A BAIANA - Cap. X

A BAIANA

X

O dia seguinte amanheceu com sol de brilho intenso. A pedir uma ida à praia. Josy e Francisco acertaram esse passeio. Francisco recomendou a Josy para convidar os pais para irem com eles. Assim foi.

Josy dirigiu-se à mãe e disse:

- Mãe, eu e o Francisco, hoje vamos até Salvador, à praia. Da outra vez que lá fui, gostei tanto. Se vocês forem vão ver que também vão gostar.

- Está bem. Vou falar ao pai.

Gertrudes chamou por Olegário várias vezes, mas ele não respondeu, não terá ouvido. Ela desceu as escadas e veio até às traseiras da casa e chamou pelo marido.

- Olegário, não me ouves a chamar por ti?

- Não. Não ouvi nadinha. Que queres?

- A Josy e o namorado resolveram ir até à praia a Salvador.

- Que tenho a ver com isso?

- Calma. Espera. Eles convidaram-nos para também irmos com eles.

- Ah. Tá bem. Não quero ir. Não ligo àquilo de praias. É só ver mulheres quase nuas. Mulher nua só se fores tu, minha gatarrona.

- Deixa-te de brincadeiras. Como é, vais ou não? Olha que se tu não fores, eu vou. De resto, já não vou a Salvador desde o ano em nos casamos, Ouviste?

- Gertrudes, por eu não querer ir, tu não tens que ficar. Vai mulher. Só quero saber a que horas poderão chegar. Não quero estar preocupado.

- Tá bem. Olha, tens comida que sobrou de ontem, é só aquecer. Está boa.

- Ide então. Tende cuidado, que o mar não tem cabelos.

Os namorados reuniram as trouxas, a Sr.ª Gertrudes ajudou e lá foram no trem directo, Tucano/Salvador. Antes avisaram Olegário que poderia contar com eles por volta das 09.00 horas da noite.

Olegário ficou contente com a ida à praia da mulher e filha. Os outros filhos estão a trabalhar. Ele está seguro dos movimentos que a imaginação lhe cria.

Também Romeu se apercebeu da saída deles. Estava na Gare, quando Josy, Francisco e a Sr.ª Gertrudes embarcaram no trem em direcção a Salvador. Não foi visto por eles, naquela azáfama do embarque.

Dizia para si mesmo: que rico dia para eu lhe deixar mais um poema na caixa do correio.

Foi directo à biblioteca e transcreveu mais um poema, que irá colocar na caixa do correio de Josy.

ALBUM

Eu olhos sei de uns,

Que desde que os vi,

Não vi mais nenhuns!

Vê tu por aí

Se os achas; senão,

Descubro-os a ti.

Que lindos que são!

Que modo de olhar!

Que terna expressão!

Já tenho pesar

De os ver, porque enfim…

Que posso esperar?

Ver fitos em mim

Tais olhos…Jamais

Por certo: e assim,

Suspiros e ais

É quanto terei

De ver olhos tais.

Só vendo-os, se crê

Na graça, na cor,

No fluído, ou não sei

Que doce esplendor…

Tão doce, que eu

Não posso supor

Que exista outro céu!

Será este o poema que Romeu irá colocar na caixa de correio de Josy, aproveitando a ausência para a praia.

Escusado será dizer que um contentamento inusitado invadiu Romeu. Vive apaixonado com os poemas. O Dr. Jesulado arranjou maneira de lhe curar a maleita, da não correspondência de Josy. È vê-lo feliz

Quem também anda feliz é Olegário. E então o dia de hoje, vai ser para dar liberdade ao imaginário. Tudo lhe ocorre. Desde marcar uma consulta no Dr. Jesualdo, para ver como está o físico, desde como deve ser a primeira abordagem a Micaela e também a ideia de ter uma conversa com o seu melhor amigo, o Calixto, para falar de intimidade.

Assim, antes ainda do almoço, dirigiu-se ao consultório do Dr. Jesualdo, que fica na Av. dos Afogados, para ter uma consulta.

