PIRACEMA

Peixes sobem o rio, seus dorsos ágeis brilham à luz do sol. Na margem, alguns olhos cansados iluminam as retinas, graças aos reflexos borbulhantes das águas em seus bailados sincopados, produto momentâneo das lanchas, botes, motores fogosos.

A fugidia posteridade está nos cardumes de peixes em nova tentativa de geração, prontos para povoar de mais energia a vida em curso, adquirindo melhor agilidade ainda, no rolar das águas, areia, barro, alguma espuma que se deita em reviravoltas muito brancas, em parceria com as alegrias saltitantes da boca da miuçalha ribeirinha em alarido, a contar os peixes que escapam por entre pernas e dedos ligeiros.

Os folguedos entorpecem a cuca do expectante e a memória povoa o imaginário da mitigação da fome dos aflitos, sempre ao sabor dos ventos na gestação das esperas.

O silêncio da madrugada esvai os cansaços do moço estudante de biologia marinha. Pressionado, abre-se a caixa de palavras, sorrateiramente iluminada por um toco de vela.

Em sua mágica, as ideias banhadas de luzes farsantes fazem estripulias. Assemelham-se às cadelas no cio e suas naturais tropilhas de ocasião, cansadas e esfomeadas babando trilhas, nas quais troteiam dias e noites. Ávidas, em suas folias, acasalam-se sem nenhum compromisso, como é da natureza da espécie.

Pontualmente, os cães de rua, sempre à margem do caudal da vida, saltando sobre múltiplos obstáculos, continuarão até o mais tardio dos dias, sem nenhuma segurança, ainda sem compromisso, a esperar um novo cortejo em tempos de piracema.

Curiosamente, o juvenil projeto humano de biologia marinha, após observar tudo o que transcorreu no relato textual, escreve uma carta à Srta. Liberdade, sua noiva de mais de cinco anos, e marca a data do casamento, enquanto se exaure o lume no toco de vela, deixando o pequeno quarto às escuras.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2023.

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