A SONÂMBULA - PARTE 1

A SONÂMBULA

Pelo fato de ser um tanto extenso e não caber no número de caracteres do sistema de postagem, aqui posto-o em duas partes. Portanto, logo abaixo, a parte 1.

Passava da meia-noite, talvez uma, duas da madrugada. O amplo quarto da casa de veraneio estava na penumbra. O casal dormia. De súbito, Letícia abriu os olhos. Ergueu-se e sentou-se na cama. Com os olhos vidrados, parecia não está ali, mas sabia muito bem o que fazia, e assim, descalça e vestida numa camisola de seda branca, contrastando com o seu corpo negro, dirigiu-se à porta do quarto, girou-lhe a maçaneta e saiu, seguindo calma pelo corredor de acesso à ampla sala da casa. Parou um instante, virou-se, e continuou andando rumo à porta principal. Ao abri-la, correu o olhar pela varanda, depois sentou-se numa cadeira confortável, e ficou ali numa aparente abstração, diante da beleza noturna, contemplando-a com os olhos perispirituais expansivos, por assim dizer, transportando-se espiritualmente para mais perto das constelações estelares ou do brilho esplêndido do luar. Após algum tempo, ela fez o percurso de volta e deitou-se novamente.

Lauro ainda não sabia desse aspecto mediúnico na vida da esposa, iniciado desde a fase pueril. Estavam em lua-de-mel na casa de praia da família dele na paradisíaca Ilha de Itaparica, cujo pai era um rico industrial em Salvador. Lauro casou-se sem aprovação dos pais. Jamais queriam ve-lo casado com uma mulher de cor negra e pobre. Bem preconceituosos, imaginavam que o único filho, branco, loiro, de olhos azuis, teria que casar-se com uma mulher da mesma cor e da mesma condição sócio-econômica. Na verdade, o preconceito era mais intenso da parte do pai, embasado pelo seu alto nível sócio-econômico. Já da parte da mãe, oriunda de família pobre, as condições raciais e econômicas não lhe eram relevantes, contanto que ela trouxesse na índole os bons principios morais.

Lauro tinha dez anos de formado em Medicina. Atuava como clínico e cirurgião. Tanto atendia em sua clínica no centro da capital, na qual era o diretor, como fazia cirurgias no Hospital Geral. Letícia estagiava no hospital e estava prestes em concluir o curso superior de Enfermagem, quando se conheceram. Ela o auxiliava numa cirurgia e durante esta, ele percebeu a sua firmeza e aptidão profissional. Ao saírem da sala operatória, ele a convidou pra tomarem um café na cantina do hospital. Na mesma noite combinaram um encontro num restaurante pra jantarem. A princípio, Letícia mostrou-se tímida e até resistiu aos galanteios sedutores de Lauro. Estava focada em concluir o seu curso, garantir um emprego, firmar-se no ofício que queria abraçar. Ao ser apresentada aos seus pais, notou uma certa desaprovação da parte deles, decerto porque ela era negra e pobre e quis até desistir do namoro, mas Lauro estava cada vez mais apaixonado por ela, uma bela mulata esbelta, de olhos castanhos claros e cabelos negros lisos, pendidos até os ombros. Apesar de não querer um compromisso amoroso visando o dinheiro e a posição social de sua famíla, ela sentiu que aos poucos podia amá-lo, pois uma sensação de bem-estar sentimental fortalecia-se em seu íntimo cada vez que ficavam juntos, a ponto de não ter mais força pra desistir daquele ardoroso amor. E foi assim que, após dois meses desde o início do namoro ela foi diplomada em Enfermagem. Com seis meses ficaram noivos e no tempo exato de um ano se casaram.

