A SONÂMBULA - PARTE 2

A SONÂMBULA

Pelo fato de ser um tanto extenso e não caber no número de caracteres do sistema de postagem, aqui posto-o em duas partes. Portanto, logo abaixo, a parte 2.

Podia-se perceber realmente a presença da felicidade naquelas almas encarnadas que habitavam a mansão, tanto pela presença pueril formosa de Cláudia Letícia (uma bela criança mulata, símbolo da genuína miscigenação brasileira, pois herdou da mãe a pele negra e os cabelos negros e lisos e os olhos azuis do pai), agora com dois anos, como também pelo anúncio de segunda gravidez de Letícia que, dessa vez, daria à luz a um bebê do sexo masculino. Alegria que não era tão visível da parte do Sr. Cláudio, que mostrava o quanto podia, uma falso bem-estar, um falso contentamento, quando no fundo de si, escondia uma angústia, uma depressão, pelo fato de a qualquer momento, ter que anunciar à família, a falência econômica dos seus negócios.

Era de madrugada. O silêncio predominava na mansão. Havia uma aparência de que todos dormiam. De súbito, Letícia abriu os olhos. Sentou-se na cama e logo levantou-se. Lauro, como sempre, dormia profundamente. Telma já estava ali ao seu lado. Tinha o propósito de a conduzir aos aposentos térreos da mansão. Estando sonâmbula, andou calma e abriu a porta do quarto. Teve o cuidado de fechá-la. Depois desceu as escadas e, ao atravessar a ampla sala de visita, parecia saber aonde ia, bateu de leve na porta do escritório do sogro, abriu-a e entrou, deparando-se com ele sentado no sofá em visível estado de embriaguez, e sobre a mesa, o copo e a garrafa de uísque já quase vazia. Ao vê-la entrar, surpreendeu-se, logo lhe indagando:

- O que faz aqui? Por que está acordada a essas horas? Quem te mandou vim até aqui, foi Laura, que acordou e não teve coragem de vim me aconselhar sobre o que já sabe, do meu vício de jogar?

- Não, Sr. Cláudio, D. Laura dorme, todos dormem, inclusive Letícia que está aqui à sua frente...

O Sr. Cláudio, olhou-a assustado.

Não entendo o que me diz, Letícia, você está aqui na minha frente, falando comigo, e ao mesmo tempo me diz que está dormindo, falando como se fosse uma outra pessoa... Não admito que me desrespeite desta forma, não zombe de mim só porque estou bebendo, bebo mas estou lúcido, posso compreender as coisas, peço-lhe que me deixe sozinho, estou com problemas e preciso pensar como vou resolve-los...

- D. Laura, Sr. Cláudio, sabe uma parte dos seus problemas, do seu vício de jogar, ela só ainda não sabe das consequências geradas por este vício, que estão lhe arruinando a vida e os negócios... Quanto a Letícia, está aqui, mas é sonâmbula, e não sabe nada disto, pelo menos por enquanto...

O Sr. Cláudio continuava olhando-a atemorizado, sem crer no que via e ouvia, imaginando que devia está mesmo embriagado.

- Olhe, Letícia, eu não sabia que você tinha crise de sonambulismo, e eu não sei como lidar com isso, com essas coisas ligadas a espíritos, almas do outro mundo, não creio nem gosto de falar dessas coisas, mas você está passando dos limites, eu não lhe disse acerca dos meus problemas, a não ser que Laura tenha lhe contado, ela sabe do meu vício de jogar, mas só isso... Quem é você, por que fala comigo como se fosse outra pessoa?

- Eu me chamo Telma e estou aqui como guia espiritual de Letícia.

O Sr. Cláudio, bem temeroso, levantou-se de súbito, com os olhos arregalados.

- Eu sabia que havia alguma coisa estranha em você, Letícia, desde que Lauro lhe trouxe aqui a primeira vez. Ele não percebeu porque estava apaixonado por você, a paixão é assim mesmo, ela cega, ilude, faz a pessoa não ver quem o outro realmente é, e você, pra mim, é uma macumbeira, ligada ao candomblé, e agora está aqui com os seus guias, orixás, primeiro fez trabalhos pra entrar na família rica, e agora, porque estou ficando pobre, tenta resolver os meus problemas com o seu charlatanismo, sinto muito lhe dizer, mas não creio nessas coisas espíritas, vou conversar com Lauro amanhã sobre quem você realmente é, e ele certamente não vai lhe aceitar deste jeito, quando eu lhe contar sobre você, ele vai querer se divorciar, o meu filho é um médico, um homem de ciência, não vai aceitar está casado com uma mulher que lida com almas do outro mundo, trazendo pra nossa casa essas ideias e práticas de espiritismo, de candomblé, de umbanda...

Bem calma, Telma lhe ouviu os insultos, as ignorâncias, o desespero e o temor existencial de um homem obsidiado por espíritos viciosos em alcoolismo e jogatina, de um homem fragilizado pelos defeitos e vícios morais, de uma alma incrédula acerca dos assuntos da espiritualidade, limitando-se a viver a vida ilusória e passageira da materialidade e da carnalidade existencial. Olhando-o de um modo sereno, Telma lhe explicou:

O Sr. se dirige no momento a Letícia, que não pode, pelo transe sonambúlico, lhe responder. Mas se pudesse, não ia gostar de ser ofendida pelo Sr. desta forma. A ofende injustamente Ela é uma alma boa, humilde, reencarnou pra corrigir alguma culpa, convivendo com o Sr. na encarnação anterior, por isso vocês se reencontram agora, unindo os laços familiares, ela está fazendo a parte dela, só que o Sr. não faz a sua. Ela está forte em seus objetivos morais, já o Sr., fraqueja nos vícios, no preconceito, no apego excessivo às coisas materiais, e não cuida da parte espiritual, quero dizer, não se edifica pelas virtudes, pelos valores morais. Como guia espiritual dela, estou aqui pra ajudá-lo a sair deste sofrimento que lhe consome a alma e o corpo físico. Não vem ao caso agora, discutir religiões. Até porque, todas que estão na Terra, têm o mesmo objetivo de aprendizagem evolutiva. Em todas, sem exceção, o bem está misturado com o mal. Entenda: não são os ensinos morais de inspiração divina que depreciam as religiões, são as almas inferiores espalhadas em todas elas, que, ao invés de combaterem o mal com o bem, absorvem este mal e os estimula, semeando-o nas ações diárias, dificultando que as virtudes, que são os bens morais, estejam presentes na consciência impura, para que a depuração do espírito ocorra aos poucos e continuamente até o pleno evoluir. De um modo geral, as religiões são espiritualistas. Ou seja, creem em Deus e na existência da alma, além de sua sobrevivência depois da morte. Letícia é espírita, estuda o Espiritismo, mas não se envolve com práticas vinculadas ao mal, às trevas. O objetivo do Espiritismo é elevar a condição moral da humanidade terrestre. O que a Doutrina Espírita faz, é renovar as Escrituras, esclarecendo os pontos confusos, alegóricos, incompletos, complementando-os como o Consolador prometido pelo Mestre Nazareno, conforme as leis que regem o Cosmo, exercitando o amor, a humildade, a caridade, a fraternidade entre as almas que precisam corrigir-se de suas faltas, para merecerem passar de uma fase a outra, e seguindo, pelas sucessivas encarnações, até então, rumo ao seu melhor porvir regenerativo. O Espiritismo, longe de ser conservador e preconceituoso, respeita todas as religiões, e progride junto com a humanidade terrestre. Sendo supervisionado pelo Espírito de Verdade, que é o próprio Jesus, que autoriza os Espíritos Superiores a nos conduzir pela Luz Divina do Amor, sabe de sua responsabilidade crística em resgatar as almas (encarnadas e desencarnadas) das trevas, levando-as ao caminho sublime da luz. Lauro e Letícia estão casados e se amam muito, estão formando uma família unida e feliz. Lauro, inclusive, começou a estudar o Espiritismo. Ele quer compreender melhor as questões espirituais pra poder conciliar a ciência material com a espiritual, a entender que a vida, não é só a da alma habitando por dado tempo, o corpo físico, mas que após a morte, ela sobrevive e continua a existir como espírito desencarnado do outro lado da vida.

Com as ideias confusas e entorpecido pelo álcool, de repente, como se algo lhe tivesse tirado um peso da consciência carregada de más energias, o Sr. Cláudio sentiu uma leveza espiritual que há muito tempo não sentia; algo o fez ficar mais lúcido, capaz de rever conceitos tradicionais cristãos que supunham serem corretos, que jamais pudessem alterar-se ou renovar-se. Ele não tinha convicção de está diante de Letícia, ou que ela própria fingia ser outra mulher, ou até mesmo podia está possuída por alguma alma do outro mundo, o fato é que, aquelas palavras, ditas por ela com tanta franqueza e naturalidade, fez lhe renascer uma esperança de vitalidade existencial, e num tom mais calmo amenizou o seu diálogo:

- Eu realmente não sei quem é você, pra mim estou diante de Letícia, não de Telma, não creio nem entendo dessas questões espirituais, da alma que se incorpora ou que volta depois de morta num outro corpo, mas agora estou surpreso com o que ouvi de você, acho que, quem está nas trevas não é você ou vocês, sou eu, você me fala de amor, de luz, de caridade, peço-lhe desculpas por lhe ter sido rude, grosseiro, de repente, me sinto mais leve, mais lúcido, e mais confiante à resolução de coisas que me sentia sem forças para enfrentar, apesar de ainda não saber como resolve-las, mas você está certa, Letícia, eu tenho que reuni forças para enfrentar esta situação que me incomoda e me dói o juízo, às vezes penso que vou ficar louco, fazer uma besteira com a minha vida se perder a minha riqueza, e na verdade nem a tenho mais, vivo de aparência, por isso bebo e jogo, não sei o que será de mim daqui pra frente, estou com vergonha de mim mesmo, de minha fraqueza, do meu vício de jogar, estou quase falido, vendi alguns imóveis pra pagar débito de jogo, ter algum dinheiro pra continuar jogando, além de indenizar uma parte dos empregados, a minha família ainda não sabe, só você, e eu não sei como vou contá-los, acho que vou enlouquecer porque os negócios não estão bem, a produção caiu muito, tenho menos da metade dos empregados, os salários estão atrasados, e a única solução, que não quero, mas não vejo outra, é vender esta mansão que vale um bom dinheiro pra indenizar todo mundo. Quanto ao imóvel da indústria, o alugo a quem queira montar um novo negócio.

