PORTO LUSITANA - 1.5

No outro dia acorda às duas da tarde e a primeira ideia que o aflige antes mesmo de levantar as cobertas e por os pés e pernas para caminhar rumo banheiro é da possibilidade de que já estivesse usufruindo do cheque especial de seu cartão. Lembrou-se da noite anterior qual esteve em companhia de Biancara e logo veio a tona o resultado daquele infeliz encontro, uma conta tão salgada quanto a porção de camarão que Biancara solicitou em meu nome. Propôs levantar não só corpo como também seu ânimo, afinal estava em litoral privilegiado por paisagem de natureza que circunscrita como um todo o vilarejo de séculos de existência. Em caminhada pela cidade a procura de emprego, João depara-se com monumento histórico do qual não detém crença religiosa, apenas preciosismo monumental. Desde pequeno notou-se que João desfoca-se tão rápido como do sinal de TV analógica, quando da simpática mudança do tempo estável para chuva. Esquece-se de sua procura pelo emprego e com olhos curiosos estuda monumento que resiste àquele espaço a mais de 300 anos.

Diante nave que guia até altar baixo entre monstruosas paredes que atingem largura equivalente à altura de um menino de 12 anos, toda tingida à branco, destaca-se o tempo religioso mais antigo da cidade. Detinha portas e janelas tingida a cor Azul Royal e dobradiças, fechaduras, trincos robustos e enferrujados rememorando um tempo negro de nossa história. A época em questão da construção deste mausoléu cristanico, remonta ao período da existência da mão de obra escrava, qual por sinal deixou seus resquícios étnicos de uma cultura afrodescendente forte em inúmeros aspectos do prédio. O sincretismo religioso reverbera discretamente por àquelas paredes densas que mantêm frente para baia das pedras. Boa parte do suor negro que verte de suas agigantadas colunas traduz o sentimento de dor e angustia que perdura no ambiente submerso ao silêncio interno, sendo possível, através do ranger da madeira do assoalho e comuns estralos dos bancos ouvir alarido canto escravo que dá sustentação a memorável prédio.

Ao centro do altar a uma altura de aproximadamente sete metros do piso inferior há uma pomba branca que se mantém sobreposta ao planeta terra, que por segundos até pareceu diante de seus olhos, contornar seu próprio eixo. A mesma imagem já foi vista por João em um terreiro de Candomblé distante da região. João é tomado por um forte estouro em seu abdome, assegurou de reagir com ambas as mãos como forma de atender àquele estranho ruído acompanhado de uma forte dor. Não precisaria preocupar-se por enquanto, apenas a natureza agia de ante aviso a necessidade sua de alimentar-se nas próximas horas, a fim de manter seus níveis de glicose estáveis. Procura comer apenas mais tarde, antes dirige-se até a praia e sucumbe inevitável prazer do caminhar descalço sobre areia branca em companhia das ondas.

Em sua caminhada pela borda de tamanho mundo marinho até então desconhecido aos olhos de João, depara-se com algo semelhante a uma pedra do mar. Ao aproximar para justificar dúvida eis que pequenina pedra, cujas proporções não ultrapassavam palma de sua mão arma-se com tal destreza que quase o fez cair de costas. O pequeno monstrinho mostra-lhe as garras, busca desafiá-lo com golpes intransigentes e logo toma-o caminho. Trata-se de uma aberração da natureza, Biancara em face e caranguejo por todo corpo. Abominável criatura mantinha-se com olhos de terror sem desarmar de sua posição vulnerável de caranguejo. João sempre desconfiou dos poderes mágicos que só Biancara parecia possuir. Mas tudo aquilo era demais para sua cabeça, por alguns segundos pensou delirar de fome. Jamais imaginou em sã consciência um caranguejo com rosto de Biancara, entretanto àqueles olhos nunca o enganaram, de profundidade exata à de uma cigana falcatrua. Ao deixar de impressionar-se com tal criatura ameaça um primeiro contato, porém é interrompido por onda que desaparece com CARABIANCARA . O velho mar recua e João decide seguir caminho, já estudando restaurante para saciar fome capaz de comprometê-lo com tais truques da mente. Então suas pernas estremecem ao ouvir seu nome sendo pronunciado com timbre de voz familiar e reconhecível até de baixo d’água.

--- Ei João, não me reconhece?

--- Fudeu! –- Ameaça virar-se para trás sem ter domínio de suas pernas.

--- Joãozinho sou eu, Biancara.

--- Mas que diabos é isso agora?

--- Ai João é uma longa história. --- Carabiancara suspira fundo sem nem mesmo ela saber por onde começar.

--- Mas que porra é essa?!

