Meu nenê

Gestei, gestei, gestei meu nenê, apesar do mundo. Amamentei, amamentei, amamentei o meu bebê. Meu bezerrinho fofo, nada demais, fui bem comedida até, na Idade Média as mulheres amamentavam crianças até os sete, oito anos, sou professora de história, autoridade no assunto, larguei o cargo de professora municipal para cuidar do meu segundo filho. Toninho o mais velho sempre foi mais apegado ao pai, aquele nasceu independente, nunca mordeu o seio. Carlinhos não, me fez ter fissuras, bebeu e bebe meu sangue. Que fui feliz com, Urbano, meu marido, diria até nascer o meu guri é inegável, minha predileção por ele esconder não posso, não. O marido não ia sempre à consulta de puericultura levar o Antoninho comigo. As poucas vezes possíveis foi me acompanhar com o filho ao pediatra. Laborais motivos impediram, que chato, a vinda regular dele às consultas do Carlinhos.

Doutor Balner conversa, talvez, quem sabe, conversasse com a mulher dele. É viúvo. Coroa bonito, cinquentão. Urbano o tem como amigo. Convida-o para jantar, mas o médico nunca foi à nossa casa. Meu esposo nunca joga conversa fiado comigo, quem dera. Leva Toninho à escola, vai às reuniões de pais. Confesso não ter levado meu menino ao médico nos últimos seis meses, antes dele completar dois anos, quando levei, dessa vez, Urbano foi comigo. Ah!... Esqueci-me de dizer, ele é engenheiro.

Antes de conversar sobre Carlinhos, como vai o Toninho, perguntou o médico. Está no jardim de infância, gosta de desenhar, desenhou-me amamentando, se soubesse da sua vontade de saber dele teria trazido o desenho, ficou bonito. Ele adora o irmão, vive em volta do berço, quer conversa, mas Carlinhos ainda não fala, ando preocupada com isso. Nunca vi criança com tanta fome, não gosta de comida de sal, gosta mesmo é de mamar. A senhora não acha chegada a hora de desmamar seu filho? Não, falei seca, na Idade Média... Dona Bárbara, desculpe, mas a senhora não está na Idade Média. Eu sei, mas... Mas foi o senhor quem me estimulou a amamentar, me disse que a ansiedade secava o leite, que a ansiedade aumentava quando a menstruação retornava por medo de engravidar de novo, aumentava quando a mulher era cobrada a cumprir os desejos conjugais por se dividir entre as funções de mãe e mulher, aumentava quando a mulher se via em vias de retornar ao trabalho. Sou esclarecida, eliminei as ansiedades para amamentar o mais possível.

O médico respirou fundo. Dei-lhe as informações – disse – para a senhora administrar as suas ansiedades e amamentar o mais tranquila possível. Não estou ansiosa, disse, alteando o rosto da carinha do meu bebê beberrão de leite, mamando. Dona Luiane – filha de Luís e de Daiane – como vão seus pais? Vão bem, trinta anos de casados, eternos namorados. A senhora tem namorado? Só quando Urbano quer. Pois é, é bom a senhora começar a desmamar seu filho ou há o risco do seu marido larga-la! Até que enfim – disse urbano – alguém falou alguma coisa. Converse com seu ginecologista sobre o assunto, está na hora de desmamar. Silêncio. Exame físico realizado na criança. Recomendações de praxe para idade, ênfase para aumentar as refeições de comidinhas.

Quatro meses depois Toninho veio a consulta com os pais, trouxeram Carlinhos também, ele está falando muitas palavras doutor, o irmão mais velho sempre foi falador. Ao fim da consulta, Urbano abraçou o médico. Na época, havia um comercial: O tempo passa, o tempo voa e a poupança BAMERINDUS continua numa boa. O banco faliu numa geral aporrinhação para os clientes. Crise financeira, uma porção de bancos estatais fecharam portas, estava na hora de Dona Clara voltar a dar aulas, sem dúvida. Creche existe para isso. Cadê que a mãe mandava o seu guri para a creche? Não conseguia. O casal pagou matrícula, mensalidade, e nada. Mesmo acompanhada do marido ia à porta da creche Conchinha Feliz e voltava para a casa.

Seu Urbano insistiu e, junto à ao marido, Clara veio com os meninos à nova consulta. Urbano relatou a questão. Ela assentiu haver problema, não consigo, disse, deixar o Carlinhos sozinho na creche, preciso, preciso voltar a trabalhar, mas não consigo, consigo, consigo. Posso dar uma sugestão? O marido gesticulou um positivo com o polegar. Ela, sentada, dessa vez com o filho mais velho no colo, suspirou um, hesitante, sim. Minha sugestão a vocês é que peçam à professora para dona Clara permanecer na sala da creche, junto ao filho, o bastante para ela ficar com o Carlinhos até ver quando ele estiver bem para ficar com os coleguinhas e a professora.

Feito assim; foi conseguido o desapego da mãe em parte, mas não total, que pai é pai para sempre e mãe também. Carlinhos passou, duas semanas depois, a frequentar a creche. Dois meses depois, envergonhada, ligou dona Clara para o médico. Ofereceram-me emprego, doutor Balner, mas não consigo sair de casa. Tudo está vazio ao meu redor, a barriga está mais larga, não consigo usar várias roupas antigas.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 06/03/2022
Código do texto: T7466497
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