- Sr. Cláudio: espiritualmente, Deus nos cria simples e ignorantes, nos dá uma meta de desenvolvimento moral feita de etapas evolutivas. Estabeleceu as sucessivas encarnações à vivência experimental dessas etapas. O livre arbítrio de cada um é quem determina a velocidade ao alcance meritório do ápice evolutivo. Experimentamos o bem e o mal. O grande desafio é aprendermos a separar um do outro e seguirmos o caminho edificante do bem. O Sr. e Letícia estiveram juntos na encarnação anterior. Eram casados e não tiveram filhos. Preconceituoso e viciado em jogo e bebida alcoólica, ela vem lhe ajudando a livrar-se desses defeitos e vícios desde encarnações anteriores. Desse modo, ela também se melhora no que a domina pelo pendor ambicioso de ser rica materialmente. O Sr. era negro e pobre. Ela, branca e rica. Apaixonada, se casou contra a vontade dos pais, que desencarnaram um após o outro, desgostosos por ve-la casada com quem eles não queriam. Na encarnação atual os pais de Letícia estão sendo de novo os seus pais, só que vieram na condição de pobres. Letícia herdou a riqueza dos pais e devia usá-la de uma forma mais construtiva porém, sem saber geri-la, entregou-se às extravagâncias, passando a satisfazer também as vaidades mundanas do marido, viciado em bebida alcóolica e jogatina. Não demorou muito tempo, ficaram pobres. A fraqueza moral o levou ao suicídio. Pobre, desgostosa e sem nenhuma perspectiva de futuro existencial, definhou até desencarnar.

Atento à explicação dela, Sr. Cláudio achava que as coisas se repetiam, ela tentava o ajudar, os negócios fracassaram de novo, ele não se livrava dos vícios, correndo o risco de suicidar-se novamente.

- Meu Deus! - exclamou, lembrando-se do Pai Eterno. - Preciso mesmo de ajuda. Estava aqui desesperado, sem saber como resolver a minha vida e prejudicando a minha família. O orgulho e egoísmo me estimularam o preconceito e os vícios. Passou pela minha mente me suicidar de novo. Acho que Deus me enviou vocês, dois anjos em minha vida, que estão me impedindo de cometer outra vez esse terrível mal a mim mesmo.

- Já é um bom começo para o Sr. sair dessa situação ruim, que lhe prejudica o espírito e o corpo, pedindo ajuda a Deus, que permite que erremos, sem interferir em nosso livre arbítrio, para que aprendamos a nos edificar, a nos depurar, nos corrigindo do que nos rebaixa, do que nos conduz ao mau senso, do que nos inferioriza a essência eterna. No entanto, Deus jamais nos abandona, é sempre bom, justo e misericordioso. E quando vê que nos arrependemos, nos envia os seus fiéis mensageiros pra nos auxiliar, nos socorrer, nos guiar aos bons caminhos existenciais. Os anjos, os bons espíritos, os anjos da guarda, supervisados pelo Cristo, servem incessantes ao Senhor, no exercício de inúmeras tarefas em nobres missões, principalmente as que contribuem para que as almas inferiores achem o caminho abençoado de suas regenerações morais. A vida existe nas duas dimensões, nos dois planos distintos. A vida da carne é mortal, mas a do espírito é imortal. Quando o espírito habita a máquina física, ele é alma encarnada. Quando a deixa, pela morte desta, ele é espírito desencarnado. Deixa a vida secundária efêmera, e retorna à vida primária eterna revestido pelo perispírito, o corpo fluídico que lhe é inseparável.

- Então você é um anjo, Telma ou Letícia, que Deus me enviou a fim de que eu possa me livrar desses males que me consomem há bastante tempo, desde encarnações anteriores?

- O nome não importa, Sr. Cláudio, digamos que eu sou um espírito amigo que está aqui pra te esclarecer, pra te renovar as energias, pra te fortalecer moralmente. Apesar de termos o livre arbítrio, pelo qual fazemos as nossas escolhas, Deus não deixa de nos ajudarmos, apenas aguarda que nos aprimoremos pouco a pouco, pelas sucessivas encarnações. Às vezes, a alma impura que evolui, precisa de um apoio maior, quando Deus sente que pode reconduzi-la ao virtuoso caminho do amor, do bem. Nesse caso, o bom senso de quem precisa melhorar-se é fundamental, para que se alcance o êxito pretendido. Quando entramos para ve-lo, eu incorporada em Letícia, senti a baixa energia do ambiente. Logo vi três obsessores desencarnados lhe sustentando as más energias viciosas. Inclusive, eles o induziam ao suicídio. O que fiz foi neutralizar esses miasmas energéticos, substituindo-os por boas energias, ondulações mentais que lhe revigorem o espírito. Eles não gostaram de ver-me, são espíritos fracos e subjugados por chefe de falange no umbral, região infeliz no sub-mundo da espiritualidade. Não tendo como continuarem obsediando-o, voltaram ao seu inferno espiritual. Já está quase amanhecendo, Sr. Cláudio, Letícia precisa voltar à cama, ela acorda cedo. O Sr. se acha mais fortalecido pra tomar decisões importantes daqui pra frente. Está amparado por Deus e pelos mensageiros do bem. Terá força adequada pra colocar a família a par das cosias que o afligem, e tenha certeza que ela o apoiará no que for preciso para que o Sr. fique em paz consigo mesmo. No seu dia a dia, enquanto eu me ausento com outros compromissos, terá a companhia de dois espíritos amigos, dois anjos guardiães que impedirão os obsessores de se aproximarem do Sr. Porém à noite, quando o seu corpo físico dormir, e a sua alma desprender-se dele, não mais irá ao encontro de quem só lhe faz o mal, estarei ao seu lado e o levarei a um posto de socorro. Lá, durante algumas noites, ensaiando a sua morte antes mesmo de morrer, quero dizer, antes de deixar a máquina física em definitivo, receberá um tratamento de desobsessão e desintoxicação, além disso, lhe será muito útil que frequente um centro espírita, pode ser o mesmo que Lauro e Letícia frequentam, para que possa edificar-se ouvindo as palestras, lendo os Livros da Codificação e interagindo em diversas atividades que o auxiliem em seguir pelos bons caminhos, simbolizando o complemento das Escrituras ou o Cristianismo renovado, que lhe fortalecerá diante das provas, modificando os seus objetivos de vida, que serão direcionados aos valores do espírito. Se o Sr. não me vê agora, pois estou incorporada no corpo físico de Letícia, terá como me ver quando estiver desdobrado no sono, e se lembrará de mim nos sonhos com o seu corpo físico desperto. E o que não crê, decerto daqui pra frente, passará a crer, porque a vida, Sr. Cláudio, só é mortal para a carne, para o espírito, ela é eterna, e todos nós sempre a continuamos do outro lado de nossa verdadeira existência.