--- Um marinheiro João. É tudo que eu sei. Acordei pela manhã assim estou desesperada, me ajuda por favor João.

--- Vai dá pra qualquer um vai.

–- Dou pra quem eu quiser viu. --- Carabiancara suspira do jeitinho como Biancara faz quando dos nervos a flor da pele. Não restava dúvidas, tratava-se de Biancara, ou melhor, Carabiancara.

--- Puta que o pariu só me faltava essa. Espere um momento que vou procurar por um frasco para levá-la a minha casa, antes que seja pega e cozinhada em água fervendo.

–- Deusss. Não me fale assim.

–- Já volto.

–- Ei, João!. Não me deixe aqui. Tenho medo.

–- Mas medo do marinheiro não teve né. Sua vadiazinha.

--- Se for para me insultar fico por aqui mesmo. Seu monstro hipócrita e ignorante.

--- Eu monstro? Tem certeza? Não sou eu quem tem garras e um casco duro nas costas.

--- Deusss...

--- Calma. Já encontrei um frasco. Estará segura a partir de agora. Sabe o que é maneiro em tudo isso?

--- Não tem nada de maneiro nisso João! --- Responde Carabiancara já bastante desgastada pela situação vexatória qual se encontra.

--- Ah, sei lá. Mas nunca havia pensado em comer uma mulher se não da maneira tradicional. --- João racha bico com gargalhadas.

--- Seu puto nojento. Você nunca comeu uma mulher. Até porque mulher que é mulher não dá de comer a homem algum. Todas sabemos disso.

--- Pelo menos você não estará à solta por aí me infernizando a temporada toda.

--- Como assim João? Você me levará para passear não levará?

--- Nem morto! Está pensando o quê? O que meus amigos diriam caso vissem eu andando com um caranguejo de baixo do braço?

--- Meu deus João! Promete que vai procurar a cura? Um antidoto? O contrafeitiço? Qualquer coisa João, promete???

--- Ta, ok. Veremos isso mais tarde.

---O que vamos fazer agora João? --- Carabiancara encara-o com olhos grandes, arregalados seria o termo, a espera de uma resposta positiva.

--- Vamos?! Deixarei você em casa e sinta-se agraciada com minha compaixão, sorte sua que me pegou em um dia bom do contrário deixaria você para os peixes maiores. Mais tarde buscarei por restaurante para almoço, a propósito, sabe indicar algum que tenha caranguejo no cardápio?

--- Joãooo!!!

--- Ta bom!!! Talvez deva satisfazer memória com sabor da lembrança.

João encarregou-se de cuidar da Carabiancara pelos próximos dias. Nunca pensou em ter animais de estimação até que uma mulher caranguejo não era nada mau. Passado uma semana enfurnado em quarto de praia sem qualquer perspectiva de emprego a vista e sendo obrigado alimentar duas bocas, sendo a dele e a de um caranguejo, resolve sair após identificar pela janela que já havia sessado chuva. Providenciou um ambiente maior para

Carabiancara, algo muito próximo a um aquário, mas de aspecto bem mais simples. No que ameaça encaixar chave no trinco, Carabiancara mais que de pressa desperta de seus sonhos do fundo do mar e providência pergunta.

--- Onde pensa que vai?

--- Andar?

--- Ainnn... Andar onde?

--- Por aí.

--- Deus João, custa responder direito?

--- Deus Carabiancara, custa não fazer perguntas?

--- Você me deixará sozinha João?

--- Do que está reclamando? Já tem abrigo, comida...

--- Quero sua companhia.

--- Preciso sair, arrumar emprego, comer, tchau.

--- Mas João...

A porta fecha-se sem ressentimentos e Carabiancara é abandonada a sua trágica forma de sobrevivência. João dobra esquina e já é possível enxergar uma loja de conveniência não muito longe dali, apura passos afinal a região não é conhecida e pouco iluminada. Antes de conseguir chegar a loja sem trocar olhares com ninguém encontra com grupo de garotos que manobram skate no meio-fio próximo, um deles interage.

--- Ei você aí?

--- Fudeu --- Resmunga João com “cu na mão” acelera o passo --- Dae.

--- Você não é àquele cara esquisito que está dividindo quarto com caranguejo? --- Pergunta o menino com olhar ressabiado com skate em mãos.

–- Não sei do que está falando. –-- João continua com passo mais rápidos a fim de livrar-se logo daquele enrosco.

–- Hiiiii. Oh lá galera –- jovem que inicia diálogo aponto com dedo –- É ele mesmo. Cara de Caranguejo, cara de caranguejo.