Curtiram quinze dias de lua-de-mel. De volta à Salvador, foram direto à suntuosa mansão, onde Lauro ainda morava com os pais, e da qual não pretendia sair mesmo depois de casado, uma vez que os seus pais lhe pediram que continuassem morando com eles. Não era bem o que Letícia queria, a família dele tinha outros imóveis na cidade, casas, apartamentos, onde eles podiam escolher um desses imóveis confortáveis pra morarem, pra iniciarem a vida de casados, pensava ela, sem o controle e os olhos vigilantes dos sogros, além disso, com a sua simplicidade, sabendo que eles eram preconceituosos, sentia-se constrangida em conviver com eles no mesmo teto, ainda mais naquela luxuosa mansão, todavia, não queria ser indelicada ou causar algum transtorno logo no início de seu casamento, ao contrário da família dela, cujos pais tiveram três filhos e ela era a caçula, Lauro era filho único, e os pais, claro, além de amá-lo com muito mimo, eram muito apegados ao primogênito e único filho, nesse caso, mesmo não querendo, teve que concordar com a situação um tanto incômoda pra ela, em ter que morar junto com os sogros, afinal, não iria ficar ociosa, nem ter que fazer companhia à sogra em casa, mesmo casando com um homem rico, o destino assim quis, mas ela queria trabalhar, ajudar os pais, ter o seu dinheiro, a sua independência do jeito que planejou a sua vida.

O dia amanheceu ensolarado na capital baiana, o céu limpo de um aprazível azul celeste, apenas poucas nuvens brancas esparsas se moviam desmanchando-se lentas, e se dependesse do pleno verão, o Astro-Rei ia brilhar durante todo o dia. Letícia acordou e olhou pra Lauro que ainda dormia. Levantou-se e depois que desligou o ar-condicionado, foi abrir uma das janelas do amplo quarto, dos muitos que haviam naquela requintada mansão. O sol morno das primeiras horas matinais, permitia que uma brisa fresca adentrasse suave, ela então, debruçou-se no parapeito da janela e sentiu uma agradável sensação de paz envolvendo-lhe o espírito. De onde estava no pavimento superior, tinha uma visão privilegiada das cercanias, então ela pode assim, contemplar, desde o que compunha a mansão além da área construída: o muro que a circunda, as árvores floridas ladeando-o, os espaços ajardinados, a piscina, o quiosque, quadras de futsal e soçaite, e outras dependências externas da pomposa residência. Alongando a vista, contemplou também outras residências, a bela e larga avenida que formava a extensa orla, algumas pessoas malhando nos passeios bem cuidados, a praia, ainda vazia de gente, as ondas esbranquiçadas, e o imenso mar azul que parecia unir-se, na linha do horizonte, com o também imenso céu azul.

Ela sabia que Deus, a vida, estavam lhe dando muito mais do que havia pedido. No entanto, só queria se graduar, ter um emprego, financiar um modesto apartamento, e, sem pressa, caso lhe aparecesse algum homem interessante, podia até querer casar. Mas Deus lhe foi bem generoso, doando-lhe muito mais do que pediu num tempo breve e inesperado. Estava feliz, porém, de uma certa forma, sentia-se encabulada com a nova vida confortável, de abastança material, e sabia que demoraria bastante pra digerir toda essa mudança existencial que lhe ocorreu em tão pouco tempo. Apesar disso, não pretendia ser diferente, mudar o seu jeito de ser, continuaria sendo simples, humilde, amável, disposta e determinada em seus objetivos de vida. Distraída em seus pensamentos, voltou à realidade, quando sentiu o calor de Lauro enlaçando-lhe pelas costas com tamanha ternura.

- Olá, meu amor, bom dia - Ele saudou-a amavelmente.

- Bom dia, meu querido esposo - Ela sussurrou-lhe, virando-se pra abraçá-lo de frente.

- Levantou cedo, hein, e me deixou sozinho na cama.

- Fiquei com pena de lhe acordar, meu amor, mas estava aqui, pertinho de você, esperando-o acordar naturalmente. Eu tenho o hábito de acordar cedo. Gosto de ver o dia nascer. Abrir a janela, debruçar-me nela, sentir a brisa fresca da manhã envolvendo-me o corpo, o espírito, ver e sentir a natureza trazendo-me as boas energias, as boas vibrações dos seres de luzes.

- Seres de luzes!... Você fala de espíritos?

- Sim. Das entidades que estão desencarnadas e que existem em vários graus evolutivos.