Depois daquele encontro no escritório da mansão, Sr. Cláudio começou a sentir o alívio existencial que precisava para dar um novo rumo à sua vida. Os obsessores, inconformados com a sua mudança repentina, não desistiram de obsediá-lo, mas toda vez que pensavam em faze-lo, eram impedidos pelos intercessores do bem. Uma sensação de paz que há muito não sentia, passou a prevalecer em seu espírito, capaz de não mais pensar em ir aos locais de jogatina, nos quais não pressentia que as forças negativas desencarnadas o mantinham cativo aos seus insanos intentos viciosos. Decidiu que, embora não pudessem mais recuperar os negócios, se sentiria bem em indenizar os seus empregados. Ficaria com a consciência mais tranquila. Fez uma reunião com todos eles, pondo-os a par de sua decisão. Pediu que o setor contábil junto com o setor de pessoal fizesse um estudo criterioso, para que se soubesse o montante a ser indenizado. Como ele pretendia indenizá-los vendendo a mansão, só podia desfazer-se desta, após a conclusão desse estudo específico.

Durante a semana, Lauro e Letícia não tinham o hábito de almoçarem em casa, o faziam em restaurantes no centro da cidade, mas escolhiam um dia da semana pra saborearem o repasto doméstico do meio-dia junto com os familiares. Quando chegaram em casa naquele final de manhã, encontraram os avós alegres brincando e paparicando a pequena Cláudia Letícia num dos sofás de uma das salas da suntuosa mansão, enquanto a babá sentada, não tão próxima deles, os observava com um discreto sorriso. Quando os viram chegar, D. Laura lhes falou:

- Podem tomar os banhos de vocês, que o almoço será servido em vinte minutos. Não demorem porque Cláudio fará um importante comunicado durante o almoço.

- Está bem, mamãe! - falou Lauro, sorridente.

Antes de subir, Letícia ainda pegou a filha num breve instante, aninhou-a nos braços maternos, doando-lhe beijos e carinhos. A mesa pra o almoço já estava posta. D. Laura foi à cozinha avisar que podia ser servido dentro de alguns instantes. A babá voltou a ficar com a criança, mas não saiu da sala. Sr. Cáudio, demonstrando uma certa serenidade, preferiu esperá-los sentado à mesa. Sem pressentir, não sabia que Telma estava ao seu lado, irradiando-lhe boas energias e vibrações fluídicas, preparando-lhe o espírito para que se sentisse corajoso em falar de um assunto incômodo que iria mudar a rotina da família, mas na verdade, só ele é quem precisava acostumar-se à nova realidade, visto que, era o mais apegado aos bens materiais. Enquanto dois copeiros serviam o almoço, Sr. Cláudio iniciou a sua fala:

- Como vocês sabem, depois que Deus me enviou os amigos espirituais a fim de me socorrer, ajudando-me a me livrar de minhas dificuldades existenciais, tenho me sentido muito bem sem o vício de jogar, no entanto, justo por conta desse vício, ao longo dos anos e de outras encarnações, foi o que contribuiu pro fracasso dos meus negócios. Nesse sentido, a ajuda me veio, tanto de Letícia, com a sua mediunidade sonambúlica, como de Telma, a sua mentora espiritual desencarnada, que vem, junto com os seus amigos espirituais, não só me fortalecendo mas também me guiando aos bons caminhos vinculados aos valores do espírito. Diante disso, quero lhes dizer que não tenho mais condições econômicas de seguir com os negócios. A solução que encontrei, a meu ver a mais sensata, é vender a mansão pra indenizar os meus empregados na indústria. Estou só aguardando o cálculo do valor total da indenização a fim de que possa providenciar a venda dela, que não será difícil achar compradores, pois mesmo sem querer vende-la, já tinha quem se interessasse por ela, caso eu quisesse dela desfazer-me. Dos outros imóveis que tenho, só não vendi a casa de veraneio em Itaparica porque está em nome de Lauro, e um apartamento em Brotas que está em nome de Laura. Tudo tem uma razão de ser. Acho que, por precaução, diante dos possíveis imprevistos que ocorrem, preferi transferi-los do meu nome, pra o de minha esposa e de meu filho. O apartamento, embora não se possa compará-lo com a mansão, mas é amplo e confortável, tendo seis quartos, pode muito bem nos acomodar, dos empregados da mansão, só vou ficar com uma cozinheira e uma copeira, depois Laura conversa com eles lhes explicando a nova situação. Fica num condomínio de alto padrão com uma ampla área de lazer que o circunda.

Após esclarecer o assunto, Sr. Cláudio silenciou. Queria ouvir alguns pareceres dos seus íntimos convivas.