--- Está me confundindo com outra pessoa --- nenhum dos três garotos esqueitistas houve suas explicações todos rachão bico de tanto rir, João resmunga --- Deve ter sido àquela velha moribunda, faxineira dos infernos fez favor de espalhar a notícia a todos da cidade.

--- Ei mano... –- berra jovem de lá de longe –- Só queremos saber qual é a pira?

--- O caranguejo tem perereca só isso --- João já estava a uma quadra de distância de todos não conseguindo mais enxergar ninguém por falta de iluminação, houve um mar de gargalhadas às suas costas. No que chega a loja de conveniência percebe olhares estranhos a sua volta, mas ninguém para seus afazeres a não ser é claro atendente do balcão.

–- Olá senhor posso ajudar?

–- Senhor? Onde está vendo senhor por aqui? –- as faces da atendente avermelharam de uma só vez com mal humor de João --- Gostaria de um salgado, lanche, qualquer coisa.

--- Desculpe senhor durante o período da noite não temos. Só … --- antes mesmo que atendente pudesse ter a chance de explicar os horários de funcionamento da cozinha do estabelecimento é interrompida pelo esbravejo seco e curto.

--- Mas que merda! --- pronuncia João como se assim falasse com qualquer projeção sua.

--- O que disse senhor? --- João percebe que havia exagerado, procura desviar atenção de todos coçando a perna.

--- Dor na perna. É que vim caminhando de casa até aqui --- atendente encara-o com olhar desgraçado da desconfiança.

--- Gostaria de alguma outra coisa senhor --- atendente parecia estar nos nervos.

--- Sim. Uma garrafinha daquelas ali. Natu por gentileza --- surra máquina que emite cupom fiscal com dedos semelhantes a várias varas de pescar.

--- Quinze reais senhor.

Na rua com sua garrafinha de bolso dirige-se para quiosque de lanche mais próximo. Tia Lanches diz letreiro em tamanho exagerado, até parecia um ponto de referência em continente para marinheiros perdidos em alto mar. Garçom aproxima-se requebrando.

--- Olá senhorrr, posso ajudarrr?

–- Um Cheese Cris e uma dose de campari --- Garçom berra da mesa ao lado insinuando o pedido à cozinheira, João quase levantou-se e buscou outro ambiente ele odiava gritos a sua volta, trauma de infância.

--- Mais alguma coisa senhorrr? --- João o encara enfurecido não fosse pela sua fome deixaria garçom falando sozinho em mesma hora, mas conteve-se.

--- Só isso por enquanto --- responde de cara amarrada.

Garçom retorna a boca do caixa requebrando. Deixa um papel com anotações suspenso por mini âncora que reúne todos os outros pedidos da noite. João percebe que foi posto algo na chapa e logo é atormentado pelo cheiro de fritura que vem de lá de dentro da cozinha, sabia que só poderia ser o seu lanche, era seu lanche confirmou mentalmente a propósito estava sozinho em ambiente. Os lanches eram fartos, proporcional ao tamanho do letreiro e recheados como as coxas da cozinheira. Percebeu-a de relance enquanto encaminhava pela cozinha toda a procura dos ingredientes. Aproveitou o único momento em que a porta esteve aberta para analisar ambiente e cozinheira, não poderia negar que se deteve mais na análise daquela linda mulher de toca e trajes de chefe. Decidiu que passaria a frequentar ambiente até agregar amizade do garçom para conseguir a muito custo o contato daquela bela deusa. Marcaram os três para sair qualquer dia desses e o fim de semana chegou.

--- Todos prontos? --- Pergunta João.

--- Miga sua loca! Arrasooo na maquiagem.

–- Ai, obrigada Vini.

–- Vamos que bailão nos espera –- indica João.

–- Uhulll hoje vou beber todasss.

–- Eu também vini –- reponde Malva.

–- Aiiii que tudooo.

A noite estava apenas começando, entretanto, horas mais cedo enquanto João dava início ao banho e a infernal procura de seus itens básicos como desodorante, escovas, meias, sapatos, era sempre a mesma guerra com sigo mesmo, CARABIANCA de seu aquário fuzilava-o com olhos. Não quis aborrecer-se com discussão inútil, ainda mais articulada a um caranguejo mesmo sabendo que este já possuiu perereca um dia, tratando-se por óbvio de uma espécie rara em extinção. Deixou estar. Não demora muito Carabiancara em estado claro de desespero, submersa a toda aquela água a semanas, finge afogamento. João a observa diante redoma de vidro, insinua três tapinhas para que ressuscitasse pelo susto, nada se moveu. João racha o bico de tanto rir e faz Carabiancara avermelhar de tanto ódio instigando a ira de um caranguejo mulher ou mulher caranguejo que se choca contra àquele aquário, inúmeras vezes.