- Você crê nisso, Lete, nas almas que morreram e estão por hipótese, do outro lado da vida?

- Creio sim. Cada espírito vive dentro da carne e fora dela. Quando ele habita a vida física é alma encarnada. Quando esta morre, ele volta a ser espírito desencarnado. São dois mundos distintos nos quais os espíritos transitam, ora encarnando ora desencarnando, e é pela reencarnação que eles progridem nos aspectos intelectual e moral, passando de uma fase a outra até a plena evolução.

- Pelo que você me explica, me parece que é adepta do Espiritismo...

- Sim. Estudo a Doutrina Espírita há cinco anos. Renasci numa família católica, mas por causa do meu sonambulismo, resolvi me aproximar do Espiritismo pra entender não só esse tipo de mediunidade, mas também outras manifestações mediúnicas, e tudo o que possa me acrescer, me complementar em conhecimento espiritual além dos ensinos existentes nas Escrituras, porque para nós, espíritas, a Codificação Kardequiana é, em síntese, o Consolador prometido por Jesus, e Ele mesmo é o Espírito de Verdade que supervisiona os ensinos dados pelos Espíritos Superiores, com o fim de desenvolver a condição moral da humanidade terrestre. Esses seres evoluídos, meu amor, representam e são os auxiliares de Jesus a nos conduzir pelos bons caminhos de nossa regeneração moral.

Olhando-a surpreso, Lauro a questionou:

- Não sabia que você é sonâmbula, e nem vi se você levantou nesse estado mediúnico nos dias de nossa lua-de-mel... Não entendo nada disso, mas acho interessante esse transe da consciência...

- Você não viu porque estava em sono profundo, Dr. Lauro Singer, mas eu me levantei sim, sonâmbula, pelo menos umas três vezes, segundo Telma me disse em sonhos...

Lauro estranhou quando ela citou tal nome.

- Telma? Quem é Telma?

- Ela é uma boa amiga, meu querido, está desencarnada e nos conhecemos de outras vidas. É um amor de pessoa. Estou sempre a vendo em sonhos quando saio de meu corpo físico, e quando estou sonâmbula ela vem ao meu encontro, fica perto de mim, me consola, me orienta, me guia, e pode até se manifestar através de mim. Quando o meu corpo dorme, os órgãos relaxam, e a minha alma pode desprender-se junto com o perispírito, o corpo fluídico, adentrando assim, por algumas horas, no mundo dos "mortos" ou dos espíritos desencarnados. Logo Telma me encontra e me leva pra visitar lugares lindos, colônias felizes, e às vezes, quando ela tem que resgatar espíritos infelizes nos umbrais, porque se arrependem de suas faltas, também a acompanho, depois volto pro meu corpo quando pressinto que ele está prestes a despertar.

- Você fala com tanta naturalidade sobre essas coisas, Lete, que se eu não fosse um homem de ciência, podia até crer em vida após a morte, reencarnação, conversa com os espíritos, mas a minha visão espiritual é agnóstica, eu fico entre a dúvida e a certeza sobre a existência de Deus, de Espíritos, do mundo existente do outro lado da vida, e mesmo que eu creia, faltam-me explicações teóricas e práticas que me convençam, que me comprovem essas verdades eternas. Sei, contudo, que existe uma força superior, suprema que cria e preside a tudo no Cosmo, e faz com que as coisas existam incessantes, mas como não tenho a fé que muitos têm, fico confuso ante as leis que regem o Universo, só tenho a razão, que me faz entender as coisas até certo ponto, digamos que a minha visão é mais materialista do que espiritualista, eu vivo o aqui e agora da vida e das coisas existentes que estão ao meu alcance, o que vem após essa vida, para mim, é uma incógnita, um mistério, como médico, estudo e aplico os meus conhecimentos científicos para salvar vidas através de remédios prescritos e dos meios cirúrgicos, que às vezes são eficazes, às vezes não, quando salvo vidas me sinto bem, venço a morte, quando não a venço me frustro, me sinto mal, a morte é um fato que não tenho como resolver sendo um médico salvador de vidas, penso que, quem opta pela medicina, tem a ilusão de que pode salvar todo mundo da morte, mas quando se vê diante de tanta gente morrendo todos os dias, ele compreende que o que faz para salvar vidas é um mínimo que não supera o máximo de motivos que levam tanta gente à morte, sem contar que, de uma forma ou de outra, todos nós vamos morrer um dia, talvez, daqui pra frente através de você, eu me interesse por assuntos vinculados à espiritualidade, quero saber por exemplo, como a ciência material pode ser ajudada pela ciência espiritual, quero saber conciliar a fé com a razão, para ter a convicção de que a vida continua após a morte física.

