O Santo que aprendeu a perdoar!

O Santo que aprendeu a perdoar!

“Santo Antônio de Minas”, era uma cidadezinha típica do interior de Minas, ali a fé e o abuso dos pedidos de milagres andavam lado a lado. Por mais que Padre Damião, o pároco daquela cidade pedisse, implorasse, exigisse que seus fieis não abusassem da generosidade e compaixão de Santo Antônio, ninguém o ouvia, sempre indiferentes diante dos pedidos do incansável padre.

Padre Damião sempre em seus sermões pedia aos fieis:

_Meus irmãos, fieis desta igreja, não abusam da paciência e generosidade de Santo Antônio, pois ele um dia vai acabar perdendo-as e vocês sentiram sua ira, e então será tarde demais para que se arrependam, e peçam perdão por seus abusos e ignorância!

Entretanto ninguém lhe dava ouvido, e continuava a fazer suas simpatias absurdas e quase profanas com a imagem do santo, que resignado não reclamava.

Dona Maria Fildem, era uma das incontáveis solteironas da cidade, esta tinha a mania de colocar o santo de ponta a cabeça até que atendesse seus pedidos, assim como ela, Esmeralda virava o santo de cara para a parede até seu pedido fosse acolhido pelo santo. Ainda havia as moças de meia idade conhecidas como encalhadas, que não davam um instante de sossego ao pobre santo.

As simpatias eram incontáveis, cada uma mais absurda que a outra, mas como diziam os devotos desesperados de Santo Antônio,”não importa a simpatia, o que importa é a fé que cada um deposita no santo”! E assim seguiam sem dá ouvidos ao padre que continuava a pedir por prudência aos fies, a insistir aos fieis que não abusassem do santo e estes o ignoravam completamente. Todos sempre indiferentes na hora do sermão e por mais que o padre pedisse ninguém lhe dava ouvidos, e continuavam a azucrinar a paciência do santo com pedidos fúteis e nem sempre importantes. O principal pedido de mulheres e de muitos homens era o casamento perfeito, mas havia aqueles que não se importavam com a perfeição do casamento, apenas queriam se casar, ou melhor dizendo, desencalhar para que não ficassem no caritó! Como dizia no Nordeste!

“Santo Antônio de Minas”, era uma cidadezinha com pouco mais de dois mil habitantes, sendo que destes apenas a metade era casada, daí a aflição para tantos pedidos de casamento ao pobre do santo que cortava um “doze”, com aqueles habitantes desesperados, que não viam nenhum futuro se não no casamento.

Ilka, uma mulher de trinta e poucos anos, cabelos ruivos, olhos verdes, pele alva como neve e cheia de sardas, um metro e meio de altura, cinqüentas e poucos quilos e um gênio difícil; não era feia, mas com aquele gênio difícil acabava por assustar alguns poucos pretendentes que porventura se arriscavam em conhecê-la melhor. Em pouco mais de meia hora de conversa e lá ia o potencial partido às pressas cumprir um compromisso inexistente, tudo para se livrar daquela mulher de gênio de cão. Então sobrava para o santo, que acabava mergulhado num posso d’água, ou de frente para a parede.

Zilda uma quarentona de posses e muito simpática também estava à caça de um marido e também apelava para o santo que tinha uma agenda cheia, pois como a cidade levava seu nome e este era padroeiro da mesma as pessoas que ali moravam esqueciam-se de que ele não era uma exclusividade dos residentes, que em outros lugares estava alguém a pedir por socorro ao santo que tinha seu tempo todo tomado pelos moradores de “Santo Antônio de Minas”.

E assim dúzias de mulheres e dezenas de homens e ainda havia aquelas moçoilas apressadas que mal sabia fritar um ovo, mas que já queriam casar. Umas desejavam se casarem para ganhar mais liberdade, pois viviam sobre o jugo dos pais, outras apenas queriam se casar, porque se perguntadas o motivo que as levavam a casar-se tão depressa não sabiam o que responder, apenas queria casar porque a amiga havia se casado, dito que estava bem ou simplesmente porque era a única numa determinada casa que ainda não havia se casado e, portanto não desejava ficar para titia.

Até mesmo os homens daquela cidadela não dispensavam o apelo ao santo, embora o fizessem com bastante discrição, para não caírem na boca da cidade, santo que já na igreja tinha o semblante já cansado tamanho o número de pedidos que recebia e ninguém nunca se mostrava satisfeito, pois estavam sempre querendo um casamento deslumbrante, luxuoso, pomposo, algo que entrasse para os anais de “Santo Antônio de Minas”.

O Padre daquela paróquia e conselheiro daquela comunidade vivia dizendo, tanto durante os sermões, quanto em conselhos no confessionário:

_Meus filhos, se continuarem a atazanar a cabeça do santo assim com bobagens, ele um dia vai acabar perdendo a paciência e as conseqüências poderão ser terríveis e nesse dia vocês irão se arrepender por terem azucrinado tanto o santo e com tantas besteiras!

Mas ninguém o ouvia, pareciam surdos diante do apelo do padre que incansável não se dava por vencido e sempre alertava os atazanadores do santo que parassem de azucriná-lo, mas em vão suas palavras se perdiam na cúpula da nave central da igreja e em seguida as montanhas de “Santo Antônio de Minas”. E por mais que insistisse ninguém o ouvia!

Dolores uma moçoila de cabelos crespos, olhos castanhos e arregalados, também dona de um gênio de cão e muito prosa, fora uma das que não dera ouvidos ao padre e desesperada para arranjar um noivo e se casar, pôs o santo na panela de feijão e disse ameaçadoramente:

_Só tiro o sinhô daí, a dispois de tê me conseguido um noivo! E num pode sê quarqué um não! Além de bonito, tem de sê educado, rico e gentil!

Uma tarefa impossível mesmo para aquele santo tão milagroso, capaz de atender os mais cabeludos e absurdos pedidos, mas no caso de Dolores era impossível, já que na cidadela todos os homens tinham pavor até mesmo de passar perto de sua casa, pois corria o sério risco de ser arrastado à força para dentro e ali ser mantido em cárcere privado até que aceitasse se casar com aquele ser no mínimo estranho.

Mas ela não se entregava e como não fora ouvida daquela vez, continuava a castigar o pobre do santo, sua imagem em madeira após passar por tantas simpatias, começava a desbotar, a descascar e até a embolorar. O cheiro de feijão cozido entranhou naquela imagem que Dolores não conseguia mais mantê-la escondida. Mesmo sendo devota de Santo Antônio o submetia a estes contra-senso, pois acabava envergonhada diante das amigas beatas que podiam questionar o motivo de tamanho odor, então para não ter que dá explicações a mantinha escondida a sete chaves mesmo não adiantando, e usava-a apenas para suas simpatias.

Mas Dolores não precisava se envergonhar diante das amigas, já que a maioria delas também não passava sem submeter o pobre e castigado santo a outras simpatias.

Judith uma senhora de aproximadamente uns cinqüenta anos, viúva duas vezes, não estava satisfeita e também desejava se casar e, portanto apegava ao santo de todas as formas sabidas. Sua imagem passava quase todo o tempo de ponta a cabeça pendurada por um cordão de algodão, outra simpatia que aprendera com suas antepassadas.

Padre Damião todas as manhãs de domingo quando a igreja estava mais cheia de fieis aproveitava para aconselhar àquela senhora:

_Minha filha, você já se casou por duas vezes, já é uma senhora, tem filhos e netos, podia parar com esta obsessão por casamento e se dedicar mais a eles, garanto que Deus vai ficar muito mais contente com você!