--- Vou sair diz a ela --- sem a menor preocupação.

--- Seu FDP, lazarentiada seja toda sua geração futura.

--- O que?

--- Seu corno dos infernos... --- tudo que ouvia-se correspondiam a sussurros abafados pela pressão da água contida em aquário.

–-- Você deve estar com algum colapso nervoso. Deixarei você sozinha um pouco para que assim possa retomar equilíbrio.

--- Equilíbrio?

--- É. O equilíbrio.

--- Seu maldito... --- João fecha porta antes que pudesse ouvir todos àqueles palavrões.

Enquanto a enérgica Carabiancara demonstrava toda sua técnica as paredes, centrando sua ira em uma figura imaginária de João, restou à ela apenas atacá-lo da pior forma possível com sua chave bolha, vingote cortado e o mata tubarão para finalizar. Sempre soube que jamais controlaria a maneira ou curiosidade aguçada daquele destrambelhado com vários nomes e muitas profissões. O que mais afligia Carabiancara era a maneira superficial com que João vinculava novas amizades ao seu cotidiano. Carabianca sentia-se muito próximo desta figura pitoresca, mal humorada na maior parte do dia, mas ainda sim uma figura tímida em busca de novos contatos tendo em vista sua falta de familiaridade com amizades longas e duradouras. Carabiancara soube naquela noite que conviver com João, mesmo em forma de caranguejo, seria render-se a solidão de uma vida fustigada pela saudade e solidão. Manter proximidade com aquele danado significava render seu inútil tempo à banal espera de uma noite toda submersa a frustração e angustia.

João havia conseguido marcar uma entrevista de emprego para o dia seguinte na Esguine Lanches, uma lanchonete próxima a movimentada avenida do centro de Guaratuba. Acreditava ser sua última chance de permanecer em litoral paranaense uma vez que precisava daquela quantia miserável de papel para arcar com custos necessários da manutenção da rotina. Seus hábitos alimentares não estavam fazendo bem ao organismo de João que parecia expelir tudo logo em seguida, causando-lhe reboliços nas tripas, algumas cólicas e logo em seguida como se fosse lavagem dos porcos escorria tudo em vazo sanitário mais próximo. Sentiu seu rego assar por conta das duas, três diarreias ao dia obrigando-o a tomar banho logo em seguida por não suportar mais a dor do – esfrega esfrega – do papel higiênico. Mesmo com todos esses contratempos sua entrevista pela manhã do outro dia e diarreia fedida, resolve sair pelo mundo com seus novos amigos.

Marcaram encontro no Ponto Cego, loja de conveniência mais conhecida da cidade. De primeira vista a construção com aspectos futuristas não chamou sua atenção, no seu entender raso sobre edifícios e prédios do gênero toda aquela engenhosidade ali era desnecessária, assemelhava muito a posto de gasolina qualquer. Após entornar gole de seu whisky, qual João pensa manter garrafinha longe das vistas de todos a sua volta, consegue sentir-se calmo e relaxado para deixar as inúmeras críticas ao ambiente cair em esquecimento raso. Isto porque João é detalhista complexado e sempre guarda rancores caso ambiente não o satisfaça por completo. Passou-se longos dez minutos até que todos aglomerassem diante sacada.

--- Desculpa demora --- desculpa-se vini por todos.

--- Tudo bem. O lindo aspecto do ambiente confortou-me até o momento.

--- Veja vini como ele fala bonito --- vini sorri para João.

--- Vamos malva não posso ver essas coisasss.

--- Que isso vini quanta pressa --- João sente-se desconfortável com todo àquele diálogo que não chega até ele.

--- Todos prontos? --- Pergunta João.

--- Miga sua loca! Arrasooo na maquiagem.

–- Ai, obrigada Vini.

–- Vamos que bailão nos espera –- indica João.

–- Uhulll hoje vou beber todasss.

–- Eu também vini –- reponde Malva.

–- Aiiii que tudooo.

Encaminham todos direção ao antigo farryboat, próximo à baia das pedras. Estando diante balsa que os levariam ao outro lado do continente, desembolsaram quantia necessária para pedágio humano e dentro de poucos minutos puderam desfrutar daquela brisa morna que vem de longe e paira sobre todos. João sempre preferiu deslocar grandes distâncias a fim de evitar o desagradável reencontro com desafetos, mas claro que isso ocorria apenas em últimos casos. Ambientes muito próximos de sua residência quase sempre desconhecia por simples questão de ética noturna, qual prevê qualquer encrenca longe de seu endereço e por motivos óbvios de redescobrir novos nichos. Quando da chegada de todos em baile de Matinhos na Estância Tio Lulú, foram agraciados por exuberante mata atlântica e seus múltiplos verdes que interagem colorido das diversas plantas. Há passos largos dirigiram-se até entrada do galpão para não serem todos carregados por nuvem de mosquitos.