- Acho que a partir de agora, Cláudio, - disse D. Laura - você se sentirá mais aliviado e liberto, tanto dos vícios como do apego aos bens materiais. O estudo da espiritualidade está lhe fazendo muito bem. Infelizmente, muitos de nós nesse mundo, ainda se apegam em demasia aos bens terrenos, quando deviam apegar-se mais aos bens morais. Não precisamos ter muita coisa de material pra se sentir bem em nossa existência carnal, que sabemos ser passageira, se lutamos pra ter tanto o que não vamos ter sempre, é porque alimentamos os defeitos e os vícios mundanos, deixando esquecidas as virtudes, as ações que nos edificam, que nos elevam o espírito, que nos fazem ser pessoas simples, humildes, caridosas, capazes de nos contentarmos com o pouco, com o pão de cada dia que Deus nos dar, você não é uma pessoa ruim, meu querido esposo, apenas estava precisando libertar-se do ter material momentâneo para poder valorizar o ser moral em seu espírito carente dos bens virtuosos que realmente promovem o nosso construir digno, tanto na breve vida carnal, como na eterna vida espiritual.

- Concordo com mamãe! - opina Lauro - Como diz a citação bíblica, "Deus não abomina o pecador, mas sim o pecado". Se erramos, é porque não temos condições morais pra acertarmos no que nos beneficia em virtudes. Deus nos permite os erros, mas jamais nos abandona. Somos a sua criação, os seus filhos eternos. Pelo livre arbítrio, Ele nos permite exercermos a vontade em nossas escolhas. A melhora, o crescimento, a depuração, vamos alcançando aos poucos, pelas sucessivas encarnações as quais nos submetemos, experimentando as diversas lições de vida, quando aprendemos a distinguir o bem do mal, o benefício do malefício, e mesmo estagnando em alguns momentos, Deus nos direciona sempre ao progresso, à plenitude do nosso evoluir. De agora em diante, papai, estudando os ensinos espíritas, o Sr. vai se fortalecer ante as adversidades, levará uma vida carnal mais simples, porém, repleta dos valores espirituais, não precisa preocupar-se mais em trabalhar pra sobreviver, continuaremos morando com vocês, o que adquiro como diretor da clínica, dá pra vivermos bem, o que o Sr. precisa é retomar o seu lado afetivo com mamãe, ficar mais junto dela, renovar a relação conjugal pela doação mútua do amor, a família está crescendo, daqui há alguns meses vocês vão ganhar outro neto, e a alegria continuará predominando em nossa família.

Sentindo-se no dever de opinar, Letícia complementou:

- Cada vez mais estou convicta de que a reencarnação é mesmo uma das leis justas e necessárias da providência divina. Precisamos nos submete-la, tantas vezes precise, para a correção dos nossos erros, faltas, dos nossos ilícitos morais. Quando Deus nos reúne como espíritos encarnados, não é para valorizarmos em demasia o que vamos ter, apenas enquanto habitamos no corpo físico vivo, por ignorância moral, nos iludimos com a nossa vivência carnal, achando que quanto mais tivermos em bens terrenos, vamos nos sentir felizes, e de súbito, por qualquer motivo, mais das vezes, por infortúnios, mazelas, violências diversas, deixamos o vaso físico pela morte, e nos deparamos com a nova e eterna realidade do nosso existir. Quantas vezes em vida carnal, deixamos de priorizar os bens morais no espírito, para nos nutrirmos dos bens terrenos efêmeros defeituosos e viciosos, que somente nos rebaixa, nos estagna, nos atrofia o desenvolvimento moral, deixando-nos no flagelo espiritual, gerando o inferno interior em vida carnal, que se prolongará após a morte física nas faixas infelizes umbralinas da espiritualidade como espíritos desencarnados. Quantas vezes vagamos nos umbrais por tempo indeterminado, com a nossa razão alienada, enlouquecida, enfraquecida e desprovida dos bens morais que nos edificam, porque estamos envoltos em baixas energias e vibrações negativas, encarcerados nas falanges umbralinas que se aprazem em praticar as variadas facetas do mal. Tristes e desesperançosos, sem perspectivas de um porvir promissor, a nos parecer bem distante pela insuficiência moral de uma recuperação ou um restabelecimento mais ou menos imediato, que venha a nos tirar daquele lamaçal umbralino. E, quando menos esperamos, em meio as trevas, vemos ao longe, um foco de luz divina que logo se aproxima de nós, tomando a forma de um ser de luz, um intercessor do bem que vem nos acudir, nos cuidar, nos fortalecer, porque sente em nosso íntimo a luz moral de Deus determinando que o nosso espírito seja socorrido, e é então que, demonstrando arrependimento, somos de novo preparados a uma nova encarnação, na qual, nem sempre temos a força moral capaz de aturar e suportar as provas pelas quais prometemos cumprir, mas a pluralidade das existências garante nos proporcionar, cedo ou tarde, o êxito evolutivo. Portanto, nenhum de nós estamos aqui por acaso, temos provas a cumprir juntos e unidos por edificantes laços afetivos carnais, que continuarão da mesma forma, com quem tivermos que conviver do outro lado da vida na imensa irmandade espiritual universal, cujo Pai Soberano é Deus. Quanto mais nos fortalecermos ante essas provas, mais seremos felizes em nossa vivência familiar, e certamente quando desencarnarmos, um bom lugar nas colônias espirituais tranquilas estará nos esperando. Enfim, ainda que o espírito reencarne muitas vezes, no intuito de depurar-se aos poucos pelas atividades carnais, segundo o Desígnio de Deus, ele destina-se à perfeição intelectual e moral, à pureza angélica eterna em sua vida espiritual desencarnada.