Inconformada ela respondia asperamente ao conselho do Padre:

_Meus fio e neto, já têm suas vidas! Nem se alembram mais que tem mãe, por isso eu preciso arrumá um marido para aquecê meus pé frio durante as noite cumprida de inverno! Se num fô pela graça de Sant’antôim, vai sem ela memo! Mas suzinha eu num fico de jeito nenhum! Desabafou D. Judith determinada a arranjar um marido.

Esta senhora de cinqüenta e poucos anos, cabelos grisalhos, cobertos por um lenço de seda verde, olhos azuis e a pele já murcha devido à impiedosa ação do tempo, era muito estranha, tinha hábitos esquisitos e talvez por isso morava sozinha num sobrado na praça principal, onde os filhos, noras, genros e netos só apareciam em ocasiões de festa de final de ano, entre outras, como o dia de Santo Antônio. Ali na companhia de uns cinco ou seis gatos, quatro cachorros, ela passava toda manhã debruçada na soleira da janela observando a vida tranqüila e lenta daquela cidadela que parecia parada no tempo. Se alguém tivesse coragem suficiente para examinar os cotovelos daquela senhora iria constatar que neles haviam se formados calos de tanto se apoiar neles para olhar a vida daquela cidadela que passava lentamente.

Sabia dos costumes de todos os moradores daquela cidade, nem o pobre e temperamental padre era poupado, sempre que ia fazer sua caminhada matinal, ou uma extrema-unção inesperada, ou até mesmo quando ia atender algum pedido de oração não passava despercebido. Assim que colocava os pés do lado de fora da casa paroquial lá estava ela apoiada em seus cotovelos, observando a vida da cidade.

Mas Dona Judith não era única, esta senhora fazia parte de um verdadeiro exército de bisbilhoteiras que passavam a maior parte de suas vidas vazias, recostadas na soleira de suas janelas em constante vigília. Não havia um, em toda aquela cidadela que desse um passo sem que fosse visto por aquelas senhoras, mas havia outra intrigante curiosidade; não eram apenas mulheres, senhoras de vida vazia que passava horas do dia e da noite em suas janelas vigiando a vida alheia! Havia também homens que faziam o mesmo, moças e jovens garotas! Estes também vigiavam e comentavam o que era visto de suas janelas, ou seja, agia tal qual, as mexeriqueiras de plantão, como as chamavam, pois fingiam se esquecer que também faziam o mesmo.

Por mais que Padre Damião pregasse nos seus sermões, parecia que nenhum dos fiéis o escutava, e assim continuavam agindo da mesma forma. Assim que deixavam o interior da igreja e ganhavam à praça que ficava bem defronte a igreja e já começavam a discutir o sermão do cansado padre que ás vezes tinha um desejo incontrolável de pedir transferência par outra paróquia e esquecer daquela cidade, estava farto e cheio de pregar, pregar, e nada daquelas pessoas o ouvirem. Mas pensava que aquilo poderia ser uma provação pela qual tinha que passar e também por ele amar aqueles cidadãos, seu rebanho! Como se referia aos cidadãos da pequena “Vila de Santo Antônio”! Mas fazia questão de lembrar aos fiéis que não abusassem da paciência do santo, pois este podia acabar se revoltando, e se isso acontecesse...

Havia algumas senhoras solteiras, separadas, viúvas, e até mesmo casadas, que se dedicavam a novenas quase perpétuas, rezando, fazendo promessas ao santo que lhes arrumassem um bom partido, um marido, um companheiro, e ainda havia aquelas que ousavam no silêncio das orações pedirem ao santo um novo amor, mesmo estando casadas. Estas levianas mulheres ao se confessar ao Padre, tamanho despautério este quase enlouquecia e aos gritos no confessionário lhes passava imensuráveis penitências, quando não as expulsavam por ousarem lhe confessar tamanho absurdo. Mas assim que passava a ira do temperamental padre, ele se rendia ao ensinamento de Deus, “Perdoai aos meus filhos, se esses se mostrarem verdadeiramente arrependidos”. Então estas se sentindo perdoadas deixavam o confessionário se sentindo mais aliviadas e prontas a cometerem os mesmos pecados, para o desespero do pobre padre.

Certa manhã bem cedo mesmo o céu estando cinza e com nuvens carregadas, pois havia chovido a noite inteira assim como há vários dias, Padre Damião saiu para sua rotineira caminhada matutina e então percebeu Dona Judith na janela, então apressadamente antes que fosse visto por ela, retornou ao interior da casa. Parou um instante e decidiu pregar uma peça naquela viúva, para vê se tomava jeito. Assim decidido disse a sua empregada, uma senhora muito fervorosa e temente a Deus, além de muito generosa.

_Dona Chica! Se alguém chegar aqui hoje me procurando, antes que eu retorne da minha caminhada, por favor diga que saí, ou melhor diga que não teve comigo hoje!

_Mais por quê? Indagou a generosa e simpática senhora.

_Por nada, apenas diga. Ou melhor não diga! Ah, para que você não se preocupe, vou aproveitar esta minha saída e fazer uma visita ao Seu Silva, estou devendo uma visita a ele e a família desde que Dona Deolinda faleceu, e vou aproveitar e almoçar por lá e só devo voltar mais tarde, lá pelas quatro ou cinco horas! Explicou o padre prevendo o alvoroço que se daria na cidadezinha enquanto não voltasse e como havia explicado à sua mão direita, sua conselheira, ele não pretendia voltar tão cedo, talvez só regressasse quase na hora do “Angêlos”! Que acontecia às seis horas da tarde, quando ia à igreja e fazia uma prece todas às tardes, usando o alto falante da igreja para que todos os moradores de Santo Antônio de Minas, o acompanhassem, em mais uma demonstração de fé.

Sorrateiramente, Padre Damião deu a volta por atrás da casa paroquial e como ainda era bem cedo, sendo um pouco depois das cinco da manhã, não foi visto pelos moradores daquele lado do terreno. Sem pressa deixou a cidade montado numa bicicleta e tendo na garupa uma mochila com seus objetos religiosos, como terço, bíblia, estola, água benta, óleo de unção, o santíssimo, um pequeno recipiente para colocar hóstias para comunhão daqueles que porventura não pudessem ir á igreja, tomando a comunhão após se confessarem, enfim pequenos objetos que usava nas suas incontáveis visitas às casas mais afastadas da cidade.

Assim fez e depois de uma hora pedalando e sem pressa devido às péssimas condições da estrada e do barro que tomara conta dela após inúmeros dias chuvosos, tornando-a um perigo para aventureiros como aquele padre. Mas aquele espírito aventureiro o deixava aproveitar bem toda aquela paisagem maravilhosa que margeava a sinuosa estradinha de terra batida e repleta de buracos, devido à má administração do prefeito atual. Enfim depois de alguns tombos naquela lama e de ter sua batina toda enlameada de barro chegou à casa de Seu Silva.

Seu Silva era um homem integro, honesto, fervoroso, sistemático, abrutalhado, rude a ponto de uma discussão mais acalorada até mesmo com Padre Damião, quando descordavam de alguma questão, não era de meias palavras, quando queria dizer algo à alguém não era de mandar recado ou amortizar, dizia e pronto, se fosse uma ofensa, então depois com a cabeça mais fria pedia desculpas, mas esse era seu jeito de ser e por mais que tentasse não conseguia muda-lo. Não guardava magoa, desde que o desculpassem sem questionamento, ou a discussão recomeçava novamente e então a coisa ficava mais difícil.