Ouvia-se com muita facilidade um pio de coruja ali, grunhido de grilo aqui, assovio de pássaros noturnos acolá, bem como vários pingos que gotejavam floresta adentro como se permanecesse chovendo por tempo indeterminado. Palmeiras agigantadas circundavam Galpão feito de madeira roliça toda tosquiada por facões as quais mantinham distância acentuada uma das outras, mantendo ventilado todo o contorno do salão com piso acimentado no estilo queimado. As mesas no interior contrastam com estilo arcaico de construção, embora muito bem adequada a região que por natureza rende calor aos montes. Ouve-se lá dentro florear acordeom, varal de focos simples bastante coloridos clareia salão que mantém vivo por mais uma noite um baile no pé da serra no melhor estilo caiçara.

As moças vestidas apenas de chinelas e alguns trajes coloridos descortinavam salão com uma sensação única do prazer exagerado que mantinham ao transferir àquele radiante sorriso a todos os presentes. Bailavam não para os homens, mas assumiam o risco de uma sensação única a de entrar em contato profundo com sigo mesmo, enquanto mantem-se rodando e rodando pronunciavam o toque mágico da efervescência noturna. Como de costume João nunca encontrou na dança o ímpeto desejo que faz dos corações mais rígidos distrair-se de si mesmo de modo a baixar guarde e fazer-se feliz por simplesmente estar a dançar. Ou jamais concluiu hipótese de encontrar por meio da dança os corpos suados que eternizam segundos preciosos de momentos eternos que tanto faz o ser humano crescer em si e para os outros. Não se trata do encontrar o outro pelo outro ou mesmo pelo encontrar-se a si mesmo, resumindo-se a isto ação pela ação que pouco nos

diz daquilo que sentimos ou até mesmo proporcionamos ao outro. Trata-se de algo profundo como poço que por vezes tudo aquilo que desejamos muito encontrar e que é por natureza a função que o completa e permite a vida, esconde-se entre o nevoeiro da escuridão profunda. O que não quer dizer que por estar faltando aos olhos seja inexistente, entretanto este caminho é solitário e pode trazer o desejo da desistência basta compreender a profundidade daquilo em que se lança de corpo e alma.

João satisfaz ego apenas pela observação que compõe ginga do malandro, rebolado da mocinha, olhares atrevidos, mãozinha boba que escorrega feito sabão, ar quente e húmido entremeado pelo gostinho de cerveja, os perfumes suados decantando o suor dos perfumes. Próximo do fim da noite prestes a ouvir o primeiro canto de pássaro que ressurge trazendo com sigo o clarear do dia, todos que compõem grupo aglutinam à mesa em que está João, qual manteve-se quase que integralmente noite toda a dispensar a pequena fração de tempo gasto que encaminhou em direção ao banheiro e balcão do bar para se certificar de mais algumas cervejas. Sua carteira rala não pode ajudar no transporte do pessoal pelo ferryboat quando da chegada de todos em pequena praça de pedágio. Em pequena reunião extraordinária em frente ao terminal todos inteiraram com alguns trocados a passagem de João como retribuição por ter pago boa parte das cervejas da noite para todo o grupo.

Quando da travessia feita, constatou-se que sol surgia em pleno horizonte de maneira acanhada sem manter desmedida pressa em levantar-se alto, tal era sua grandiosidade naquela manhã com areia aos pés, brisa salgada ao rosto e mesmo todos impulsionados pela euforia do álcool que ainda mantinha-os felizes por alguns instantes, foi possível calar-se frente àquele quadro de beleza que transmitia calor. Assim ficamos calados por meros segundos que nos encheu de uma frequência absurda composta por calma, força, autoestima de modo a considerar que naquele momento estivemos por horas em mesma posição, com mesmo olhar relaxado, ouvindo a reprodução dos batimentos cardíacos um do outro de mesma sintonia com mar. Primeiro desloca-se uma faixa no céu que o divide em azul da manhã e negro da madrugada, conforme caminhar desta faixa em sentido contrário ao da posição do observador, percebe-se que lá longe surge algo que diante maravilha do espetáculo até parece estar à centímetros de distância. Ainda mais próximo pare estar em relação ao mar, surge então a primeira parte da circunferência alaranjada passível de confusão, pois as chamas parecem encandecer toda aquela espécie de água que agora confunde-se com horizonte do céu azul. A partir daí cada segundo é precioso sua performance engana os olhos à medida que fascina pela observação, pois é que na verdade parece subir tão rápido como foguete, quando da realidade ele nem se move mesmo posto em ação. No que aprecia o desenrolar de novo parto qual universo procura dar à luz necessária para desatino de nova vida, João lembra-se de CARABIANCA e procura na sabedoria de pescadores ali próximo informações sobre encanto.