Eles não viram, por causa do peso dos corpos carnais grosseiros, mas uma chuva de centelhas fluídicas, oriundas das hostes celestiais sublimadas, se derramaram em suas almas, por estarem vivenciando aqueles momentos tão edificantes, pela superação dos débitos cármicos que até então os prendiam e os impediam de alçar voos mais altos de pretensões evolutivas. Como também não viram a presença benévola de Telma naqueles momentos tão importantes em suas vidas, intuindo-lhes, inspirando-lhes a dizerem palavras elevadas que pudessem não só esclarecer, mas também renovar as suas essências ainda inferiores, entretanto, sentiam que havia uma força interior inovada, impulsionando-os a seguirem pelas abençoadas e venturosas sendas regenerativas.

Dois anos se passaram. O Sr. Cláudio concluiu as resoluções pretendidas. Todos foram morar no apartamento em Brotas. Letícia pariu um lindo e robusto bebê do sexo masculino. Lauro deu-lhe o seu nome, acrescendo-lhe o nome "Júnior" no final, indicando a filiação e o mais jovem da família Singer. Geneticamente, o caçula era a cópia do pai, branco, loiro, só tinha os olhos castanhos da mãe. O casal de filhos, assim, eram resultantes de uma união conjugal harmoniosa e feliz.

Sentindo que o Sr. Cláudio estava bem fortalecido, desistindo realmente do vício de jogar, que havia superado a prova, até então, tão difícil de ser cumprida, até porque, ele passou a frequentar assíduamente junto com D. Laura, o Centro Espírita que Lauro e Letícia frequentavam, após o tratamento no posto de socorro, ela colaborou pra que tomasse novas iniciativas, e ele próprio decidiu, com a alma desdobrada, continuar o frequentando, no abnegado serviço espontâneo de auxilio aos desencarnados que ali chegavam, necessitando dos primeiros socorros.

Seguindo com a rotina diária de suas vidas encarnadas, depois dos oportunos ajustes de vivência existencial, a serenidade, o equilíbrio e a sintonia moral faziam-se prevalecer no seio da família Singer. Estavam contentes, por terem superado as provas pelas quais prometeram cumprir antes de encarnarem. Mas sabiam que o confronto entre o bem e o mal era constante num mundo inferior, e não podiam se descuidar dos intentos que os conduziam pelos excelsos caminhos do bem, estando encarnados ou desencarnados. A violência física e moral continuava ocorrendo dos dois lados da vida. Enquanto uns se ocupavam em combate-la, outros, a estimulavam, semeando, não a paz, a fraternidade, mas a desordem, a intranquilidade, o terror, o temor de ir e vir nas atividades cotidianas, deixando as pessoas apreensivas quanto as possíveis surpresas desagradáveis.

Embora as forças do bem combatam incessantes as forças do mal, infelizmente o mal ainda predomina sobre o bem na Terra moralmente inferior. Sabe-se que, para que o bem prevaleça, os defeitos e vícios têm que serem substituídos pelas virtudes, as energias e vibrações ruins, negativas, cedam lugar às boas e positivas energias e vibrações fluídicas, os bons pensamentos e bons sentimentos sejam predominantes nas consciências que tencionam se regenerar. Todavia, por enquanto, a abençoada escola terrestre nos dois planos distintos, ainda é um grande umbral habitado por almas inferiores cujo mal as domina.

Portanto, tanto num plano quanto noutro, do planeta azul, até a presente época, há mais umbrais ou cidades intranquilas, infelizes, do que colônias ou cidades tranquilas, felizes. O grande desafio, nesse caso, é transformar, livrar a terra do mal, fazer com que o amor e o bem sobressaiam como alívios sentimentais nas ações conscientes das almas que queiram viver no fraternismo crístico, pela doação mútua do amor fraterno entre nós. Missões evolutivas contínuas desempenhadas por Deus, pelo Mestre Jesus, pelos Anjos, pelos Espíritos Superiores, e até por nós, Espíritos Inferiores que almejamos a ditosa Regeneração Moral.

Há sintonia, tanto entre os adeptos do bem, como entre os adeptos do mal. O que não combina é a mistura do bem com o mal. Porque o bem, é fruto da moralidade, das virtudes exercidas nas ações fraternas e pacíficas, já o mal, é o oposto, a antítese do edificante viver, porque opta pela imoralidade, pelos defeitos e vícios mundanos que causam grandes transtornos carnais e desiquilíbrios psíquicos, em detrimento do bem-estar físico e moral do ser espiritual que evolui.

Num desses umbrais, sito nas imediações da capital baiana, falanges desencarnadas se reuniam com o seu chefe umbralino, para tirar a paz, desequilibrar a vida carnal do Sr. Cláudio.

- Chefe, falou um deles - não adianta que o velho, ex-dono da mansão, não vai mais voltar a beber e a jogar. Ele está forte, tem bons protetores, como vamos faze-lo cair de novo?

- Eu sei que ele está forte, - respondeu o chefe num tom rancoroso - mas não tanto. Frequenta o Centro Espírita, eu sei, está se esclarecendo, se renovando, buscando os bons caminhos para a sua vida, está sendo bem conduzido pelos seus amigos espirituais do bem. Só que ainda não venceu o mal. Ele não deixou de ser um de nós. Pode cair de novo.

- O que pensa fazer?

