Minicontos

1)

Aposentado há quinze anos. Seu Oswald vivia sentado na varanda.

Ocupada dona de casa, dona Juliana sempre conversava

um pouquinho com ele. Certo dia perguntou:

- Seu Oswald, o senhor não se cansa de descansar?

- Claro que me canso!

- E o que o senhor faz?

- Eu descanso.

2)

Na falta de assunto, falar sobre clima é uma boa:

- Com ciúmes da lua, o sol arde. É verão.

- Verdade: você é muito ciumento.

- Eu?

- Eu também sou um pouquinho.

3)

Procuro homem com rim saudável para encontro em lugar deserto, dizia Aline no perfil dela no site de relacionamento para namoro ou encontros casuais e o suicida mandou como resposta um coraçãozinho vermelho. Oi, escreveu Aline, escrevi isso de brincadeira. Pensei que fosse de verdade. Você é louco? É o primeiro cara a me mandar um oi, a foto do perfil nem é a minha. O que você faz? O que faço não importa agora? Estudo enfermagem. Você está a nove quilômetros de distância. Sim. Vamos sair? Como ousa me perguntar isso logo de cara, nem viu meu rosto verdadeiro. Não importa. Se você não quiser me encontrar vou me jogar da varanda. Você mora em que andar? Nono. Não faça isso! Quer conversar? Quero me enterrar em você, como se você fosse o chão que me falta. Você está no fundo do poço, cara. Mas vou secá-lo. Vou cortar meu pulso. Quer meu telefone? Pelo amor de deus! Alô. Oi. Está melhor agora? Sim, disse Carlos. Sugeriria algum lugar deserto para nos encontrarmos? Sim. Qual? Meu coração eviscerado para você dar para alguém que precise dele. Você conhece o Boteco Sovaco das Estrelas? Sim, é pertinho. Dá tempo de eu tomar um banho e botar um perfume? Sim. E foi assim que Carlos descobriu quanta vida existe no tempo da espera. Quando chegou lá não encontrou-a; e o número do celular não existia mais, nos conta ele.

4)

Nelson Rodrigues psicografado, politicamente correto, escreveu ontem: Numa mulher não se bate nem quando ela pede. E o olhar de Maurina das Dores demandava o sádico. Suavemente, Stanislaw Balner acariciou-lhe o cabelo e tocou-lhe a boca com os lábios grossos, ela mordeu-os até sangrar, não sem esforço o Stan desfez o contato e foi embora.

5)

Ele viajou a trabalho, mas não levou a mulher. João Pessoa, belas praias. Para mãe mandou um postal do paraíso; escrito: Mãe, olha só onde estou, feliz da vida.

Para a mulher mandou o mesmo postal; dizendo: Nada disso tem graça sem você.

Telefonou à noite; disse: Amor, triste sem você tudo isso aqui.

Ligou para a mulher e falou:

Triste tudo isso aqui.

Repetiu as ligações de quatro em quatro dias.

Ao chegar em casa a mulher lhe entregou o postal que mandara para a mãe.

6)

Homem de trinta e cinco anos entra no consultório médico do pronto-socorro empurrado por duas mulheres, a esposa e a cunhada, Lila e Luiane, filha de Luís e de Daiane. As duas falam:

Ele parou de andar a dois dias.

Qual o nome dele?

Meu nome é Zé.

O que houve seu Zé?

Estou desempregado, papai morreu, não consigo emprego, minha filha está namorando um cara ruim, minha mulher brigou comigo e não consigo andar.

Se eu estivesse com tantos problemas também não conseguiria levantar, o senhor prefere andar para enfrentar os problemas ou prefere que eu dê um remédio.

Levanto, levanto, vamos para casa mulher!

7)

Pedro Nava escreveu ser a linguagem popular capaz de dificultar entendimentos, enriquecer a língua. Saramago profetizou, espera-se erradamente, o dia a chegar quando pessoas se expressarão por grunhidos. Os linguistas são soberanos no assunto. Nava se referia ao paciente pobre, às vezes primário, às vezes não pobre, no falar: Doutor, eu posso falar com o senhor que é estulto no assunto – perguntou o frentista, com a esposa, dona Mayara, meio desmaiada ao seu braço direito –? Qual o seu nome? Jackson, ela tomou remédio para febre, caiu, será que foi por isso? Tomou Tylenol ou Novalgina? Esse último, a vizinha deu. Medida a pressão: 10 por 5. Vou colocá-la no soro e depois completar o exame. Feito. Três horas depois no Posto de Atendimento Ana Paula: à beira do leito, médico e frentista. A pressão está normal, seu Jackson, a paciente pode ir para casa, está de alta. Obrigado, doutor, ela precisava de uma calibrada.

8)

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Stanisaw Balner é um viúvo que não tem no coração nenhuma falecida. Janaína é viva. Reencontrou Lara, antiga colega de trabalho aposentada mais recentemente que ele o abraçando de surpresa. Quem bom, Stan – e papo vai empático –. Saíram três vezes. Informações pessoais. Se você ficar comigo tudo passa! – disse de primeira. Não é nada disso, Lara, sejamos bons amigos. Na segunda vez: eu gosto de tudo que você faz – alisando-o no ombro e no braço. Vamos ao cinema? Vamos – disse o Balner, conformado, e foram; depois um café. Nova insinuação, disse ele: Já é a terceira vez, chega, não tem nada a ver, as coisas não acontecem assim, vão acontecendo!... (Argh!...). Ela trouxera duas bolsas, uma maior e outra média a grande, guardadas no porta-mala. Deixou-a em casa e abriu para ela pegar a bolsa. A mala maior na mão: - Este é o meu marido. Seu marido? É, é o meu CPAP, é ele que dorme comigo toda noite.

9)

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Quatro estudantes foram para a balada na quinta-feira e perderam a prova no dia seguinte desculparam-se com a mentira de que o carro tinha sofrido um acidente. Sem problemas, disse o professor de filosofia. Vocês terão três dias para estudar: sábado, domingo e segunda. Podem fazer a prova na terça-feira. Obrigado mestre, disseram os estudantes gratos. No dia da prova, os estudantes foram colocados em quatro salas diferentes. A prova tinha apenas quatro perguntas: Qual é a marca do carro? De quem era o carro? Que horas foi o acidente? Qual o dano causado ao veículo? Não houve nenhuma coincidência nas respostas. O melhor deles deixou a prova em branco.

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Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 16/01/2022
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T7430904
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