A casa ficava bem na encosta de uma colina, onde morava com suas três filhas e um filho, sendo que todos o ajudavam na lida da pequena propriedade, até as moças trabalhavam e para afirmar isso, aquelas donas de olhos meigos e femininos, de ares serenos, cobiçadas pelos rapazes que residiam nas redondezas, tinham as mãos calejadas, grossas e ásperas como uma lixa.

Entretanto Seu Silva passava por dias difíceis, tristes, pois a menos de dois meses havia perdido sua companheira de anos, quase trinta anos juntos, uma vida dividindo tristezas, alegrias, conquistas, um companheirismo e amor que despertava a inveja de muitos de alma cinza. E por isso Padre Damião foi de encontro aquele homem que anteriormente a morte da esposa era temente a Deus, mas que se afastara da igreja, devido sua insatisfação por Deus ter lhe tirado a amantíssima esposa por isso não cria mais em nada, percebendo seu descontentamento e sua ausência de um mês longe da matriz da cidade é que Padre Damião foi ao seu encontro e de sua família, não queria perder aquelas ovelhas tão preciosas de seu rebanho.

A casa era grande e bem alegre antes da morte de Dona Deolinda, situada na encosta de uma colina e tendo a sua frente virada para uma campina linda e verdejante, ali a casa branca de janelas azuis, se contrastava com aquela natureza exuberante e generosa. As palmeiras imperiais plantadas nas margens da entrada do jardim da casa, as árvores frutíferas ao longo de um pomar imenso, morada de inúmeros pássaros, sendo que de incontáveis espécies, aves de porte médio que se aproximava do curral para se alimentar dos restos de milho, matéria prima da ração do rebanho, e até algumas aves maiores, como seriemas, algumas emas, jacus, trocais, juritis, davam o ar de sua graça ao entardecer. Sempre pelo mesmo motivo. Fome! Alimentavam e depois procuravam por refúgios longe de predadores noturnos, que se porventura as encontrassem antes de se refugiarem se tornavam vítimas fatais, aquela era a lei da natureza, onde os mais fortes sobrepujam os mais frágeis, seguindo a cadeia alimentar. Os predadores não eram vilões, apenas seguiam a lei da sobrevivência, assim como aquelas aves se alimentavam de milho, de insetos, minhocas, as seriemas de cobras, destas havia também seus predadores naturais, por mais que nos choca esse tipo de comentário, não choca tanto quanto a ferocidade do homem, que mata por pura diversão, ou por ódio.

Padre Damião chegou àquela propriedade todo sujo de barro e como já previa foi recepcionado por Seu Silva e os filhos, não havendo muita empolgação na recepção, mas não se importou, pois conhecia os motivos que os levaram a agir tão friamente diante da presença de uma autoridade da igreja. Mesmo que Padre Damião fosse mais que uma autoridade naquela cidade e naquele dia ele não estava naquela casa apenas como um padre, estava ali na condição de amigo da família, e estava ali para levar seu apoio e alento àquela família e aproveitar e tentar provar para eles e principalmente para Seu Silva que Deus não havia levado Deolinda como uma maneira de afrontá-lo, mas sim por ter chegado sua hora, ou até que ao seu lado ela era mais importante do que na terra.

Quando o viriam se aproximar Seu Silva com seu vocabulário rudimentar e grosseiro exclamou:

_Esse padre só pode tê perdido o juízo, como pôde enfrentá toda essa lama? Boa coisa num é!

Mas antes de tocar no assunto ele assim que chegou ali apeou da bicicleta na porteira do curral e a empurrou até a escadaria que dava acesso a casa. A escada tinha uns trinta degraus, o que tornava impossível carregar a bicicleta ao topo, até a varanda, deixando-a exposta a perigos.

Seu Silva ao ver aquela atitude como que querendo dá uma lição no padre inconveniente não o alertou para os perigos de deixá-la ali encostada no portãozinho de acesso à escada. E quando Mauricio quis dizer ao padre que a levasse para o paiol, tomou uma cotovelada nas costelas que o fez perder a respiração, então percebeu que seu pai queria que o pobre padre deixasse seu meio de transporte ali.

Padre Damião encostou a bicicleta na cercazinha de bambu seguro de que ela estava segura ali e começou a subir as escadas, de repente antes mesmo de alcançar o topo da escada onde esperava tomar um copo de refresco, começou a ouvir um barulho medonho que o assustou, embora reconhecesse aquele grunhido. Do nada surgiu uma dezena de leitõezinhos de meia eira na esquina do casarão como loucos, aquela altura o pobre padre nada pôde fazer a não ser pegar com todos os santos, mas de nada adiantou a bicicleta estava bem no caminho dos suínos que a derrubaram como a tudo que encontravam pela frente. Padre Damião que não tinha papas na língua repreendeu os suínos em alto e bom som, com seus costumeiros xingamentos:

_Bicho sem mãe! Bela panela que os persiga! O bicho mal... Bendito sô!

Aquele xingamento fez com que todos rissem, ainda mais depois que o padre proferiu os xingamentos dirigidos exclusivamente aos animais e arrependido clamava a Deus:

_Deus tem de piedade mim, perdoe-me porque pequei. Por favor, não escuta esse pobre diabo que tá com a goela seca e cabeça quente depois de ter pedalado um hora nesta bendita estrada de terra, cheia de buracos e lama, onde se sai de um e cai-se noutro e se suja todo de barro, e ainda nem um copo com água me foi oferecido! Rezava o padre após perceber que aquela foi uma brincadeira de muito mau gosto daquele fazendeiro de mal com a vida, por isso fez questão de dizer que nem um copo com água lhe havia sido oferecido ainda, depois daquela viagem desgastante e cansativa.

Seu Silva percebendo que o padre desconfiava dele, mandou em voz alta que a filha fosse lhe ajudar enquanto mandava Mauricio apanhar a bicicleta e guarda-la no paiol, como Mauricio havia dito antes do trágico incidente com a bicicleta do padre. Este sentado no topo daquela escada, cansado, enlameado, olhava para Seu Silva odiado aquela brincadeira, pensava se por acaso aquela não seria uma maneira de o pequeno fazendeiro expressar seu desejo de não querer a presença do religioso em sua propriedade, mas já que estava ali, iria até o final. Foi então que enquanto se erguia disse ao pequeno fazendeiro:

_E como está você meu filho? Por que sumiu da igreja? Saiba que não é muito bom se afastar por tanto tempo da casa de Deus, pois o diabo adora quando isso acontece e faz o impossível para prender o fiel em casa cada vez mais, até que este se esqueça da infinita generosidade e bondade do pai, para com seus filhos!

_Óia padre! A dispois que minha véia se foi, eu tenho muito que agradecê a Deus não, pois como é que ele pode tirá um ente tão querido de um fio seu? É muita crueldade dele, e isso eu num consigo entendê, de jeito nenhum, por mais que me esforce. Desabafava o velho fazendeiro, com o coração tomado pela magoa e rancor, pela perda da esposa.