- Tenho um plano. Terei que traze-lo de novo pra nós. Ele vai morrer. Não é mais viciado no jogo, mas pode voltar a ser, não é mais rico, mas ainda mora num apartamento luxuoso, não ficou um pobre miserável como eu queria, pois tem a proteção do filho. Continua vivendo bem. Só que, pela morte, ele vai voltar a viver mal. Quando morrer, vamos buscá-lo e ele será de novo um de nós. Quero que ele volte a sentir prazer fazendo o mal a si como um viciado e induzindo ao vício outras pessoas. Antes disso, será castigado, ficará jogado na vala umbralina pra não mais me desobedecer. Quando estiver sem as boas energias que readquiriu, lhe restituirei as más energias pra que só veja as trevas em si e no que lhe cerca.

- Como pensa matá-lo, chefe?

- Ele costuma passear na orla com a coroa. Vocês vão atrair um ou dois assaltantes pra junto deles. Lhe pedirão dinheiro e celular, ele se asustará e um deles lhe dará dois tiros, matando-o. Fora do corpo morto, vocês o trarão pra mim, ficarei aqui ansioso pra ve-lo chegar, e lhe dizer que o seu calvário vai recomeçar.

Numa tarde de domingo, como sempre gostava de fazer, o Sr. Cláudio saiu de carro com D. Laura. Costumavam ir à orla para passear, espairecer, sentir a brisa fresca que vinha do mar, rever alguns amigos do tempo que moravam na mansão, voltando assim, a sentirem a alegria, a felicidade de estarem mais tempo juntos afetivamente. Após estacionar o carro, atravessaram a larga avenida que margeava a orla, e quando estavam no passeio andando distraídos, foram surpreendidos por dois assaltantes:

- E aí, coroa, me dê o seu celular, quero dinheiro também, anda, me dê logo, se não eu atiro...

- Eu não tenho aqui. - disse nervoso o Sr. Cláudio - Deixei no carro, que está estacionado logo ali.

- Como não tem? Então vai pagar com a vida por não ter.

- Eu lhe imploro, - interviu D. Laura - não tire a vida do meu marido.

- A gente não tem tempo a perder aqui com dois velhos que não tem nada. Vão morrer.

- Não. Não nos mate. Tome a minha bolsa. Nela tem algum dinheiro e o celular.

- Você vai ficar viva, coroa, por fazer a gente não perder a viagem, mas ele não.

E, sem dó nem piedade, o bandido lhe desferiu dois tiros, tombando sobre o passeio. Vendo o marido caído e o sangue que lhe escorria de algumas partes do corpo, D. Laura gritou desesperada por socorro, em seguida, desmaiou. Os dois meliantes logo fugiram numa moto. Ante a fatalidade ocorrida, muita gente se aglomerou em volta dos corpos. Alguns policiais chegaram e pediram que as pessoas se afastassem para que as vítimas fossem socorridas. Em pouco tempo o SAMU chegou. Ao verificarem o estado de saúde das vítimas, constataram que o Sr. Cláudio estava morto e D. Cláudia apenas desmaiada. Enquanto ela era levada ao hospital para ser melhor atendida até que recuperasse os sentidos, ele jazia no piso do passeio já sem vida carnal.

Assim que recebeu os tiros, o perispírito do Sr. Cláudio precipitou-se para fora, mas permaneceu deitado, ao lado do corpo físico morto. Apesar do desencarne, ele ficou imóvel, inconsciente. Os desencarnados umbralinos já estavam ali aguardando o seu desprendimento da vida física extinta, para o levarem ao chefe deles, que os aguardava nas cavernas umbralinas. Mas os trabalhadores desencarnados do bem também estavam ali presentes, os entes queridos, os socorristas do além, inclusive a Benfeitora Telma, todos o circundaram, impedindo que os malfeitores umbralinos se aproximassem dele, a fim de definirem o plano macabro. Após efetuarem o procedimento de desligamento definitivo dos laços fluídicos que o prendiam à vida carnal extinta, um foco de luz abriu o portal da espiritualidade, para que o cortejo de bons espíritos pudessem conduzir a alma recém desencarnada do Sr. Cláudio, ao posto de socorro que ele já o conhecia, pois foi nele que se tratou quando se desdobrava, e continuava a ele vinculado por iniciativa espontânea de auxílio aos desencarnados necessitados dos primeiros socorros, do mesmo jeito que ele agora, estava também sendo socorrido.

Ainda no hospital, D. Laura voltou a si. Abriu os olhos mas estava em estado de choque. Custou a se lembrar do que lhe tinha ocorrido. Letícia estava junto dela segurando-lhe uma das mãos. Lauro tinha ido no IML, para onde o corpo do seu pai foi levado, acompanhar os procedimentos legais a fim de que o corpo fosse liberado para o sepultamento. Olhando para Letícia, D. Laura, com o corpo trêmulo, perguntou-lhe pelo marido. Ela, sem saber como lhe dar a triste notícia, ficou em silêncio, e as lágrimas incontidas lhe fluíram pela jovem face negra. Vendo-a chorando, a sogra logo entendeu que o pior com o seu marido tinha acontecido.

- Ele morreu, não foi, minha filha?!

- Sim, D. Cláudia, infelizmente ele não resistiu aos tiros e desencarnou lá mesmo no local.