- Pelo menos, meu querido, você não é um ateu, que não crê em Deus nem nas questões espirituais, mesmo com a sua visão agnóstica, você apenas duvida do que ainda não tem uma compreensão e conhecimento aprofundado, sendo assim, o que você precisa é de estudar os assuntos que envolvem a espiritualidade, e o Espiritismo lhe dá essa oportunidade de esclarecer-se pelos aspectos científico, filosófico e religioso, a partir daí, à medida que for teorizando pela absorção das ideias espíritas, você poderá crer e entender melhor como funcionam as leis divinas, como Deus, a Causa Primária, Cria os princípios Material e Espiritual, e Ele mesmo age incessante, por Efeito nesses dois princípios, para fazer existir e mover as coisas no Cosmo Infinito, seja na dimensão espiritual ou material da vida, seja no plano encarnado ou desencarnado do espírito eterno. Assim, tendo a boa vontade de estudar as questões espirituais para renovar a sua compreensão existencial, ficará mais fácil de vocè crer no que hesita, e sem ignorar na prática, as manifestações mediúnicas, que são o intercâmbio natural entre os dois mundos existentes, cujo objetivo é o auxílio, o consolo, a orientação fraterna de melhoria moral das almas que habitam nesses dois planos distintos, de um modo espontâneo, numa preparação da alma na vida carnal temporária, visando o momento que ela tiver que deixar o corpo físico morto, pra continuar a viver como espírito desencarnado do outro lado da vida. Tenha certeza, meu amor, que com esse entendimento renovado acerca das leis que movem a espiritualidade, e não só a materialidade da vida, você aos poucos saberá conciliar uma ciência com a outra, e aprenderá que a fé raciocinada lhe será útil e indispensável no desenvolvimento de sua vida pessoal e profissional.

Lauro olhou-a admirado do seu entusiasmo e conhecimento espiritual, ainda não tinha a sua mesma convicção de crença, mas em seu íntimo, brotava naquele momento, uma força vigorosa capaz de guiá-lo para um novo caminho de grandes descobertas, e algo lhe dizia que essa nova senda de busca pelo saber espiritual ia lhe fazer muito bem.

Seis meses após o seu casamento, Letícia se sentia bem, conseguiu adaptar-se à nova vida como integrante da família Singer. Mantinha com os sogros, uma relação afetiva discreta, mas cheia de gentileza e civilidade. Eles, igualmente, lhe correspondiam as expectativas de amabilidades sentimentais. Reconheciam que, apesar dos constrangimentos iniciais vinculados a preconceitos racial e social, conseguiam gostar dela, aceitando-a como nora, afinal, viram-lhe uma mulher amável, educada, de bons princípios morais, achando inclusive, que o filho, quem diria, tinha feito uma boa escolha, e não tinham dúvida que foi incorporada à família deles, uma jovem formosa mulher, e o mais importante, ela fazia Lauro se sentir muito feliz. Letícia passou a gerenciar o setor de enfermagem da clínica do esposo, composta de várias especialidades médicas. Aprendeu a dirigir e assim que recebeu a carteira de habilitação, Lauro lhe presenteou um carro. Naquele início de noite, como se tornou um hábito, o casal chegou juntos em casa. Estavam radiantes de contentes. Após o resultado do exame clínico e da primeira consulta obstétrica, constatou-se que Letícia estava com um mês de grávida. Combinaram que revelariam a boa notícia ao Sr. Cláudio e a Sra. Laura (pais dele e sogros dela) durante o jantar. Quando desceram, foram à sala de janta, na qual a mesa estava posta. D Laura se aproximou deles e lhes pediu que sentassem, lhes dizendo que o repasto estava prestes a ser servido, indo chamar o esposo que tomava um drinque sentado no sofá. O jantar iniciou-se com a fala de Lauro dirigindo-se aos pais:

- Gostaríamos de dar uma boa notícia a vocês: a Lete está grávida.

