai!

Um jovem suando dizia:

__ Hei caras, eu nunca tinha visto um nascimento. Que legal!

Um outro com espírito de liderança:

__Vamos todos pensar positivo. Elevar nossos pensamentos a Deus que vai dar tudo certinho!

Entre os gemidos e gritos da jovem ouviu-se por fim o que todos ansiavam: O choro da criança. Consumava-se o nascimento. A parteira sorridente como se tivesse acertado na Sena:

__ É uma menina! (gritou levantando o recém nascido)

Um coro de vivas explodiu na noite, que parecia se misturar com acordes musicais. Logo vieram os palpites.

__ Hoje é dia de Santa Gertrudes. Ela vai se chamar Gertrudes!

__ Vai estragar a menina com um nome tão feio, cara?

__ Que tal Paulina? (disse um outro)

Uma voz se fez ouvir.

__ Qual é, cara! Ela vai torcer pro Corintians!

Nesse momento voltou a luz e todos puderam se olhar. Notaram que estavam alegres como se não existissem mais problemas em suas vidas. Uns sem camisa, outros com pedaços de jornal ainda aceso nas mãos, mas todos felizes por terem participado direta ou indiretamente do nascimento de mais um ser humano.

A parteira pediu silêncio:

__ Cabe a mãe escolher um nome para sua filha!

Todos se voltaram para a jovem que banhada de suor esboçava um sorriso de gratidão olhando a todos.

__ Ela vai se chamar Maria. Maria da Luz em homenagem a todos que com isqueiros e palitos de fósforos acesos dissiparam as trevas para que ela nascesse sob a luz da solidariedade.

Todos bateram palmas. Algumas mangas de camisa ou de paletó enxugaram os olhos que emocionados deixavam brotar lágrimas de alegria pelo dever cumprido.

Luiz Gonzaga da Silva

Luiz Gonzaga da Silva
Enviado por Luiz Gonzaga da Silva em 26/07/2007
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