Foi atendido pela empregada e que originou o seguinte diálogo:

- Bom dia menina. Venho para consulta.

- Muito bem. Está marcada ou é de última hora?

- É de urgência, menina.

- Urgência? Com essa cara? O senhor parece um jovem. Tão bom aspecto.

- Mas não é do aspecto que me queixo. Venho para consulta de homem para homem.

- Percebi. A andropausa preocupa-o.

- A quê? Que é isso? É perigoso? Mata?

- Não, não. É quando os homens começam a perder força no gatilho, e riu-se.

A menina Alice, assim se chama a empregada, é muito pândega. Quis picar o ancião, enquanto aguardava pela consulta e de resposta recebeu o seguinte:

- Oh menina, por aí estou bem. Eu quero é saber se o coração aguenta, percebeu agora.

- Na sua idade isso já conta pouco.

- Nem pense. Olhe que nem quando era novo eu….

- O senhor realmente não dá parte fraca. Você deve ter sangue português. Ainda dos Cabrais.

- Dos quê? Quem eram esses gajos?

- Nunca ouviu falar de Alvares Cabral? Um navegador português que chegou ao Brasil em 1 500?

- Eles eram assim tantos?

- Falei do ano 1 500.

- Ah. Esses gajos que vieram fazer para cá?

- Sabe, Portugal é um país pequenino que fica na Europa. Na altura era muito desenvolvido. Teve necessidade de se expandir e lançou-se aos mares à procura de riquezas.

- E eu que tenho a ver com esses portugueses? Nunca os vi mais gordos.

- Você não percebeu. Quis dizer que os portugueses quando vieram para cá incentivaram os casamentos com nativas para promover o povoamento. Por isso depressa ganharam fama de garanhões.

- Quem me dera nesse tempo, menina.

- Você devia ser dos lindos... Pela aragem se vê quem vai na carruagem….

- Era já e agora, menina.

Entretanto o doente que estava em consulta saiu. A menina Alice foi dentro, falou com o Dr. e disse que estava para consulta sem marcação, o Sr. Olegário.

Faz favor de entrar, Sr. Olegário.

Segue o diálogo Dr. Jesualdo com o doente, Sr. Olegário.

- Sr. Dr., venho para ter uma consulta de homem para homem.

- Á vontade Sr. Olegário. E então, que o traz mais especificamente.

- Não é da mente, Sr. Dr.

- Não disse isso. Quero que me diga concretamente, quais são as suas queixas.

- Não são nenhumas, Sr. Dr.

- Mau. Não são nenhumas e você vem de urgência à consulta?

- É que, estou em vias de arranjar uma amásia. A minha natureza está como aço. Será que no resto também estarei bem? Será que o coração não se apagará?

- É bom saber que o Sr. Olegário não vai mal em tudo. Vamos marcar umas análises ao sangue e urina e exame próstatico e electrocardiograma. Depois de conhecidos estes resultados, vai fazer uma prova de esforço.

- Sr. Dr., o sangue deve estar bom, é vermelhinho. A urina também deve estar boa.

- Porque diz isso, da urina?

- Mijo amarelinho, Sr. Dr.

- Sr. Olegário, olhe que não é pela cor que se sabe se o sangue ou urina estão saudáveis.

- Pensei. Desculpe a minha “sabedoria”.

Acabada a consulta, o Dr. Jesualdo virou-se para o Sr., Olegário, deu-lhe os parabéns pelo bom aspecto e desejou-lhe dias felizes. Disse-lhe para voltar daqui a duas semanas para a prova de esforço.

Olegário saiu, foi direito à menina Alice para pagar a consulta, deu gorjeta e mostrava-se feliz pela forma como foi recebido pelo médico. Afinal o Dr., mostrou vontade de colaborar na despistagem de qualquer anomalia.

Contudo, Olegário não se evadiu de ter uma conversa consigo mesmo e que lhe ocupava o espírito, após a consulta.