Deolinda era uma senhora de aproximadamente uns cinqüenta anos, mas o trabalho diário daquela pequena propriedade era desgastante e talvez por isso sua saúde andasse meio frágil, e como não tinha tempo muito menos paciência para procurar um médico não agüentou e certa tarde ela não resistiu a um ataque fulminante de soluço e acabou por morrer e mesmo que isso parecesse aos olhos dos moradores de Santo Antônio de Minas uma piada Seu Silva não achava a menor graça, pois perderá sua amada companheira de anos. Dona Deolinda, mulher de riso fácil, caráter ilibado, generosidade impar, capaz de deixar de comer se alguém chegasse com fome em sua casa e não tivesse mais nada a oferecer aquela pessoa. Com apenas um metro e cinqüenta de altura, uns cinqüenta quilos, cabelos já grisalhos, com as pontas avermelhadas, queimadas pelo sol, pele igualmente castigada pelos os raios impiedosos do sol onde ficava sob ele dia após dia sem se dá conta do enorme perigo, mas não tinha muito que fazer já que precisava ajudar o marido a arrancar das terras daquela propriedade o sustento da família e o pagamento do empréstimo do banco, feito para aumentar a criação de gado, porcos, galinhas, enfim, tinham que investir para conseguirem algum lucro, mas depois de feito o empréstimo, era preciso trabalhar muito ou a propriedade acabava indo a leilão, mesmo o gerente do banco sendo amigo da família, não podia misturar as coisas ou quem acabaria desempregado seria ele, mas facilitava o quanto podia o pagamento daquelas prestações e nunca cobrou nenhuma dívida judicialmente, o que fazia dele um homem muito querido e admirado por todos da região, não se indispunha com os amigos, talvez por isso todos andavam em dia com suas contas no banco.

Agora o padre era erguido daquela posição incomoda que se encontrava enquanto xingava a todos, inclusive Seu Silva e o filho:

_Como puderam me pregar uma peça dessas, sabia que eu poderia excomungar vocês pelo que fizeram?

_Mas num fizemo nada padre, num dava pra imaginá que esses diabim fosse aparecê agora e correno desse jeito sô! Exclamou Seu Silva quase não contendo a gargalhada que sentira na garganta, tamanha graça que achara ao ver o padre caído no topo da escada, enquanto assistia impotente sua bicicleta sendo atropelada por uma vara de leitões grunhindo como loucos, naquele gramado molhado.

_Ocêis sabe que isso é pecado, num sabe? Perguntou o padre com olhar condenador.

_Nóis num temo nada que vê com isso não padre. Afirmou uma das filhas de Seu Silva, que embora fossem matutas, eram muito bonitas, quatro jovens encantadoras, mas que por causa da criação aplicada pelo pai, quase não saiam da pequena fazenda, apenas para as missas de domingos e em festas religiosas que aconteciam sempre naquele pequeno município e isso antes do falecimento da mãe.

_Eu sei minhas filhas, mas quanto a seu pai... Tenho cá minhas dúvidas! Exclamou o padre desconfiado da brincadeira de mau gosto do fazendeiro.

Já de pé viu quando Maurício levou a bicicleta para o paiol, hora boa pois começava a chuviscar, apenas uma garoa típica daquela época do ano, meados da primavera. Chuvinha fina e constante, fria, fina, que parecia não molhar, mas se persistisse sob ela quando menos percebesse as roupas estavam todas molhadas, por isso ali a chamavam de “chuva de molhar bobo”, pois a pessoa imaginando ser apenas uma garoazinha de nada, não se dava conta que estava molhando e quando sentia uma umidade nas cotas era tarde, a roupa já estava toda encharcada. Mas como Padre Damião tinha pedalado muito estava mesmo com sede e com a garganta seca, e como já não era nenhum garotão, aqueles caminhos já não eram mais tão facilmente percorridos por ele na sua velha e inseparável bicicleta.

De pé ele recebeu das mãos de Rebeca um copo de Suco de Carambola, uma fruta comum naquelas redondezas, seu suco era refrescante e muito delicioso, apesar de ser bastante cítrico. Sentado num banco na varanda daquela casa ele olhava, admirando aquela maravilhosa obra de divina que era aquela natureza vista daquela varanda, então murmurou:

_Como alguém pode acordar e não agradecer a Deus, por esta maravilha!

_Do que cê tá falano padre? Do suco? Indagou Mauricio que acabava de subir a escada.

_Não que o suco de Rebeca não esteja delicioso, mas agora estou me referindo a esta vista maravilhosa que vocês têm aqui da varanda. Respondeu respirando fundo.

Seu Silva mais azedo que uma carambola verde respondeu ironicamente:

_Num tô veno nada de extraordinário, apenas uma chuva que num para de caí e que tá melano minhas verdura tudo, e no mais é só mato, mas nem isso tá dano porá vê já que a neblina vem cubrino tudo. Hãm, esse povo dá cidade é tudo um bando de esquisito, “nossa como é maravilhosa a vista da sua varanda”! Sei não, mas acho que esse povo tá é magano de nóis! Exclamou para surpresa do padre que disse:

_Será que ocê nunca parou para olhar a beleza que tem aqui, que o que vê além das cercas é mais que pastagens, matas, animais, pássaros? Isso é vida meu filho, é natureza, um presente de Deus, mas que para você não passa de um monte de capim, árvores sem importância... Quer saber de uma coisa, deixa isso pra lá! Quero saber como vocês estão, as meninas, o rapaz? Enfim como tem passado? Perguntou o padre interessado no bem-estar de todos e também aproveitando para mudar de assunto.

_Tamo ino, tamo é sentino muita farta da “Diolina”, ela era alegria dessa casa, por isso eu num me conformo! Deus num podia tê me afastado dela de jeito nenhum! Òia é por isso que pra mim, igreja só quando eu morrê, memo assim eu fô levado, porque se dependesse de mim, eu num passava lá de jeito nenhum, me enterrava em quarqué lugá, até memo no meio do pasto aí. Desabafou o fazendeiro revoltado.

Padre Damião o olhou e tomou mais um pouco do suco que estava delicioso. Então indagou:

_E vocês por que não voltaram à igreja? Por acaso pensam igual ao seu pai?

Enquanto as mocinhas se entreolhavam, Mauricio que era tão bruto quanto o pai respondeu:

_Eu penso iguá o pai, se dependê de mim, eu num vorto naquela igreja de jeito manera.

_Este é o exemplo de compaixão e amor a cristo, que o senhor quer deixar para seus filhos? Indagou o padre com um olhar de reprovação a resposta de Mauricio.

_Esse minino, é memo um “Maria vai com as zôta”. Eu nunca pedi pra que ele me acompanhasse pra nada, pois pará de ir na igreja é uma decisão minha e só minha, ninguém tem nada que vê com isso.

_Mas se você não vai meu filho, é claro que seus filhos também julgarão errados irem...

_Isso é um pobrema deze, eu num tenho nada que vê com isso! Interrompeu Seu Silva abruptamente.

_Como não é culpa sua? Ocê larga a mão de ser ignorante sô, será possível que não percebe que serão os seus passos que eles seguiram. Parece uma mula empacada, ô coisa difícil! Retrucava o padre com o rosto, braços, pernas e principalmente a batina, toda respingada de lama da estrada, o que causou riso nas garotas. Ao perceber que estavam rindo dele, Padre Damião disse irritado:

_Já vi que hoje eu num vou embora sem excomungar alguém...

Aquela ameaça fez com que todos ficassem no mais ensurdecedor silêncio e o padre se sentindo um vitorioso prosseguiu:

_Mas será que não vão me convidar para entrar, não vão me oferecer agora um cafezinho com leite bem quente, uns bolinhos de nata para limpar minha garganta e algo para matar minha fome, já que estou faminto devido o esforço sobre-humano que exige a estrada quando se encontra neste estado?

