TEMPO DE CRIANÇA

Quando menor sua brincadeira favorita era se disperçar na floresta localizada ao lado de sua casa. Esta foi considerada sua primeira fase. Naquela época mantinha poucas amizades na redondeza. Por isso, por muito tempo gastou horas brincando sozinho. Adquiriu o habito de falar com sigo mesmo. Ele falava pra si e respondia pra si. Mas havia um diferencial na brincadeira. A questão era construir fortes ou esconderijos que pudessem dispersar qualquer inimigo. Desde pequeno construiu seus redutos de proteção. Ora mantinha-se escondido em valeta aberta por enxurrada das chuvas. Por vezes imaginava buracos enormes mata adentro, os quais mantinham-no protegido das vistas de todos que passavam por carreiro próximo. Era uma satisfação brincar logo pela manhã por entre as árvores, bosques e desvios. Devido altura das árvores, dificilmente o mato ali em volta secava suas folhas orvalhadas da madrugada recente. Jhon gostava daquele cheiro do mato molhado. Sua meta para todos os finais de semana e feriados era levantar as 6:30 da manhã, fazer seu achocolatado e sair as pressas brincar com sigo mesmo. Nunca dispunha tempo à perder. Estava sempre com pressa quando o assunto instigava sua imaginação. Por aqueles carreiros construiu mundos fantásticos. Aos olhos de um adulto tudo não passava de mato, árvores e alguns carreiros. Para Jhon todos aqueles arbustos mantinham significados. Entre os carreiros construiu clubinhos dos quais passava um tempo significativo aperfeiçoando técnicas de emboscadas. Pode-se dizer que muitos desses clubes significaram segurança. A sua sina era sempre a mesma, montar seus clubes, brincar de escavar, escalar, buscar por materiais perdidos na floresta ou construir armas de proteção. Ele desconhecia a turma do bairro. Com o passar do tempo e com seu amadurecimento passou a simpatizar melhor com outros garotos da vila. Esta então se tornou sua segunda fase. Percebeu que seus esconderijos passaram a ter mais graça quando compartilhado com todos os outros. Desde então passou a detestar brincar sozinho. Sempre dependia de um colega ou outro para a brincadeira mais simples do mundo ter graça. Sentia-se realizado quando de sua meta atingida, reunir todos os seus melhores amigos em um só grupo. Daí não tinha pra ninguém. Todos os aposentados e donas de casa do bairro ficavam loucos com a gritaria, furdunço e traquinagens. Em seu bairro todas as brincadeiras eram definidas seguindo um rígido cronograma de estações. Existia a estação das bolas de gude, pipas, bicicleta, pé na bola, figurinhas, tazzo, carrinho, arminhas e muitas outras. Um ano todo de brincadeiras diversificadas e regradas segundo uma estruturação de comportamento. Todos se mantinham fiéis à brincadeira da estação até a chegada da próxima. Como ou quem definia a próxima febre da estação ele nunca soube. Mas com o tempo mudou de colégio e distanciou de seus melhores amigos. Foi um período difícil para Jhon. Muitos dos seus ex-amigos do bairro passaram a ignorar Jhon quando de um encontro ao acaso. Ele sentia-se mal com isso e uma terceira mudança de comportamento surgiu. Encaminha sua terceira fase. Percebeu que dali por diante deveria tomar suas escolhas sozinho e não mais em grupo como na fase passada. Ele mesmo deveria definir suas estações ou fases da vida. Com esse amadurecimento chega a intenção do primeiro namoro, da primeira frustração amorosa e assim sucessivamente. Jhon percebe que esta entrando na fase adulta e passa a isolar-se como quando criança da primeira fase. Enquanto todos os outros jovens ainda mantinham aquela formação infantil de agrupar-se em grupinhos, Jhon mantinha-se sempre isolado, sozinho. Jhon sabia que havia amadurecido muito antes que todos os outros. Os demais apenas descobririam o que é a vida adulta quando dentro de uma universidade ou na relação de trabalho em que cada um briga pelo seu espaço, lugar ou liderança. Mas como não se burla as fazes da vida, caso você não tenha uma infância aprenderá a brincar quando adulto. Caso você não tenha um circulo de amigos confessos, como na faze jovem da adolescência, buscará por isso na vida adulta. Mas o que geralmente acontece é que para superar todas essas fazes é preciso sentir dor, remorso, desespero. Muitos não querem abandonar suas infantilidades para compreender as demais fazes, pois há crises a serem superadas. E na medida em que há crise existe a desconstrução de certos paradigmas. Por isso é mais fácil não confrontar com sigo mesmo, mantendo a dialética do conformismo. Jhon ainda não sabe para que fase posterior a fase adulta galgou, mas sabe que não dá a mínima para família, amigos, namoradas, empregos e ou qualquer outra instituição que lhe confira a pressão da falta de alternativas. Seu mundo é aquele que nem mesmo ele sabe trabalhar na existência de sua miserabilidade existencial.

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 23/04/2018
Reeditado em 14/05/2019
Código do texto: T6317162
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