- Meu Deus, perdi o meu marido de um modo tão trágico, quanta violência nesse mundo, meu Deus, quando teremos paz, quando teremos o direito de ir e vir sem temer o mal, sem temer o próximo que faz o mal, por que essas pessoas que sentem prazer em fazer o mal, não se transformam e passam a fazer o bem, a seguir o caminho sublime do Cristo? O Mestre Nazareno voltou para o seu reino de luz, mas nos deixou os ensinos morais repletos de amor, para que amemos uns aos outros, para que o bem, não o mal, prevaleça entre nós, em nossos corações, em nossas consciências, acho que é mais simples, mais fácil amar e fazer o bem, todos temos que morrer um dia, faz parte da lei da natureza, mas que seja pelo desgaste da carne envelhecida e não da forma como se morre tanto nesse mundo, onde não se tem um mínimo de respeito, nem com a própria vida nem com a vida do próximo, meu Deus, quanta violência física e moral nesse mundo, quanto desrespeito a Deus, a Jesus, aos seres de luzes que só querem nos amar, nos fazer o bem, sabemos que o mal nos rebaixa, nos destrói, e o bem nos eleva, nos edifica, por que então, meu Deus, todos não seguem os caminhos puros do amor? Dói, minha filha, dói muto a gente perder a quem ama, a quem a gente quer bem, sei que vou chorar muitos dias pela perda trágica do meu amado marido, mas ainda bem que tenho a compreensão espírita que me consola, que me faz entender que a vida carnal é secundária e que existe em sua condição temporária, para que o espírito eterno aprenda a evoluir pela atividade carnal, depois a deixa por morte desta, continuando a viver do outro lado da vida, esse é o meu consolo, a minha aceitação de que morreu a carne, mas não morreu o espírito, e assim minha filha, dou graças a Deus, por ele ter corrigido a prova que mais o perturvava, mais o fragilizava, e um passo a mais foi dado por ele no caminho abençoado de sua regeneração.

Após o desabafo consciente, D. Laura deixou, num silêncio dorido, que as lágrimas lhe fluíssem abundantes pela face marcada por tamanho sofrimento. Também chorando, Letícia não quis lhe dizer nada naquele momento de tristeza, de pesar profundo, apenas ouviu o seu oportuno desabafo, consolando-a com um abraço prolongado. Depois de algum tempo, D. Laura, um pouco refeita de tamanho infortúnio, quis saber do corpo do Sr. Cláudio e onde Lauro se achava. Letícia lhe disse que Lauro estava no IML, aguardando a liberação do corpo para o sepultamento.

Um ano se passou. A ausência física do Sr. Cláudio era bem sentida pela família Singer, sobretudo, da parte de D. Laura, que, num visível abatimento, ainda sentia muita falta dele. Lauro e Letícia tiraram férias juntos. Não quiseram viajar pra mais longe. Decidiram gozar as férias na casa de veraneio em Itaparica. A princípio, D. laura não quis ir, mas depois aceitou. Até porque, Lauro jamais iria deixá-la sozinha em casa.

Numa noite, em plena madrugada, D. Laura não conseguia dormir. Ao mesmo tempo que pensava no marido desencarnado, orava pelo seu bem-estar onde estivesse do outro lado da vida. Sentada numa poltrona, em meio a penumbra do quarto, olhava para a janela, pensativa. No quarto ao lado, Letícia, sonâmbula, levantou-se. Telma e o Sr. Cláudio já estavam ali a esperando. Ambos a conduziu ao quarto de D. laura. Ao abri-lo, Letícia entrou em transe sonambúlico. D. Laura não se assustou. Já compreendia aquele aspecto mediúnico dela. O Sr. Cláudio então, incorporou-se ao corpo dela e a saudou:

- Boa noite, Laura! Sou eu, Cláudio!

- Boa noite! - lhe respondeu D. Laura, visivelmente emocionada. - É você mesmo, meu marido? É você que está no corpo de Letícia e veio me visitar, me dar este presente tão maravilhoso de sua presença espiritual?

- Sim, minha amada esposa, assim como você e todos, eu também estava com muita saudade de você e de todos os meus familiares. Mas só agora, depois de um ano de desencarnado, Deus e os meus superiores espirituais me permitiram visitar vocês.

- Depois de minha compreensão espírita, jamais duvidei de quem desencarna para viver no mundo dos espíritos. Apenas sentia muita saudade e até um certo desânimo, por não mais te-lo em nosso convívio, mas pude me fortalecer pelo amor espiritual que nos une, tanto que, Deus nos deu o merecimento de você está aqui agora, meu amado esposo, por alguns momentos, nos brindando com a sua agradável presença desencarnada. Certamente Telma, a nossa Benfeitora Espiritual, também está aqui. Agradeço as duas, a ela e a Letícia, por tamanha ajuda que têm dado a nossa família. Foram vocês que trouxeram os ensinos espíritas, para serem exercidos em nosso lar. E assim pudemos fazer a nossa renovação espiritual, a nossa reforma moral, que o Espiritismo tão bem nos conduz pelos caminhos abençoados de nossa regeneração existencial. Deus é Pai Eterno, nunca abandona os seus filhos eternos. Jesus é o nosso modelo e guia. E o Espiritismo é o Consolador prometido pelo Mestre Nazareno. Que a luz e a paz sempre estejam com todos nós. Crer e confiar que a vida continua, nos deixa esperançosos e perseverantes em nosso melhor evoluir, tanto pelas diversas desencarnações, quanto pelas sucessivas encarnações.

Eis a Lei Sublime de todas as religiões, que liberta a alma dos vícios e dos ilícitos morais: "Amas a teu próximo como a ti mesmo" e "Não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem".

Adendo:

Este conto tem um pouco de inspiração ficcional e um pouco de inspiração mediúnica. Entretanto, em ambos os aspectos, qualquer senelhança com fatos e pessoas é mera coincidência.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 26/03/2018
Reeditado em 14/10/2021
Código do texto: T6291303
Classificação de conteúdo: seguro
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