_Gula é pecado padre! Exclamou Vitória, uma das filhas de Seu Silva.

_É, e avareza também! Respondeu o padre sem muita paciência para brincadeiras.

A jovem de aproximadamente uns dezesseis anos, de corpo bem feito, cabelos castanhos, olhos negros, estatura mediana e bem humorada, que h.avia corrido para beijar a mão do padre quando este fora levantado por sua irmã Délia. Esta tinha dezenove anos, mal tinha cursado o ensino fundamental, parando na sétima série, mas inteligente e ávida pelo conhecimento, de todas era a quem mais gostava de lê. Não podia vê um recorte de jornal velho, uma folha de revista com algum anúncio ou mesmo uma fofoca sobre algum artista, qualquer coisa que caísse a mão ela lia e adorava quando descobria algo novo, pois ia correndo contar as irmãs e assim tinham assunto por muito tempo. Délia diferente de Vitória, tinha cabelos pretos e olhos castanhos, rosto bem feito, corpo franzino o que não a impedia de dar duro na roça ao lado de seus pais e irmãos, não havia nada que assustasse, Délia era tímida mesmo lendo muito sempre que chegava algum rapaz na fazenda com pretexto de comprar ou vender algo ela se escondia e não dava “as caras” de maneira nenhuma, nem mesmo sob as ameaças do pai a fazia deixar o interior da casa e ir atender o jovem, que acabava por regressar frustrado já que sua tentativa havia sido frustrada pela timidez da jovem.

Ainda tinha Marlene a irmã mais velha, vinte e cinco anos, cabelos ruivos, olhos esverdeados, embora a pele castigada pelo sol o que não escondia sua beleza, muitos pretendentes surgiram ao longo de sua juventude, mas como era muito retraída acabou por não perceber o tempo passar e assim a solteirisse esconder toda sua viciosidade e juventude, então aquela garota que agora era a mulher responsável pela casa, pelos irmãos e o pai, que andava triste, desolado com a perda da esposa ocupava todo o tempo de Marlene, e assim não se preocupava com casamento.

Havia Celeste a mais jovem e a mais interessada em estudar e a única a fazê-lo, pois os demais já haviam abandonado os estudos, foram a escola apenas para aprender o básico e em seguida deixaram-no como se fosse obsoleto para seu futuro, destas apenas Délia tinha desejo de retomar os estudos, mas como o tempo passava rapidamente ela ia adiando e se demorasse muito chegaria um determinado momento em que não teria mais como retomar seus estudos. Por outro lado havia Maurício, este não fazia questão alguma em estudar, para ele estudo era pura perda de tempo.

_Eu num gosto de estudá memo, isso é para quem num tem mais o que fazê, eu num vô na escola de jeito nenhum. Prefiro passá o tempo tomando uma fresca, a estudá, ficá trancado numa sala de aula, num é pra mim nem.

Sua afirmação deixava bem claro o quanto Maurício deixara de aprender ao longo do tempo que abandonara os estudos, já que preferia uma boa sombra à sala de aula, não sabia o quanto estava perdendo naquela sombra, por melhor e mais fresca que fosse.

Seu Silva não opinava se contentava em dizer apenas que tinha coisas mais importantes para fazer do que pensar se seus filhos gostavam ou não de irem à escola, mas não imaginava que uma boa educação começava na escola e juntamente com uma boa formação profissional e mesmo que gostasse da fazenda, quanto mais estudassem mais poderiam fazer por aquela propriedade.

Padre Damião sabia de tudo isso e quando podia aconselhava os filhos de Seu Silva a retomarem os estudos, mas apenas Délia e Celeste dava importância ao que dizia, embora Délia não se esforçasse tanto para regressar as salas de aulas, sentia-se velha, ultrapassada demais para enfrentar novamente uma sala de aula, tinha vergonha do que as demais crianças mangassem dela e se isso acontecesse se sentiria envergonhada, humilhada, então para evitar tal constrangimento preferia não correr esse risco. Mas como todos se afastaram da igreja, não havia mais como aconselhar, ou saber como andavam as coisas naquela família, por isso precisava fazer aquela visita e este fora apenas um dos motivos que o levou ali naquela manhã chuvosa, além de deixar Dona Judith de cabelo em pé, por não ver o padre sair para sua caminhada matutina.

Agora de pé o padre segurava uma caneca esmaltada com leite e café bem quente, para esquentar o peito e espantar o resfriado.

_Que maravilha, quando somos bem recebido na de casa de fieis tão tementes a Deus como vocês, meus filhos!

Aquela exclamação deixou Délia feliz, mas se conteve e não demonstrou tamanha satisfação, pois em seguida à exclamação do padre, Seu Silva afirmou rudemente:

_Até pode sê maravilhoso o sinhô tomá seu suquim de carambola, seu leitim quente, mas num começa com essa balela de fiéis não, por mode que eu num tô pra suas gracinhas, se veio aqui pra mode me fazê mudá de idéia, pode pegá sua coisa e toma seu rumo de vota...

_Ô pai o sinhô ficô doido? Isso lá é jeito de falá com o padre? Num liga pra ele não padre, ele tá assim desde que a mamãe se foi. Tentava consertar a grosseria do pai, Marlene, mas foi surpreendida pelo padre que disse:

_Num se preocupa não filha, eu sei muito bem como tratar com esses tipos. Mas agora eu preciso me lavar para tirar essa bendita lama, assim que me livrar da imundícia do prefeito eu volto a conversar com ele e se ele me ofender eu ofendo ele também, afinal além de padre eu sou um ser humano e por isso se for preciso puxar as orelhas de velho turrão, eu puxo sem medo algum. Aquela afirmação ao invés de tranqüilizar Marlene a deixou ainda mais nervosa, então pediu que Celeste fosse atrás de Maurício que estava guardando a bicicleta do padre no paiol.

Padre Damião trazia consigo uma sacola grande e dentro desta, duas menores uma com os objetos que usava nas missas ou em ocasiões especiais ao longo de suas visitas, e outra com uma muda de roupa, ou seja, uma batina. Pegou aquela onde trazia a batina e rumou para o moinho de fubá, como era movido a água ali tinha uma bica enorme com abundancia de água,não quis aceitar o convite para se lavar ali mesmo. Embora fosse um banho de bacia ou no balde nada muito confortável, mas ao menos a água estaria quente o que podia evitar de o padre pegar uma gripe, quiçá uma pneumonia. Mas teimoso como uma mula, dispensou de desceu rumo ao moinho, enquanto seguia para a tal bica d’água, Celeste se aproximava do paiol, foi quando ela escutou um enorme barulho, parecia até que o telhado estava desabando. Correu preocupada com o irmão, mas ao empurrar a porta do paiol com toda sua força teve uma surpresa. Maurício estava todo enrolado em cordas, selas e arreios de animais, cabrestos, arames farpados, balaios, cachos de bananas, e para piorar as coisas o farelo de algodão que estava sobre o jirau tinha derramado todo sobre ele. Aquele pó amarelo lhe cobria todo o corpo, ao vê-lo naquele estado num canto do paiol ela deu um grito de pavor, ele estava medonho, estava de causar medo, mas quem estava todo doido e aterrorizado era Maurício que tentava se levantar, mas a bicicleta o prendia nas tábuas do paiol, vendo aquilo Celeste lhe perguntou intrigada:

_Como foi que ocê conseguiu esta proeza? Como pode se prender numa bicicleta sozinho? E o que é pior...olha seu estado? Ocê tá imundo, parece que descarregou uma tonelada de farelo de algodão, meu Deus se o pai vê um troço desse ele arranca seu coro! Exclamou Celeste com a mão cobrindo os lábios, pois estava a ponto de explodir de rir e quando Maurício percebeu logo ameaçou:

_Se ocê ri de mim, te dô uma surra de cabo de cabresto, que ocê nunca mais vai esquecê!

