O SEGREDO DA PEDRA MALDITA

O SEGREDO DA PEDRA MALDITA

Desde os mais remotos tempos que o homem corre atrás de sonhos, alguns possíveis, outros difíceis e uns poucos até impossíveis: Como a fonte da juventude, a Pedra Filosofal, o Tesouro de Ali Babá e outros.

Ainda hoje em pleno século vinte e um, a chamada era contemporânea, passamos grande parte de nossas vidas sonhando, pois já disse alguém: “O dia em que deixarmos de sonhar, deixaremos de ser racionais”. Se não é proibido sonhar, se não pagamos taxa para sonhar, então vamos sonhar, pois a vida também é feita de sonhos.

Josué era um sonhador, oriundo de família humilde lá do estado de Minas Gerais com pai, já falecido, um esperançoso garimpeiro que viveu também o sonho de encontrar um grande diamante bem valioso que fosse difícil até de ser negociado com algum país.

Ele que desde a adolescência não era uma exceção, sonhava também. Só que como era garimpeiro - ouro era a sua especialidade - pensava encontrar uma pepita tão grande, que como ele próprio dizia seria uma "pepitona".

Era de meia estatura, um metro e setenta aproximadamente, feição miúda, olhos pequenos e penetrantes, nariz alongado, sobrancelhas grossas, cabelos encaracolados cobrindo as orelhas que eram de abano. Como se vê Josué não era nenhum “Tom Cruise” ou “Maurício Matar”, porém quando jovem, com beleza suficiente para conquistar o coração de “Terê”, apelido carinhoso de Teresinha, sua fiel companheira de lutas e sacrifícios, impostos pelos "baixões" infestados de mosquitos portadores da malária. Josué após dezenas de malárias adquiridas e mal curadas que lhe valeram a cor amarelada no corpo e no rosto cansou-se das "varações" que fazia, fixando-se em um "baixão" perto de um local denominado “Serra do Sapo”, por acreditar que naquele local encontraria a tão sonhada “pepitona”.

O "baixão" que estava sendo explorado por Josué era desprezado pelos demais garimpeiros por se tratar de um local onde o cascalho fagulhava muito pouco, uma base de vinte gramas por serviço, que geralmente levava até dez dias de trabalho puxado. Não compensava.

Muitos amigos de Josué, como o velho Militão tentava demovê-lo da idéia de encontrar naquele local qualquer pepita, mesmo que fosse de algumas gramas apenas, porém, o nosso personagem continuava no mesmo local onde durante anos acalentara o sonho de encontrar a resposta para sua luta.

Naquela tarde quente de agosto Josué baixava mais um barranco cansativo. Absorto em seus pensamentos sobre o que faria quando vendesse a “pepitona” - que deveria pesar muitos quilos de ouro “mil” - foi interrompido pela voz terna de “Terê”:

__ “Bênhe” você não foi almoçar e já são quatro horas da tarde, fiquei preocupada e vim ver o que está acontecendo.

__ Oh “Terê”, meu amor, você se preocupa tanto comigo. Não vê que estou perseguindo meu objetivo?

__ Já sei! Encontrar a “pepitona”!

__ Isso mesmo! Preciso ganhar muito dinheiro para poder levar você para São Paulo!

__ E pra quê?

__ Pra comer quibe, uai!

A essa resposta “Terê” o olhou com espanto, depois deu uma estrepitosa gargalhada que foi imitada por Josué. Os dois riram a mais não poder porque se lembraram do primeiro encontro que tiveram, exatamente em São Paulo, numa feira livre do “Brás”.

Josué tinha ido visitar um irmão em São Paulo e quando ia em direção à estação de trem, Roosevelt, que o levaria a Aparecida do Norte, a fim de cumprir uma promessa, resolveu então chegar em uma barraca da feira, onde uma garota bonita fritava uns quitutes.

__ Me dê lá um negócio pra comer.

__ O senhor quer coxinha, pastel ou bolinho de carne?

__ Me dá desse aí feito charuto.

__ Isso é quibe!

__ Pois me dê esse peste mesmo!

A moça a primeira vista não gostou muito dos modos grosseiros do rapaz desajeitado, que mais parecia ser um “pau de arara”, como eram conhecidos em São Paulo os nordestinos. Após fitar o desconhecido por alguns instantes a moça pôs sobre um prato alguns quibes e o colocou à frente de Josué. Este pegou o quibe sem usar o guardanapo que estava a sua frente, deu uma mordida, mastigou e depois cuspiu fora fazendo uma careta e exclamando:

__ Êta trem ruim da peste! É tudo encaroçado!

A moça desapontada fitou o rapaz que a humilhou jogando fora o quibe que ela fritara com tanto carinho:

__ Isso é comida de gente fina e não de gente sem educação.

__ Pera aí moça! Eu não quis ofender a senhorinha. Eu só não gostei desse treco chamado quibe. E pra provar que eu não tô desmerecendo os seus quitutes, me dê logo um bolinho de carne.

A moça atendeu mais uma vez a Josué que comeu três bolinhos. Depois de pagar, ainda elogiou “Terê”:

__ Eu nunca comi um bolinho tão gostoso como esse. A senhorinha está de parabéns! Mas não frita mais essa desgraça aí. (disse apontando para o prato de quibe).

“Terê” com um ar de agradecimento pareceu sorrir com a definição que o desconhecido dava ao quibe.

Josué e “Terê” se recordam também do segundo encontro quando ele, que não pudera esquecer a fisionomia da garota “Terê”, que estava em tudo e em todos, voltou à feira, tão logo retornou de Aparecida. Foi logo à barraca onde ela estava e pediu salgados, embora não estivesse com muita fome.