No que se aproxima do barco percebe junto à rede alguns itens de pesca uma garrafa de cachaça barata o que presume ser seu café da manhã. Busca encarar pescador em troca de um primeiro contato visual, sem sucesso, pescador envolve-se em atividade do desembaraçar a última fileira de rede. Insiste contato aproximando-se cada vez mais do barco até que toca a superfície da proa.

--- Olá, bom dia!

--- Bom dia! – Sem contato visual.

--- Eu preciso de uma informação senhor ou melhor de sua ajuda.

--- Hmm. Eu também, segura este lado aqui essa desgraça quando embola ...

--- Ah sim.

--- Diacho mesmo --- resmunga pescador sem levantar cabeça para dialogar com João.

--- O que você sabe sobre humanos que se transformaram em caranguejo? --- Pescador para o que está fazendo e pela primeira vez encara João bem sério.

--- Do que você esta falando guri?

--- É que eu tenho uma amiga ... --- Pescador o interrompe bruscamente.

--- Pshiiiii ... fala baixo. Ele atacou de novo?

--- Como assim? Quem é ele?

--- É melhor dar o fora daqui garoto esta praia é amaldiçoada.

--- Não vou a lugar algum sem antes ajudar minha amiga CARABIANCA.

--- CARABIANCA?

--- Minha amiga que do dia para noite tornou-se caranguejo.

--- Perdi muitos amigos já. A comunidade acredita que os pescadores naufragam em alto mar devido ao mal tempo ou até mesmo por estarem embriagados. Não acredito nisso todos que desapareceram são pescadores velhos, experientes de profissão. É o capitão Jack que os transforma em seres marinhos.

--- Capitão Jack? --- interroga João.

--- Sim. Jack Fragata. Ele e toda sua tripulação de marinheiros naufragaram seu encouraçado a quase trinta anos a uns quinze quilômetros de distância da bahia das pedras, desde então os pescados reduziram a ninharia, as tormentas em alto mar tornaram-se cada vez mais fortes, a bahia nunca mais foi a mesma e todos os anos vários pescadores são consumidos pelo ódio do capitão Jack Fragata.

--- Deusss...

--- Certa vez estava voltando para casa. Após manhã toda de pescaria com apenas 200 gramas de peixe em mãos quando encontrei com Tenentino. Coisa horrorosa aconteceu a ele, tornou-se um ouriço do mar, apenas o rosto lhe era reconhecível. Pediu para que eu o jogasse ao mar afim de que ninguém o visse daquela forma, assim o fiz. Segundo as histórias capitão Jack sobreviveu ao naufrágio. Não se sabe como e tão pouco de que forma. Sabe-se que ele se tornou pescador comum aqui da bahia e leva uma vida solitária sem amigos.

Já ouvi dizer que após o naufrágio de seu encouraçado foi resgatado por pescadores daqui da comunidade mesmo, mas não se sabe ao certo talvez nenhum deles tenha sobrevivido para nos contar a história. Dizem também que se trata de um velho louco que perdeu a memória após naufrágio e foi castigado a vida de pescador por Iemanjá e que não pode tocar à ninguém sem ter a decepção de transformar a pessoa em animais marinhos. É tudo que eu sei garoto.

--- Puxa até que o senhor sabe bastante sobre capitão Jack Fragata.

--- Não acredito que capitão Jack seja mau, ele apenas foi agraciado com um dom e tenta mostrar uma nova realidade a todos que o encostam.

--- Mas e falta de peixes, as tormentas, os pescadores?

--- Todos foram libertos de suas prisões garoto... --- pescador afasta-se de garoto após concluir o desembaraço da rede empurrando barco em direção ao mar --- até logo garoto e lança uma pequena caixa as mãos de João em um lance certeiro.

--- Tome isso e não abra até chegar em casa, faça com que CARABIANCA coma-a tudo e jogue-a ao mar, mas mantenha-se a sua espera pela manhã no mesmo ponto onde a deixou mergulhar e desfrutar deste imenso paraíso pela última vez.

--- O que isso? Como é mesmo o seu nome?

--- É um presente de Jack Fragata ... adeusss --- diz àquele pescador de pé e de costas para João, distanciando-se da praia como se estivesse velejando sobre as nuvens da eternidade.