_A vai? Então ocê se vira sozinho seu grosso, sem educação. Porque o pai tá te chamando lá dentro agora.

Terminou Celeste ia se virando quando ouviu o irmão desesperado:

_Descurpa eu mana, sabe que ninguém pode toca num fiapo do seu cabelo, num vai eu bobo de fazê uma bobage dessa num é memo? Então esquece o que eu falei e diz pro pai que fui tomá banho de cachoera, num queria vê o padre mais não...

_Ocê foi tomar banho de cachoeira com essa chuva, sei! Exclamou Celeste com a falta de criatividade do irmão.

_Ajuda eu irmã, eu prometo te levá na missa de sábado, escondido do pai, mas ocê tem que me ajudá, diz pra ele que eu fui atrais de uma vaca, ou que fui pra roça, num sei, ocê que a inteligente da casa ocê sabe o que dizê pra ele, mais num dexa ele vim pra essas banda não por favô! Implorava Maurício.

_Tá bom, vou ver o que posso fazer, mas ocê fica me devendo essa, heim? Lembrou a irmã.

Assim que Celeste regressou a casa seu pai sentado numa cadeira de bambu trançado, calça regaçada até altura da canela, pés descalços, unhas enormes e sujas, sendo que algumas eram tortas, devido as incontáveis topadas que dera por andar sempre de pés no chão, isso fazia com que a pele de seus pés se tornasse dura e grossa, quase como o solar de um sapato, assim ele perguntou impaciente:

_Onde tá o traste do seu irmão? Vai vê aquele imbecil se meteu em arguma confusão, é impressionante, mas a gente num pode virá as costas pra ele um instante que lá tá ele fazendo bestera, é uma atrais da outra, ô bicho!

_Eu procurei por ele no paiol, no chiqueiro, no curral, mas não vi jeito dele não, talvez ele tenha ido fazer companhia ao padre, ou buscar os bezerros na manga, pois já tá na hora. Mas não se preocupa não, daqui a pouco ele aparece, afinal está quase na hora do almoço e aquele lá para comer...

_Num fala assim do seu irmão não menina, ele meio atolado, mas é um bom garoto e é meu braço direito aqui, assim como todas ocêis, só eu posso aponta os defeitos dele. Interrompeu Seu Silva a conclusão de Celeste.

Enquanto isso Padre Damião chegava à bica d’água, a chuva que caía fina e mansa como uma garoa, agora engrossava um pouco fazendo com que o padre apressasse o passo rumo ao moinho, onde esperaria aquela mangada passar. Assim que se aproximou do moinho percebeu que a porta não estava trancada a chaves, apenas com um trinco feito artesanalmente, aquele trinco era feito de arame grosso e uma aresta presa ao batente, assim era só puxar a porta que tinha o arame prezo em si e prende-lo a aresta no batente e assim a porta ficava fechada por fora e como não tinha perigo ladrão qualquer um que fosse olhar se o fubá estaria moído não precisava se preocupar com chaves. O padre puxou a porta e a destrancou, entrou e enquanto se livrava da batina pensava no quanto àquela água estava fria, mas não podia desanimar, pois estava de lama dos pés a cabeça. Esperou uns dez minutos e percebendo que aquela a chuva não diminuiria e por outro lado sua fome aumentava significativamente pensou; o jeito é encarar essa água mesmo fria como está, seja o que Deus quiser, e não esperou mais. De ceroulas saiu do moinho e foi para a bica onde tomaria seu banho.

Primeiro colocou uma das mãos debaixo da enorme cachoeira que tornara aquela bica devido ao aumento considerável do volume d’água que descia devido a chuva, assim que levou a mão debaixo da bica espirrou água para todos os lados e o molhou sem que esperasse. O padre muito boca suja logo começou a esbravejar:

_Saí Demônio esconjuro-te, êta água mais fria sô! Eu tomar banho nessa fria como gelo? De jeito nenhum! Exclamava.

Mas não tinha outra opção já que havia abdicado do banho quente, por ser tomado num balde ou de bacia, então o jeito era encarar aquela água mesmo fria como estava. Enfiou-se debaixo daquela bica e esbravejava com um louco:

_Êta coisa dos infernos, sai demônio! Ordenava e voz alta. Deus é maior! Não e abandone senhor, confio em ti e nada pode contra o senhor. Clamava aquele pare imaginando estar sozinho naquele fim de mundo.

Maurício que se aproximava da bica d’água parou por um instante e ao ouvir o padre enlouquecido embaixo daquela cachoeira de água amarelada devido a enxurrada que descia, se pôs a ouvir o que padre dizia, e de onde estava tinha uma visão privilegiada. Quando o pobre padre entrava debaixo da bica a força da água lhe arrancava a ceroula e este com os olhos cheio de sabão tinha que se abaixar e segurar as ceroulas ou acabaria nu ali, Maurício muito moleque apesar dos seus vinte e um anos, ao vê o padre naquela situação comprometedora saiu em disparada com a mão cobrindo a boca para que padre não pudesse ouvir suas gargalhadas, embora a água caísse como enorme força ele até que ergueu a cabeça rumo ao trilho que levava aquela bica, mas logo ignorou sua desconfiança, pois não avistara ninguém e julgava absurdo que alguém fosse lhe espiar tomando banho, afinal era um homem santo e tinham que respeita-lo, até porque se visse alguém lhe espiando era capaz de arrumar uma briga sem tamanho chegando as vias de fato, pois como sempre fazia questão de afirmar; “antes de ser padre sou um homem e como tal exposta cometer pecados, por ais absurdo que possa parecer”. Por isso era muito respeitado e até mesmo temido por muitos ditos valentes da região, sua palavra era tida como ordem, embora fosse discreto na presença de seus fieis, não querendo dá mal exemplo.

Enquanto o padre terminava de tomar seu banho a duras penas, tremendo como uma vara verde solitária na capina subjugada pelo vento de inverno, passou a mão numa toalha e em seguida ao si enrolar correu apressado par o moinho onde estaria longe do frio que sentia. Naquele mesmo momento um meio quilometro mais ao norte dali Maurício mal conseguia parar de pé de tanto rir, corria por medo de alguém vê-lo rindo tão escandalosamente e se isso acontecesse teria que si explicar, mas o que diria? O poderia ter acontecido de tão engraçado que o fazia rolar no capim molhado de tanto rir? Não teria com se explicar, por isso corria rumo a cachoeira longe de tudo e todos, ali poderia rir por horas, sem temer que alguém pudesse lhe achar.

Mas o jovem não estava em melhores condições que o padre que estava a ponto de perder as ceroulas debaixo daquela bica. Aquele pó de farelo de algodão, amarelo e viscoso, em contato com a água foi se transformando numa espécie de lama que lhe escorria pelo rosto, a camisa que já era das melhores ia sendo impregnada com aquela lama, o calção estampado já surrado, remendado pano velho estava próximo de deixá-lo na mão, e como não gostava de usar cuecas se isso acontecesse seria difícil retornar para casa, nu? Ah, tomaria uma surra que não esqueceria tão cedo, pois além de rude, Seu Silva era muito rígido na educação de seus filhos, e como Maurício não teria uma boa explicação para aquele ocorrido, era muito provável que apanhasse de cinta ou de relho. Ainda mais se contasse a verdade, estria mesmo perdido!