D. Laura foi quem a saudou primeiro.

- Que ótimo, minha filha, essa boa alma, seja menino ou menina, vai trazer mais alegria pra esta casa. Como você sabe, Letícia, nós só tivemos Lauro, nosso único filho, então precisou que você chegasse pra fazer parte de nossa família, sendo também nossa filha, e ambos vão nos dar os netos que precisamos, pra fazer a família crescer unida e feliz.

- Verdade, Laura - completou Sr. Cláudio - Que notícia maravilhosa! O sexo não importa. Queremos que o bebê venha saudável para conviver conosco. Vocês se amam muito e decerto não vão querer só um filho, mas se nos der um casal de netos, dois meninos ou duas meninas, ficaremos imensamente felizes e agradecidos.

- Eu e Lauro - explicou Letícia - combinamos de ter apenas dois filhos. É a média de filhos hoje numa família. Muitos fatores contribuem atualmente para que a família seja menos numerosa, dentre os quais, as ocupações dos pais, que trabalham e ficam menos tempo com os filhos. Antes, só o homem trabalhava pra prover a família, e a mulher ficava em casa, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos. Mas os tempos mudaram. Desde que a mulher buscou rever os seus direitos, exigindo que fossem iguais aos do homem, ela resolveu, além do sonho natural de ser mãe, também realizar-se profissionalmente. De qualquer forma, mesmo com as nossas ocupações profissionais, vamos está bem presentes na vida dos nossos filhos, dando-lhes muito afeto, carinho e amor, não é meu querido?!

- Sim, meu amor, haveremos de saber conciliar nossa vida profissional com a vida doméstica, para que os nossos filhos não sintam tanto a nossa ausência, por não podermos ficar mais tempo perto deles, até porque, nós teremos o auxílio de uma babá qualificada pra cuidar deles, e a presença da avó pra enche-los de mimo, não é, D. Laura?

Atenta ao diálogo, D. Laura sorriu, contemporizando: - Você tem razão, meu filho, ser avó, significa ser mãe de novo, terei imenso prazer de cuidar deles, se não tenho ocupação fora de casa, mesmo sendo uma pedagoga sem ter exercido o ofício, tenho todo o tempo disponível pra me dedicar aos netos, dando a minha parcela de contribuição na criação e educação deles, sem esquecer que ela tem que ser dada primeiro por vocês que são os pais, além disso, os pais de Letícia também estarão inclusos nessa nova fase de nossas vidas, integrando-se no crescimento da família, por serem os avós por parte de mãe, e gostarão muito de também terem os netos por perto deles.

Gostando do que acabou de ouvir da sogra, Letícia lhe agradeceu:

- Muito obrigada, D. Laura! Os meus pais vão sim, gostar de está mais perto deles, de ve-los crescerem, e se sentirem bem amados pelas duas famílias.

- Não precisa me agradecer, minha filha, a família para está bem, tem que está unida, tem que está sintonizada com os bons sentimentos, os valores e bens materiais são o que menos contam, quando as dificuldades chegam, nem sempre a posição social, o dinheiro acumulado na conta bancária resolvem, se o coração está vazio para doar o auxílio, o conforto espiritual, o apoio moral. Eu também venho de uma família pobre, de poucos recursos, me esforcei pra ter o meu curso universitário e tive a sorte de me casar com um homem rico, um industrial, que não quis que eu trabalhasse, mas a minha meta era trabalhar sim, ganhar o meu sustento, mas Cláudio insistiu tanto, dizendo-me que não era preciso, que acabei desistindo de atuar como pedagoga, eu sempre quis ser uma educadora, e quando vejo você agora, prestes a ser mãe, mas também querendo realizar-se profissionalmente, independente de está casada com Lauro, que nasceu numa família rica, mas buscou seguir o seu próprio caminho através da medicina, e pode hoje, com a clínica que montou, viver bem, segundo a sua capacidade profissional, eu sinto uma alegria muito grande por ve-la brilhando como enfermeira, trabalhando junto com o nosso filho, sendo útil naquilo que faz, e relizando o seu sonho, tendo a sua própria condição de sobrevivência, isso pra mim é motivo de muita satisfação e uma vitória para as mulheres que hoje quebram barreiras, obstáculos que num tempo passado eram difíceis de transpo-los, devido ao conservadorismo da sociedade voltada para só valorizar as ações do homem.