__ Dê-me alguma coisa pra comer.

__ Ah! Você é aquele que detesta quibe.

__ Sim, mas se você só tiver essa “ingrizia” eu como, só pra não lhe desagradar.

__ Imagine! Você pode pedir o que mais lhe agradar que eu estou aqui para lhe atender.

Josué a olhou bem nos olhos e disse meio embaraçado, pois não sabia qual seria a reação da moça.

__ Então eu quero você! Quero ser seu par, seu atendente, sua sombra, seu amanhã...

“Terê” o olhou com espanto e ao mesmo tempo com carinho, pois não sabia o porquê, mas aquele rapaz parecia ser mesmo seu futuro. Sem pestanejar respondeu:

__ Se você quer uma coisa séria podemos até conversar a respeito.

Tanto era sério que Josué não voltou logo para o “baixão” e resolveu esperar o desfecho daquele caso. Arranjou serviço de servente de pedreiro, fez muitas horas extras. Passados exatamente cento e vinte dias aconteceu o casamento e com ele muitas gozações por parte dos parentes da noiva, que não perderam a oportunidade de servir para os recém casados, uma suculenta refeição regada a quibes fritos, cozidos e crus.

Todas essas recordações serviam para espairecer e também solidificar mais o amor de Josué por “Terê” e vice versa.

Zé paulista, apelidado de avestruz, pois deglutia tudo o que via pela frente, tirou o casal do mundo das recordações chegando de surpresa para colocar Josué a par dos acontecimentos. Principalmente o que mais interessava a eles, que era o preço do ouro.

__ Josué, o jornal falado da rádio disse que devido a grande quantidade de ouro produzido pela África do Sul, o preço vai despencar aqui pra nós.

__ É! Desse jeito o governo quer matar todos os garimpeiros de fome. No começo a gente fazia o “rancho” para o mês com dois gramas de ouro, hoje já são necessários quatro gramas.

Zé paulista finalizou tirando uma casquinha de Josué:

__ Bem, mesmo que o vil metal despenque de preço você vai fazer muito dinheiro com a venda de sua "pepitona"!

Josué, embora não gostasse muito do sarcasmo do companheiro, assentiu esboçando um forçado sorriso. “Terê” que apenas observava o “papo” estava como de costume, sentada na enorme pedra que existia próximo ao barrando que fora aberto por Josué e que já ocupava uma área de quase uma quarta de terreno ( cerca de seis mil metros quadrados ). Aquela pedra já estava até desgastada de tanto servir de assento, principalmente para Josué e “Terê”, pois era ali que nas noites quentes de estio o casal ficava horas a fio conversando e fazendo planos para o futuro. Chegaram por algumas vezes a “fazer amor” sobre a grande pedra, daí a gozação de “Terê” que a chamava de “come quieto”.

Zé paulista foi embora e “Terê” esperou mais alguns minutos, depois falou:

__ Bênhe, eu já vou indo preparar uma sopinha daquelas que você gosta, com bastante legumes. Vê se não demora porque logo mais à noite a gente vem aqui porque hoje vai ter “com batatinha”.

Josué sorriu, fez um ar de aprovação esfregando as mãos como a dizer: Legal! Gostei! Aprovei...

“Terê” foi em direção ao barraco e Josué ficou jogando “carimâ” para fora do buraco. Em dado momento olhou para o lado do barranco onde estava localizada a pedra e notou um brilho diferente na parte de baixo, onde as chuvas tinham aberto uma pequena “ferida”. Aproximou-se com o auxílio de uma corda e verificou que aquele pequeno brilho amarelado era a minúscula parte do interior da pedra que acalentara seus sonhos durante tantos anos. Não havia dúvida! Era ouro! Sim, ouro! E da melhor qualidade!

A pedra nada mais era do que a guardiã do grande bloco maciço de ouro. Josué mal respirava tal era a sua emoção. Trêmulo começou a galgar o barranco alçando-se pela corda. Chegando ao topo, puxou-a para que ninguém descobrisse o seu “achado” e ensaiou uma corrida para dar a boa nova ao seu grande amor, a querida “Terê”.

Nesse instante uma dor lancinante no peito o fez oscilar. A dor fora aumentando, espalhando-se pelo braço esquerdo e pescoço. Josué caiu balbuciando algo ininteligível, permanecendo ali até o cair da noite. E foi naquele local que “Terê”, preocupada com sua demora, o encontrou, já sem vida.

O médico que atendeu ao ocorrido atestou como Causa Mortis, um fulminante Enfarto do Miocárdio causado por excesso de esforço ou talvez por uma grande emoção, o que segundo ele mesmo não era o caso de Josué.

Muitos anos se passaram desse ocorrido. Já houve o assoreamento do buraco. Um assentamento de colonos fora feito nas imediações e as crianças e os adolescentes perguntam aos mais velhos, por que aquela velhinha que vive da caridade pública dorme sobre aquela pedra? Quem conhece a história responde que ali, naquele local, morreu seu grande amor. Os que passam por ali, a ouvem chamar por alguém, porém, muitos ficam sem compreender o significado das palavras balbuciadas:

__ Josué, vem comer comigo meu bem! Eu juro que não vou dar quibe a você! Eu juro!

E a pedra maldita assiste, impassível, ao lamento da anciã e continua guardando o grande segredo!

Luiz Gonzaga da Silva
Enviado por Luiz Gonzaga da Silva em 18/08/2007
Código do texto: T612687