Depois de ultrapassar uma pequena restinga de floresta deparou com a cachoeira, esta era de beleza inigualável, a água despencava de uma altura de quinze metros sem tocar numa pedra e caia na imensidão escura que era aquele poço, pois como as pedras eram pretas a água que parecia negra e era devido os micros organismos que descia das matas ciliares ao longo do ribeirão, mata protegida por Seu Silva, que não admitia que ninguém tirasse uma espécie de planta daquela mata, era intransigente quando o assunto era a parte de quinze quilômetros de mata ciliar dentro da sua propriedade, dizia ser seu maior bem.

Maurício rolava nas pedras lisas que rodeavam o poço, não conseguia parar de rir ao se lembrar do padre tomando banho na bica d’água, por isso não se lembrava do porquê de está ali, em determinados momentos parecia que passaria mal de tanto rir. Mas não demorou muito e o que saia de seus olhos eram lágrimas do ardor do farelo de algodão que misturado à água transformou-se numa ama e escorreu para os seus olhos os fazendo arder como e tivessem entrado em contatos com pimenta, foi então que se deu conta que estava sujo côo um porco e que estava ali para se lavar.

Maurício já sem fôlego de tanto rir, enfim conseguiu ficar de pé, o garotão de vinte e um anos era branco e gigantesco pesando aproximadamente uns cem quilos de pura massa muscular, apesar da pouca capacidade intelectual, seu corpanzil bem desenvolvido era completamente coberto por pêlos aloirados, quase lembrando um urso polar, a pele não era branca, mas sim queimada pelos raios do sol o que lhe dava uma aparência estranha e assustadora, seu apelido na cidade era: “Alemão”. O que lhe irritava e se pronunciado na sua frente era motivo de briga na certa, por isso só debochavam dele quando não estava e se alguém denunciasse a negativa era prontamente reproduzida já que ninguém gostaria de enfrentar aquele jovem forte como um touro, um urso.

Assim que sentiu os olhos ardendo, levou a mão ali e percebeu a meleca que formava no seu rosto e em todo o corpanzil, ergueu-se daquelas pedras e retirou a camisa de abotoar, uma peça de roupa não muito adotada por jovens, as que para ele não fazia diferença, como não ia na cidade ninguém sabia se era interessado em alguma garota e se fosse seria muito difícil que esta se interessasse por ele, pois além de tosco, era desleixado e não demonstrava nenhum interesse em mudar.

Assim que se livrou daquela camisa imunda se atirou no poço de águas profundas, a cachoeira fazia um barulho ensurdecedor e não dava para ouvir mais nada a não ser o barulho produzido por suas águas se chocando com as águas do poço. Ali ele nadava de um lado ao outro e como era um exímio nadador não demonstrava dificuldades em ir e vir várias vezes, hora com o rosto na água, hora com o rosto fora d’água e assim repetia, de repente parou num ponto mais raso onde á água dava no seu peito e ali começou a se esfregar,tentando se livrar daquele pó grudento que parecia cola. A água estava fria e isso o fazia agir com rapidez e não demorou muito naquele show particular e privado de natação, assim que percebeu que havia se livrado daquela lama saiu do poço e se jogou na pedra, fitando o céu nublado daquele final de manhã, seus pensamentos eram indecifráveis, os pingos da insistente chuva batiam em seus olhos que tinha que ser fechados ou cobertos pelas mãos. Após descansar uns dez minutos sentou-se e em seguida se pôs de pé, parecia que sentia que era hora de ir para casa, sentindo que a hora do almoço se aproximava. Talvez fosse nisso que tivesse pensando quando olhou para o céu, talvez procurasse pelo sol para se guiar e assim saber das horas, um dos muitos hábitos interiorano, aquele de prever as horas se guiando pela posição do sol.

Debruçou mais uma vez sobre as águas daquele poço e deu uma esfregada na camisa na tentativa de conseguir limpá-la nem que fosse um pouco, ou deixá-la menos suja. Em seguida aquela tentativa frustrada de lavar a camisa, a jogou no ombro e pegou a trilha de volta para casa. Primeiro teria que atravessar a mata ciliar que estava ficando densa a cada dia mais, depois o campo de pastagem das vacas leiteiras, não demoraria muito e chegaria à manga dos bezerros e depois no curral e mais adiante estava já defronte a casa. Da janela da cozinha Celeste viu quando Maurício atravessava o curral, como seu pai estava na cozinha esperando que Marlene, Délia e Vitória terminassem de preparar o almoço. Então Celeste saiu bem de mansinho e foi até a varanda da sala, pois conhecia bem os hábitos do irmão e como não era de todo parvo, quando estava chovendo como estava e as proximidades da casa era um barro só, sabia que ele sempre entrava na casa pela porta da cozinha, não entrava na sala, tampouco nos quartos, não gostava de sujar o que as irmãs tinham trabalho para deixar limpo. Assim que chegou na varanda discretamente acenou para Maurício e indicou a ele que entrasse na casa pela porta da sala. Embora não fosse muito esperto entendeu o que acenava para ele e seguiu o conselho da irmã e entrou pela porta da sala e sem titubear seguiu para seu quarto e trocou a roupa e em seguida rumou para a cozinha, onde além de prepararem o almoço, estavam às voltas com Padre Damião que envolvido num cobertor tomava um leite queimado com açúcar, afim de se aquecer, pois estava quase quebrando os dentes que chocavam um no outro, pois batiam como castanholas nas mãos de uma bailarinas. Após tomar o leite queimado com açúcar já se sentia melhor e assim pôde retirar o cobertor que o envolvia, naquele momento o almoço estava quase pronto e Seu Silva reclamava:

_Num sei pro mode que um armoço simplório como esse pode atrasá tanto assim, ainda mais tano só nóis aqui?

_Calma pai, tem levar em consideração que hoje o Padre Damião vai almoçar com nós! Interveio Délia simpaticamente, que ouviu do pai mais uma grosseria:

_E desde uando que Padre Damião é visita? Além do que ele come quarqué coisa, tá prercupado memo é de enchê a pança!

Aquela afirmação era para ter deixado Padre Damião irritado e ofendido, mas ele apenas respondeu:

_Vejo meu filho que você está muito precisado de ouvir e estar próximo à palavra de Deus, porque um homem quando passa muito tempo sem ouvir a palavra de Deus, acaba amargo, duro, e impertinente. Afirmou o padre.

_Eu já falei que essas palavra num me comove mais, tô cheio de escutá que Deus é isso, que Deus é aquilo, e ninguém me explica o porquê dele tê tirado minha patroa! Uma pessoa boa, generosa, solidária, incapaz de fazê má a uma mosca, mas que Deus me tirô, então como posso tê fé? Aquela indagação, embora incrédulas, eram afetuosas e compreensíveis, já que ele amava demais sua esposa, amava tanto que sentia raiva por Deus ter lhe tirado sua amada.

_Tudo bem pai, mas agora vamos almoçar! Disse Marlene, que prosseguiu:

_Aqui está seu prato padre, pode si servir!

_Obrigado, não vou fazer hora não, afinal já não mais tão cedo e confesso que estou faminto!

_Isso pra nóis num é nenhuma novidade não sô! Interrompeu Silva com sua ironia de sempre, pois não perdia uma oportunidade de alfinetar o padre, lembrando-o de seu gigantesco apetite.