Dizia para si: Qualquer que seja o resultado destas merdas, eu não posso perder a oportunidade de “comer” a minha cunhada. As oportunidades vêm e não voltam. Estou-me borrifando para o que o médico me disser. Quem sabe de mim, sou eu. Eu é que sei o que é bom para mim. Nem que eu morra montado em cima do cavalo. “Morra marta, morra farta”.

A primeira preocupação já estava em marcha, a da saúde. Falta a abordagem à Micaela e a conversa com Calixto.

Olegário, pensou e bem, que sem ter um contacto com Micaela, seria impossível chegar onde queria.

Sabia também que deveria ter cuidado com os seus movimentos, porque a Sra. Maria do Tanque, mora perto e está sempre atenta a todos os passos dados na proximidade da casa de Micaela. E sabe também, que se a Sra. Maria do Tanque notar qualquer coisa, o padre Lira será o primeiro a saber. Depois disso, ela encarregar-se-ia de fazer publicidade geral e dentro de poucos dias Tucano saberia do “escândalo”. Meu coração não resistiria a tamanha vergonha, dizia ele. Portanto, “cuidado e caldos de galinha não fazem mal a ninguém”.

Pensou então, em escrever uma carta à cunhada, e redigiu-a da seguinte forma:

Minha querida e adorada cunhada.

Desde aquela festa de anos da tua filhita e minha muito querida sobrinha, a pequenita Otília, que nunca mais tive um minuto de sossego no meu peito. Também nunca mais soube o que era sossego de alma. Acordo de noite e vejo-te, em sonhos, junto a mim. Se estou acordado sinto a tua falta. Como sofre meu coração. Tu és a única mulher capaz de me fazer sentir feliz.

PS. Aguardo sinal.

Um beijo intenso, escaldante

Teu cunhado Olegário

Depois de redigida a carta, havia que pensar no momento adequado, para a deixar na caixa do correio.

Dizia para si: Logo vou estar com o Calixto, para falarmos das nossas coisas de homens e no regresso a casa, dou a volta pela Rua de Circunvalação, passo à porta de Micaela e deixo a carta na caixa.

Olegário chega ao Abstratus Bar, cerca das 16.00 horas, e sabe que tem pela frente, ainda cinco horas de liberdade, pois a família só chega pelas 21.00 horas.

Entrou, olhou à direita e à esquerda, não viu Calixto, dirigiu-se ao balcão e perguntou à Sr.ª Teresa Violante se o tinha visto.

Eis que nasce o seguinte diálogo:

- Não vi não, Sr. Olegário. Deve estar para chegar. Pela hora…

- Obrigada.

- E então a sua mulher, gostou da prenda?

- Se gostou. Até teve direito a um empurrãozinho, à noite…, e riu-se.

- Você é um maroto. Não deixa passar uma.

- Desculpe.

- Você é um marido às direitas. Essa sorte não tive eu. O meu João é muito forreta. Só vê dinheiro à frente dele.

- Eu andava há muito, para dar á minha Gertrudes, uma prenda distinta. Acontece que só agora, chegou a altura certa. Olhe que cada vez, a amo mais. Olhe que isto é tão verdade, como a luz do sol que nos ilumina.

- Acredito.

- E o seu João um dia, quando for mais velho, também lhe vai fazer o mesmo. Você vai ver. Com a idade, ele vai precisar de fazer sentir que a ama como nunca.

- Oxalá Deus o ouça.

- É o que lhe digo. Tome sentido nas minhas palavras.

- Olhe. Ali vem o seu amigo.

Olegário, veio até junto da porta, para receber o amigo Calixto. Cumprimentaram-se, sentaram-se numa mesa no canto mais afastado da porta, mandaram vir duas cervejas e bolinhos de bacalhau à portuguesa.

Começa o diálogo:

- Já tinha chegado para aí há meia hora. Estava a fazer tempo, na conversa com a Teresa Violante.

- Só pude chegar agora. Tive visitas.