João busca por seus amigos e não os encontra, foram todos embora pois já era tarde. No que chega em seu quarto joga-se à cama como se gasta-se a última centelha de energia no impulso, dado o desgaste e cansaço de toda aquela noite. Sem tirar os tênis e roupas ainda com cheiro de cigarros e bebida repousa resmungando algo a CARABIANCA.

--- Eu acho que descobri a cura... --- CARABINCA não ouve e não faz questão que João repita ela apenas sente-se enfurecida.

Ao acordar percebe sorriso sarcástico de CARABIANCARA por de trás da redoma de vidro do aquário a poucos passos de distância de sua cama, conhecia aquele sorriso e não significava boa coisa, por ora deixa estar e procura restabelecer contato visual com mundo a sua volta. Ameaça mover-se, aí sente o peso de sua cabeça que parecia carregar uma tonelada de cérebro frouxo, e, logo relembra de toda feliz bagunça que perdurou até o amanhecer de mesmo dia. Algo o aflige como se por ele encaminhasse arrepio pelo corpo, estava esquecendo de algo, mas nada lhe sussurra consciência e mais que depressa busca por seu chuveiro quente para curar infeliz ressaca. Gostaria apenas de alcançar o banheiro sem ter que caminhar até lá, com dificuldades vira-se de bruços na cama e pé por pé direciona massa corporal a ambiente frio e gelado.

Agora quase que relaxado pela água fresca que amortece seus músculos curando todo seu mal-estar, lembra-se do que havia esquecido, sua entrevista às 9:30 da manhã que por se tratar de quase quatro horas da tarde, desistiu até mesmo de manter-se mais tempo do que de costume no banho. Saiu de banheiro cabisbaixo e entende a felicidade em rosto de CARABIANCARA.

--- Por que não me acordou sua cadela imunda?

--- Cadela não caranguejo por favor.

--- Sua biscate de duas garras.

--- Bem feito. Chegou bêbado e sujo como um porco as 7:00 da manhã e acredita em entrevista. Fique aí agora cheio do remorso. Ah, estou com fome.

--- Sua biscate marinha.

--- Olha o respeito seu bruto vou te denunciar para o IBAMA sob crime de maus-tratos aos animais.

--- Ah vá pra ...

João resmunga para si algum dialeto impossível de ser traduzido e resolve sair porta fora para analisar seu dia de sorte, sempre pensa positivo por não ser todos que escapam da enrascada de novo emprego avista. Retorna ao quarto e antes mesmo que lhe fosse permitido o direito do diálogo percebe o burburil que vem do fundo do aquário conotando revolta de CARABIANCARA. Não espera para compreender uma só palavra, diz logo de imediato.

--- Vou sair.

--- Seu filho duma biscate... --- João interrompe.

--- Não xinga minha mãe.

--- Seu jumento manco vai voltar para as suas sirigaitas da noite.

--- Vou ao banco.

---hhmmm--- água do aquário ferve como a de uma chaleira em brasa.

--- Tchau.

João decide percorrer longo caminho até o banco por saber da situação catastrófica de sua conta, não tinha jeito, todo mês João vendia alma para o verdadeiro e único demônio que acreditava existir em terra, sua dívida alastrava-se no cheque especial e os juros comiam solto. No que chega ao banco com olhos moribundos ainda cansados pela noite em claro e ressaca que o abatia, foi imediatamente acusado pela insensatez dos guardas quanto um perigo em potencial visto toda movimentação em agência prontificando atenção especial aquele intruso. João não se deixou abater por preconceito gritante e desconfortável dos fantoches como costumava se referir a todos aqueles que enxergam pela aparência.

Mais uma vez saiu do recinto respirando fundo e pensando no que deveria vender desta vez para pagar sua dívida com banco, suas despesas e gastos com bebida em bahia das pedras lhe atribuíram uma conta a pagar de aproximadamente mil reais negativos o que não está incluso por óbvio a fatura do seu cartão de crédito. Tudo que tinha a fazer agora era aceitar o primeiro emprego que lhe fosse prometido a fim de tentar se manter durante o mês.