O Sr. Cláudio olhou para a esposa de um jeito estranho, sem entender por quê ela estava dizendo aquelas coisas, uma vez que não lhe faltava o necessário e o mais que fosse preciso pra sobreviver, ela vivia bem, no luxo, quantas mulheres da sociedade desejariam está no lugar dela, ter o que ela tinha de conforto material, será que estava insatisfeita, frustrada por não ter realizado o seu sonho profissional, e a vida de riqueza que havia lhe dado, não lhe seria suficiente, será que não o amava mais, que sentia-se sozinha, pelo fato dele não está mais tão presente afetivamente em sua vida, ou será que ela desconfiava dos negócios que não iam bem?... Decerto, ela falava daquele jeito porque sabia de suas dificuldades em deixar o vício do jogo, desprezando-a em casa pra jogar, chegando tarde quase todas as noites, se destruindo pelo terrível vício da jogatina, arruinando a indústria que herdou do pai que estava prestes a falir... Com todas estas indagações, pressentimentos, no entanto, ele não quis se manifestar em relação a fala dela, temia que soubessem das dificuldades pelas quais passava, e o momento era de alegria pelo futuro nascimento do pimeiro neto ou neta deles.

O que o Sr. Cláudio não sabia nem pressentia, nem os demais ali presentes, é que Telma, a guia espiritual de Letícia, estando perto dela, inspirava D. Laura a dizer aquelas palavras sinceras e reveladoras, acerca do porvir de suas vidas dali pra frente. Telma estava ciente de que, através da mediunidade de Letícia, ajudaria aquela família a quem sabe, transpor obstáculos, vencer batalhas, seguir o destino de suas vidas conforme o livre-arbítrio de cada um, e o êxito da caminhada deles dependia da força do amor e do bem em seus corações e consciências, pelas correções dos defeitos e vícios que são empecilhos ao desenvolvimento moral.

Prevaleceu no ambiente da mansão, uma alegria, um contentamento que tinha tudo pra ser longevo, desde que Letícia havia parido à primogênita deles, que deram-lhe o nome de Cláudia Letícia. Surpresa boa foi a decisão de Lauro, em comemorar um ano de vida dela, não na luxuosa mansão, mas na humilde casa dos pais de Letícia, sito num dos bairros suburbanos da capital baiana. Tres meses antes, não pelo fato da prevista comemoração, uma vez que só ficou sabendo da decisão do esposo, um mes antes que Claudia Letícia completaria um ano de vida, mas porque Letícia tinha decidido presentear os seus pais com uma reforma geral da casa, assim como a troca de alguns móveis usados, gastos pelo tempo de uso, o que acabou por deixá-los mais alegres e mais à vontade para recebe-los em tão significativo evento natalício familiar. Só quem não gostou da ideia foi o Sr. Cláudio, sentindo-se diminuído em seu orgulho de homem rico, achando que na mansão, podia convidar algumas famílias da elite da sociedade baiana, pra comemorar com ele, o primeiro ano de nascimento de sua primeira neta, tentando, quem sabe, disfarçar a sua falência econômica que, estava prestes a explodir, e obviamente todos saberiam. Mas teve que se conformar, porque Lauro, mais simples, mais humilde, não abriu mão de festejar o primeiro aniversário da filha, na casa dos seus sogros, que não deixou de ficar repleta de convidados oriundos das duas famílias.

(Continua na parte 2)

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 26/03/2018
Reeditado em 14/10/2021
Código do texto: T6291310
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