A BAIANA - Cap. XIV

A BAIANA

XIV

Amor, o nosso casamento ainda vem longe, contudo não me sai da cabeça em sonhos, como vai ser lindo esse dia. Já me vejo de vestido de noiva, bem branco, como a pureza dos nossos corações, dizia Josy num momento de muita ternura que estava a ter com Francisco. Este por sua vez, pagou-lhe aquelas palavras com um subtil beijo na testa, em sinal de amor.

Dizia mais Josy: Francisco para a semana vamos ao shopping, à loja Pró-Noivos, para ver os diversos modelos de vestidos. Quero vestir um a gosto. Quero sentir-me desde esse momento a tua noiva.

Nasceria o seguinte diálogo:

- Josy, ainda falta muito tempo para que nos possamos casar. Antes do final do meu curso não o poderemos materializar.

- Sei bem disso, Francisco. Mas não resisto à tentação de me ver noiva. Deve ser uma sensação fantástica.

- Lá isso deve ser. Eu também sei que isso nos porá a sonhar mais alto.

- Tu também podias vestir-te de noivo e tirávamos uma foto.

- Josy, ainda faltam mais de cinco anos. Sei lá se nessa altura a moda é outra. Se até os vestidos de noiva em vez de brancos são negros.

- Mesmo assim. Não resisto. Se tu não quiseres vestir-te de noivo, tudo bem.

- Amor, não te quero privar desse desiderato. Tu o queres, faça-se a tua vontade.

Assim foi. Dirigiram-se à loja, entraram e falaram com a empregada, disseram ao que iam, que não era para comprar nada agora, mas que uma necessidade de se sentir futura noiva havia tomado conta dela.

A empregada, percebeu e até disse que não era ela a primeira a fazer isso. Que estão ali para vender vestidos mas também ilusões. Quem sabe se na altura não virá cá comprar o vestido do seu casamento, dizia.

A empregada mostrou-se empenhada em dar corpo àquela indomável ideia que se apoderou de Josy. Esteve sempre muito solícita e paciente perante o “veste e despe” de vestidos em corrupio, dando dicas que a fizessem perceber que há um padrão mais consentâneo com o seu estilo de pessoa e harmonia de corpo.

Josy é alta, esguia, bem cintada, pele morena e pernas belíssimamente torneadas. Nela, dizia a empregada, assentaria bem um vestido longo, que lhe desse a ideia de mais alta, uma vez que o noivo também é bastante alto. Digamos que, dizia, o par se mostraria mais harmonioso.

No fim de experimentar, os namorados agradeceram a disponibilidade e simpatia dispensada pela empregada e saíram de mão-dada.

Comentaram entre si qual o vestido que melhor lhe assentaria. Francisco disse-lhe que a experiência da empregada deve ser tida em conta na hora da decisão, é que ela já vestiu muitas noivas…

Não ficava por aqui o simulacro de casamento, que Josy queria sentir.

Foram ao registo civil, saber que documentação é necessária, tendo sido atendidos pela conservadora, Dr.ª Manuela Ponte de Lima, que lhes indicou toda a documentação para que se efective o casamento civilmente.

A conservadora, olhou o noivo e disse para si: que moço jeitoso, que gato. A conservadora era uma jovem doutora, licenciada em direito, que exercia ali funções há menos de um ano, tendo vindo da cidade de Arapongas, no Estado do Paraná. Solteira, loira, de olhos castanhos cor de café e boa figura, era de uma simpatia cativante.

Os namorados, agradeceram a sua atenção e comentaram-lhe a simpatia.

Francisco a tudo atendeu pacientemente, para ver Josy feliz. Esta também lhe falou que queria casar na Capela do Senhor dos Aflitos e que o ramo de noiva iria ser oferecido à imagem de S. Francisco, nem que para tanto tivesse de ir de propósito a Salvador.

O salão de cabeleireiro também foi escolhido. Quer ser penteada no Salão Suely. É um cabeleireiro chic, onde vão as mulheres e filhas dos médicos.

O padre que nos vai casar, gostava que fosse o Padre Fernando. É um padre novo, com mentalidade acertada no tempo. É daqueles que vai às discotecas, bailes, saídas nocturnas, anda de mota e até consta que é bom de mulheres. Mas isso é lá com ele, dizia Josy. Faz homilias bonitas e não é chato. É o que nos interessa.

Está tudo programado ao pormenor, Francisco. Penso muito no dia em que finalmente nos vamos possuir. E quanto a filhos, gostaria de ter quatro no mínimo.

Francisco nunca levou tão longe o seu pensamento. Era muito metódico, racional. As coisas não são para pensar a uma distância tão grande. Nunca se sabe o que o futuro nos reserva, pensava. Poderemos andar a perder tempo e a criar falsas ilusões, que uma vez não concretizadas dão em frustração.

Francisco até neste pormenor mostrava sensatez. Outro tanto não pensava Josy.

Este dia não foi mais um, na vida de Josy. Simplesmente foi o de maior e mais completa ilusão. Nunca a tinha levado tão longe e tão pormenorizadamente.