No que toma distância da bahia das pedras por ruela mesquinha depara-se com letreiro verde suspenso por duas correntes semi largas acomodada logo acima da porta escura feita a partir de dormentes velhos de trilho de trem. O padrão da casa instigava uma miscelânea de requinte rústica acoplada a sofisticação de instalações gourmet. Em tempos como os de hoje empresários apostam alto em negócios voltados para o exótico, sem com isso abrir mão da comodidade que lhes convém. Área climatizada contendo até três ambientes diferenciados duas pistas de som de última geração, uma equipe com trinta profissionais da noite incluso – seguranças, garçons, barmans, caixas, administradores de evento, técnico de som, DJ’s, banda convidada, cozinheiros, cheff e sub cheff de cozinha – detalhes que o Porto Lusitana oferecia ao seu público mesquinho escapando deste rol alguns poucos. Toda estrutura interna chama atenção por representar uma floresta tropical, sendo o bar todo ornado por divisões de bambu e troncos roliços, amparado por samambaia e outras folhagens verdes em seu contorno, contando com duas majestosas árvores em meio as mesas que perfuravam o forro e desgalhavam sobre telhado. Foi diante mausoléu goumet que João atesta capacidade humana de auto enganar-se, a começar pelo óbvio da mesquinhez noturna pois acreditam os clientes que quanto mais gastam mais próximos da felicidade estão.

Após conversar com gerente da casa que muito assemelhava a um tubarão branco de um metro e meio, teve a chance que tanto esperou para demonstrar seu trabalho e bom atendimento com público. Restou retornar ao seu quarto para banho e higiene com barba e cabelo, mas antes decidiu investir em cerveja gelada em botequinho de esquina para bahia das pedras, passou seu cartão sem limites por mais uma vez. Com o passar das semanas ajeita-se em Porto Lusitana, passou a dormir em bar porque havia muito trabalho a ser feito. Certa noite surpreendeu-se com caranguejo agarrado em seu pé direito. Primeiro leva susto sem tamanho ao ver tamanhas garras fincadas em seu couro, mas logo relaxa trata-se de CARABIANCARA.

--- Você me abandonou naquele moquifo João te odeio.

--- Não foi bem assim a maioria das minhas roupas ainda estão por lá.

--- Chama aqueles trapos velhos de roupas.

---- Fui eu quem pagou.

--- Você é um canalha sabia? Disse que procuraria a cura do feitiço, mas me abandonou naquele quarto fedorento e bolorento. Você me paga João.

--- Ai ai vou me arrepender mais tarde de ter feito isso. Deusss.

--- feito o quê? --- João empurra goela abaixo dela o pedacinho de unha que acreditava ser de Jack Fragata, a única coisa que serviria como antidoto e joga-a ao mar pela janela de seu novo quarto, ouve gritos e berros de desespero e logo depois --- pluf.

--- Resolvido. --- resmunga João.

João fez da maneira como pescador havia lhe dito devolvendo-a ao mar com uma parte do corpo que acreditou ser de Jack Fragata, se era verdadeira ou não só no próximo dia para saber caso Biancara retorna-se de seu encanto. Agora estaria em mãos de Biancara decidir desfazer o feitiço ou permanecer enquanto ser marinho redescobrindo a cada nova lua as belezas que o mar tem a oferecer. João previu de forma passageira como em sonho que Biancara retornaria ainda mais bela e que na pior das hipóteses não resistiria a sua sedução. Tratou de trabalhar mais do que vinha se esforçando nas últimas noites fechando um mês de trabalho digno de seu suor em Porto Lusitana. Após receber redirecionou trajetória ao primeiro terminal rodoviário, se despediu de um grande amigo seu qual questionou João certa noite perguntando-lhe se ele apareceria na história.

Antes de seguir viagem após ter comprado as passagens de volta para sua casa, retornou ao ponto onde achou que Biancara retornaria nua já com corpo de mulher e mamilos amostra. Esperou por duas horas e nada emergiu do mar a não ser as lembranças das noites que viveu em Bahia das pedras, as ondas trouxeram boas recordações e por alguns segundos confundiu sua vista pensando ter visto o rosto de Biancara sobre as águas. Achou melhor correr dali para não perder mais um ônibus pago pelo suor de seu rosto. Alguns meses mais tarde quando se preparava para sua segunda aventura, encontra como de surpresa Biancara em mesa de bar, assinalando para que João senta-se ao seu lado. Já havia entrado em recinto e não tinha como escapar, tenta desviar olhar fingindo nada ter visto e dirige-se direto para balcão, Biancara como redemoinho vem bailando entre os pares do salão.

--- Oi João --- enfatiza sua voz em sussurro no ouvido --- tenho novidades para você.

--- Oi. --- João suspira fundo sem virar-se de frente com ela e pede seu whisky preferido --- Um Jack por gentileza.

--- João não vai conversar comigo?

--- Temos a noite toda Biancara --- ao se virar de frente nota que seu olhar já não era mais o mesmo, agora detinha confiança e autonomia. Seu sorriso o enfeitiçou e João lembrou-se apenas de agradecer ao velho capitão Jack.

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 13/05/2018
Reeditado em 14/05/2019
Código do texto: T6335684
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