O Poço - Donzela do Gelo

Era uma vez um poço. Destes profundos e escuros, que não vemos o fundo. Era o poço o mundo e de seu mundo se fez a vida. Por muito tempo, o poço saciou a sede do homem. E o homem acolheu a sede do poço. Assim ambos eram um para o outro, o que só um poderia ser para o outro. O homem e o poço. A fonte que sente a sede do moço, e por sentir, água se faz.

Um dia houve a noite. E o poço acordou só. Esperou um dia. Esperou uma estação, mas era o fim da união. A chegada do inverno da solidão. O poço secou. Vazou. Fechou. E tudo foi silencio na casa do tempo.

O tempo que trouxe a chuva. E o poço de amargura se encheu. E no espelho de suas águas se afogou a lua, nua. O poço era fundo, como o furo no olho do mundo. Do segundo se fez as horas, e não ouviu-se mais o seu choro.

Até que um dia houve outro dia. Um viajante cansado, com o olhar de lobo iluminou o poço de sede. Ele o tocou com suas mãos fortes, com sua pele áspera, com sua fome. Lançou seu chamado, seu brado, seu pedido da água da fonte. Mas o poço que antes era solidão viu nesta sede uma nova ilusão, de ser tão somente água e não ser o fundo do mundo. Morreu. A história esta completa, e o que resta a dizer, é o que poderia ser. Versões da estação do coração.

O poço então não saciou a sede do moço. Não de uma vez. A cada gole de suas águas, o poço o puxava. Até que não era mais água que o moço bebia, mas sim água de sua fonte. Sua fonte. Descoberta por acaso, como é o acaso o destino de viver. Com o poço o moço mudou a terra árida dos seus dias. Plantou e colheu bem querer todos os dias. E tudo era alegria na casa do moço, e o poço, este era de transbordar o que chamamos amar.

Assim correu o tempo, e eis que o moço se lembra do seu olhar de lobo, quando a lua traz o lado oculto em cada vulto. Seria quase um rito, um lobo ser tão somente um mito. Ele era por inteiro, o seu mundo um celeiro. Tinha a fome da busca.

O poço nada entendia, pois já de novo sentia o que hoje ou amanhã haveria. Seria de novo o tempo da seca, a estação negra do branco nos olhos. Seria de novo tudo tão velho e a casa em ruínas saberia da antiga sina. A água não cabe no coração do homem. O poço só o prende enquanto existe o escuro no fundo. Morreu o poço novamente em minha mente. Me salve, me jogue nas águas do vento, pois tudo que de mim vem, ao vento voltará.

Donzela do Gelo
Enviado por Donzela do Gelo em 31/03/2018
Reeditado em 31/03/2018
Código do texto: T6295897
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