Esta ilusão também existe, mesclada de esperança, em Romeu, que continua a transcrever poemas e a colocar na caixa de correio. Romeu está a atravessar uma fase bonita da sua vida. A sua vocação humanista para a causa dos desvalidos da fortuna, fá-lo ser um jovem realizado.

A D. Margaridinha em boa hora percebeu a bondade do seu coração e recebeu-o bem. Romeu está-lhe infinitamente grato pela colaboração da D. Guidinha, como ele lhe chama. Ademais, também leva para casa diariamente fartura de comida que serviu para resolver carências alimentares que havia na casa de Felismino e que até o pobre cão, o Boby já viram minoradas. Desde esses dias o Sr. Felismino e filhitos agora melhor alimentados, parecem ter ganho saúde.

A pobreza naquela casa era muita, e o Sr. Felismino nem à rua saía por se sentir desfigurado pela fome e ainda pela chacota que as outras pessoas lhe provocariam.

Um dia destes foi vê-lo feliz, acompanhado dos outros filhos mais novos a darem um passeio no fim do almoço, pelas ruas principais de Tucano. Sentia-se um homem afirmado pelo seu bom aspecto geral de saúde e dos filhos. Até o Boby, já tinha deixado o cadeado que o prendia à casota e também se passeava pavoneante, preso por trela extensível, que o irmão mais novo de Romeu, o Jorgito segurava com garbosidade.

Romeu transcreveu o seguinte poema, que aproveitou para colocar na caixa do correio, numa altura em que tinha visto Josy ir fazer compras ao shopping.

DELICIOSA CRUZ

Luz de íntima influência,

Ò fugitiva luz,

Luz cuja eterna ausência

É minha eterna cruz!

Pudessem-te, ainda antes

Do meu extremo adeus,

Meus olhos flutuantes

Ver lampejar nos céus!

Se anda nesse espaço,

Tão longe onde tu vás,

Visse um reflexo baço

Da pura luz que dás,

Tornaram-se-me em estrelas

As lágrimas de dor!

E lágrimas são elas…

Sim, lágrimas de amor!

Vê nesse espaço imenso

Os astros como estão,

Bem como eu estou suspenso

Por íntima atracção!

Porque há quem os atraia:

É essa eterna paz,

Que a mim de praia em praia

A suspirar me traz!

Converte-me este inferno

Em azulado céu,

Ou quebra o laço eterno

Que a tua luz me deu!

Ou antes, muda em espuma

De nunca estável mar

Esta alma, que alma alguma

Pode exceder em amar!

Em cinza, em terra, em nada

Meu ser converte, ó luz!

Mas sempre, sempre amada,

Deliciosa cruz!

Maria do Tanque anda desconfiada de um certo miar da Moranga, a avó e mãe de toda a gatice. Perguntava-se, que terá visto que a acho inquieta, nervosa. Teria sido cão estranho que viu? Os cães dos vizinhos, conhece-os e nunca teve este comportamento. Vou andar atenta sempre que me aperceber destes “miares”.

Olegário não lhes conhece os “miares” e não tem a sensibilidade que Maria do Tanque tem para se aperceber de comportamentos estranhos nos bichos.

Os dias e as horas andam muito devagar até que chegue o dia “D”, a tal sexta-feira tão almejada e em que pela primeira vez vou ter pela frente aquela que eu já há muito admiro, mas que só agora amo e desejo, dizia Olegário.

Micaela é cá uma toura! Veio na hora certa. Vou pegá-la de caras. Deve estar como virgem. Desde o falecimento do meu irmão, nunca mais soube o que era homem. Ela vai ver quem é o Olegário, este que nasceu sem próstata, ou lá como se chama, e que deve ter sido por graça Divina. O Criador sabe o que faz e a quem faz, dizia.

Rosa Maria, a filha do Ambrósio da padaria, tem andado adoentada. Disse à mãe, a Sr.ª Miquelina, que se sente emagrecer e com perda de apetite. A mãe respondeu-lhe que deve ser de ela ter entrado numa fase diferente da vida e que agora daqui para a frente não mais será menina, antes uma senhora acabada.

Disse-lhe também, que agora daqui para a frente não se pode brincar com “aquilo” dos rapazes da idade dela, porque se poderia engravidar.

Rosa Maria, apesar de já ter quinze anos, só agora teve o seu primeiro fluxo menstrual, que não a preocupou muito por já saber que isso acontece às raparigas, mesmo antes dessa idade. Sabia-o pelas amigas. A mãe, só agora começou a mostrar preocupação com medo de gravidez indesejável. Nunca lhe havia falado disso. Não sentia à-vontade para fazer conversa, que para ela era tabu e que o tempo se encarregaria de desfazer.

Quanto à doença, foi dizendo à filha que esperasse, que deve passar dentro de três a quatro dias esse mal-estar. Senão passar, teremos de marcar consulta médica. Telefona-se para o Dr. Jivago, de Salvador que é um grande especialista em doenças de senhora.

Rosa Maria aceitou a sugestão da mãe, embora saiba donde lhe vem a doença. Pensou que não a contrariando, até para si era bom.