37 "Corram, que o barbeiro chegou...(A Saga...)

Outra tentativa de Constâncio pra arrannjar uma grana extra, fora da fábrica, foi a de tornar-se barbeiro.

Só que barbeiro bom tem que cortar cabelo muito bem.A barba é um detalhe...Nunca soubemos quem havia enfiado essa idéia na cabeça dele.O fato é que um belo dia apareceu em casa com uma “máquina zero”,aquela que o barbeiro usa pra “pelar" a cabeça do freguês.Assim que chegou da fábrica ,desembrulhou de uma folha de jornal a máquina,novinha,ficou apertando as astes entre o polegar e os outros dedos da mão direita,fazendo aquele barulhinho”nheco-nheco,nheco-nheco”,ansioso por experimentar a ferramenta na cabeça de alguém.

Fabiana e os cinco meninos não saiam de perto,curiosos pra ver em que ia dar “aquilo”.

Decidido, ele pegou o Betinho pelo braço, dizendo.”Vem cá,você que é o mais corajoso, vem ajudar o papai. Só tem que ficar sentado nessa cadeira enquanto corto seu cabelo pra ficar bem bonitinho”.Fabiana tinha buscado uma cadeira e trouxe também uma toalha de banho já meio gasta.

Betinho, sendo chamado de corajoso, não vacilou em atender o pedido do pai e sentou-se na cadeira. Não podia decepcionar os irmãos mais novos,uai...Toalha colocada ao redor do pescoço do menino,presa com um alfinete de fralda e ante os olhos curiosos da turma, começou a carreira do mais novo “barbeiro” da cidade.

"Nheco-nheco,nheco-nheco", começou pelando o côco do menino na nuca e foi até a testa, jogando o cabelo cortado na toalha.

Feita a primeira estradinha,começou de novo lá da nuca:nheco-nheco,nheco-nheco, até a testa novamente.Foi assim até raspar a última estradinha.

Os outros meninos,quando perceberam que Betinho estava ficando careca, desandaram a rir e zoar o irmão..”Olha o careca,olha a bola de sinuca... Betinho tambem ria,mas de nervoso,pois queria mesmo é chorar...Como as estradinhas não eram cortadas certinhas umas encostadas nas outras, ficavam aquelas fileiras que chamavam de “caminho de rato”.Quando terminou e o menino se olhou no espelho,saiu dando chute em caixas de papelão, cadeiras, o que via pela frente, com os irmãos atrás, encarnando nele:”Careca,caminho de rato,bola de sinuca”...

Constâncio ainda não estava satisfeito.Tinha que treinar muito pra não deixar caminhos-de-rato e deixar pelo menos uma franjinha na frente da cabeça pra criança não ficar totalmente careca.

Desmontou a “máquina”,limpou peça por peça e guardou embrulhada num pano, na parte de cima do armário.amanhã continuo,pensou...

“Bahiano,o menino ficou muito feinho,tadinho. Totalmente careca!?” ,disse Fabiana enquanto depois de sacudir a toalha e dobrar, varria os cabelos do chão.Foi assim durante a semana inteira. Quando Constâncio chagava da fábrica, pegava a máquina...Quando ouviam o “nheco-nheco,nheco-nheco”,os meninos saiam correndo...”Não pai...eu não quero... Ta bom assim...”Mas não teve escapatória.Só sobrou Marinês, por ser menina, claro!

No fim de semana estavam os quatro de franjinha na testa e o côco todo pelado,pelo menos, já sem “caminhos-de-rato”.

Na primeira vez que saíram na rua pra jogar pelada,feito quatro “monges mirins”, foi uma tremenda gozação dos moleques da rua,que preferiram voltar e não sair à rua durante uma semana...depois perderam a vergonha.Quando Constâncio "caiu na real" que tinha que esperar mais de um mês até que o cabelo dos meninos crescessem, teve uma ideia que hoje seria considerada "Jogada de marketing".Pediu aos filhos que espalhassem no bairro, o corte de cabelonaquele estilo, em crianças, seria "de graça".Improvisou a "barbearia" no quintal,sob a sombra de um pé de chuchú, e o que não faltou foram voluntários, até ele se formar na "Faculdade das dificuldades e da improvisação"!

Aecio Flávio
Enviado por Aecio Flávio em 18/10/2007
Reeditado em 13/11/2007
Código do texto: T699792