- Por falar em visitas. Estes dias tive de mentir à minha mulher e disse-lhe que tu me tinhas convidado para ir a tua casa, beber vinho português. Se ela te falar, confirmas.

- E tu já precisas de mentir á tua mulher? Porquê?

- Oh pá. Eu explico-te. Anda aí uma gaja a pedir peso. Ela não tira os olhos de mim. E eu ainda não sou de pau.

- Ora ora. Na nossa idade a merda da próstata, lixa-nos.

- Próstata? Não sei o que isso é.

- Oh pá, é aquela merda que nos tira…

- Então eu não tenho próstata. Já nasci sem ela.

- Vai precisar de ir ao médico para ver se está tudo bem consigo.

- Calha bem. Fui lá hoje.

- Ele que te disse?

- Vou fazer uns exames. Mas diz que o aspecto é bom.

- Bem, de aspecto não está mal. Mas não se iluda com o aspecto. Pode-se enganar.

- Qual quê, homem de Deus. Eu ainda acordo todos os dias com uns calores por mim acima. Um fogo. A “minha” até me tem medo.

- Anda com sorte. Eu não sei o que é isso, desde que aquela maldita da próstata me atacou.

- Oh Calixto, o que vem a ser isso de próstata?

- Oh pá, é a maior merda que Deus ao mundo deitou.

- Puxa. É assim tão mau?

- Oh pá, você nem sabe o que é um homem ter uma mulher ao lado e… nada.

- Deve ser … Eu com a graça de Deus ainda esfolo uns “cabritos” por semana.

- Não sabe as graças que tem de dar. Agora, acho que há nas farmácias umas drogas que põe um homem a funcionar. Mas tenho medo. Nem quero que a minha mulher saiba.

- Porque não queres que a tua mulher saiba?

- Vamos que ela, me dá dose a mais. Depois acontecia-me como o outro.

- Qual outro?

- Ai não sabe? Morreu. Ele há cada coisa…

- Eu só tenho medo que os joelhos me deixem ficar mal.

- Os joelhos?

- Sim. Essa merda das artroses. Os joelhos fazem muita falta, mais que o coração.

- Mas isso tem remédio. Agora a próstata não há remédio. Foi-se. Acabou. Agora parece uma tripa.

- Se um dia tiver de passar por isso, não sei que vai ser de mim.

Terminou desta forma, a chamada conversa de homens, que Olegário tanto queria ter. Queria-se auto avaliar e teve na conversa franca do amigo Calixto a confirmação da sua boa forma física. Beberam mais uma cerveja cada e Olegário pagou a despesa.

Despediram-se com um até amanhã. Respeitosamente abraçaram-se.

Este Calixto é um amigo a estimar, e que ainda me há-de valer em momentos de aperto, diz para si Olegário.

Inicia-se o regresso a casa, pelo lado da circunvalação. Há que deixar na caixa de correio, da Micaela a carta escrita com fervor e desejo de cortar a respiração. O mais difícil está para vir.

Vai ter de ser de extrema importância para o meu bom-nome o modo subtil como terei de actuar, dizia para si, Olegário.

Fez então o passeio em passo cadenciado, de modo a que a noite caísse lentamente. Aqui e ali cumprimentava, parava, falava. Tudo fez para se mostrar um homem tranquilo. Contudo, à medida que se aproximava da casa da cunhada os nervos tomavam conta dele. Entrou num bar para tomar uma água para se aliviar dos nervos. Já recomposto e auto afirmado, meteu pés ao caminho e cheio de coragem, passou à casa da Sr.ª Maria do Tanque, olhou a ver se a via, também escutou para se certificar se andava por ali a dar de comer aos seus sete gatos pretos. Como de nada se apercebesse, foi direito à caixa de correio, tirou do bolso a carta e introduziu-a na caixa.

Finalmente estava dado o primeiro passo para a tão cobiçada cunhada. Ficou aliviado da pressão da primeira vez. Da primeira vez que, como em tudo na vida, tem custos emocionais.