Almoçaram em silêncio depois de o padre fazer um oração em agradecimento aquele alimento, fato que não ocorria já a quase dois meses, ou para ser mais exato, desde o falecimento de Dona Deolinda. Não por acaso é que Seu Silva apenas ficou e silêncio não acompanhando o padre na oração, que dava início rezando um “PAI NOSSO”.

_”Pai nosso que estais no céu, santificado seja vosso”...

Maurício no meio da oração interrompeu o padre e perguntou a seu pai?

_Ô pai, pro mode que hoje nóis tem que rezá? Eu já tô mortim de fome, num sei consigo esperá o padre acabá a reza não!

_Cala a boca sua topera! Interpelou rispidamente Seu Silva, sabendo que o padre iria lhe cobrar aquele ato de incredulidade e ingratidão, pois como podia se sentar à mesa para si deliciar com o alimento dado por Deus, sem ao menos fazer uma singela prece em agradecimento. Porém mais furioso o padre ficaria se fosse interrompido novamente, então começou novamente a rezar em agradecimento ao alimento:

_”Pai nosso que estas no céu, santificado seja o teu nome, venha o nós o teu reino....

_De novo? Indagou Maurício.

_Cala a boca sua besta! Interpelou o pai agora estupidamente.

_Dá pro ceis dois parar, e dexá o padre agradecer a Deus pelo alimento farto que temos à mesa? Questionou Marlene asperamente, num tom de ameaça aos dois que não deixava o padre fazer a prece de agradecimento.

Padre Damião a beira de uma crise nervosa, já irritado com a insistente interrupção de Maurício e seu pai que também o atrapalhava para chamar a atenção do filho, não sabia onde retirava forças e paciência para reiniciar por quatro vezes sua prece, mas com a ajuda de Deus não se deixou tomar pela fúria e fez a prece com a ajuda das quatro moças. Após o término da oração agradeceu a Deus e se sentou para almoçar.

Seu Silva e o filho já engoliam aquela refeição com se a muito não soubessem o que era um prato de arroz com feijão, mas não repetiram, comiam depressa, mas apenas uma vez, em seguida ao almoço, um bom naco de queijo e outro de goiabada, ou doce de leite pastoso servido no prato e se davam por satisfeito. Já padre Damião, comia com extrema educação, bem devagarzinho, sem pressa alguma se deliciando com cada mastigada que dava para triturar o alimento antes de ingerir-lo, mas só se levantou daquela mesa farta após repetir e em seguida de um bom prato de doce de leite pastoso com uma grande fatia de queijo, como sabre mesa.

Após o almoço sob os comentários maldosos de Maurício e Seu Silva, que falavam do gigantesco e conhecido apetite do padre, Padre Damião pôde enfim dá início a sua conversa e tentativa de convencer aquele homem a retornar a igreja. Então disse a Seu Silva:

_Como já sabem, não me desabei lá da cidade até aqui apenas por esse delicioso prato de almoço, que diga-se de passagem estava divino. Vim com o intuito de conversarmos sobre suas queixas e fazê-lo enxergar que Deus nosso pai, tinha uma missão maior para sua esposa quando a tirou de seu lado, e sabia que iria se esforçar para suprir a falta que ela faz, não para você, mas para seus filhos! E tenho certeza que de onde ela estiver ela está vendo o quanto você está se esforçando. Mas há algo que com certeza ela não está aprovando, isso eu posso garantir...

_E o que pode sê padre? Já o sinhô memo pode vê que faço o mió que posso, venho me desdobrano pra dá o mió de mim, para os menino, e óia que num é fácil se pai e mãe de uma vez só, pois nem sempre a gente sabe o que dizê! Ainda que tenho quatro menina moça! Exclamou Seu Silva de guarda aberta pela primeira vez, desde a morte de sua esposa.

Padre Damião amigavelmente segurou a mão calejada daquele rude, e ao mesmo tempo delicado homem e o disse:

_A única coisa que Deolinda, sua esposa querida a desaprovar era o fato de você ter se afastado e afastado seus filhos da igreja. Isso ela certamente não aprova, pois era muito fervorosa e mulher temente a Deus!

_Mas por que Deus me levô ela, memo ele sabeno que eu num ia consegui sozim, sem ela pra e ajudá? Indagou aquele homem com marcas visíveis de dor na face e pela primeira vez demonstrando sua dor.

_Deus sabe o que faz! De certo que ele tinha algo mais importante para ter levado sua esposa, por isso não cabe a nós julgar os desígnios de Deus e sim acata-los! Respondeu o padre com firmeza.

Conversaram por um longo tempo na sala, enquanto na cozinha Délia, Marlene e Vitória, arrumavam a cozinha e Celeste fazia seus deveres no quarto e Maurício, a este de certo que estava vagabundeando ao redor da fazenda, a espreita de alguém querendo invadir aquela propriedade, ainda mais em dia chuvoso e água suja. Aquela era uma ocasião especial para pescar no ribeiro que cortava as erras da fazenda, mas ele vigiava e não deixava que ninguém pescasse ali, era capaz de botar qualquer u para correr dali, não importando quem fosse.

_Meu filho, sei que você tem um bom coração, por isso vim te pedir que não deixe que você e seus filhos se afastem da igreja, pense que um homem sem Deus no coração, é um homem de oração vazio. Insistiu o padre rogando a Deus que o tocasse com o espírito santo e abrandasse sua amargura e rancor.

Foi então que como que por um milagre Seu Silva chamou as filhas e disse com a voz embargada de emoção:

_Eu tava conversano aqui com o padre e ele me convenceu de que vai sê mió pro ceis continuá indo na igreja, mas espia só. Se ocêis me aprontá arguma, eu prendo ocêis tudo na dispensa e deixo o atolado do Maurício tomano conta da chave e ocêis sabe muito bem onde aquele lá anda com a cabeça, é capaiz que em menos de um mês ocêis morre tudo de fome e sede, pro mode que ele é capaiz de esquecê ocêis quatro lá e ir fazê outra coisa. Tamo entendido?

Perguntou o fazendeiro com firmeza na voz.

_Sim senhor, pode deixar pai a gente não vai desapontar o senhor não! Afirmou Marlene a mais velha e portanto responsável por todos.

Eram por volta das quinze horas e depois de tomar um café reforçado Padre Damião estava pronto a tomar a estrada de volta para casa e com a sensação de dever cumprido. Antes portanto ouviu a confissão de todos, menos Seu Silva e o filho Maurício, sendo que o segundo era um cabeça dura só fazia o que pai fizesse, uma maneira de agradar o pai e assim não o deixava sozinho, estava sempre do seu lado.

O Alvoroço na Cidade! Capítulo II

N

A cidadela havia muita especulação sobre onde o pai teria ido, e por mais que Dona Judith perguntasse à Dona Chica sobre a saída de Padre Damião era em vão, pois ela não falava assim como padre havia pedido, o que aumentava ainda mais a curiosidade da cidade.

Dona Judith se coçava de tanta curiosidade e por mais que perguntasse Dona Chica não dizia e isso só fazia aumentar a curiosidade dela e de todos, que já cogitavam a possibilidade de reunir alguns voluntários para saírem à procura do padre. O alvoroço tomava conta de todos, Seu Paulo homem religioso, temente a Deus e da igreja e devoto de Santo Antônio, era quem conduzia a busca, estava a frente não só por um católico fervoroso, mas por ser amigo pessoal de Padre Damião, se conheciam desde a primeira missa celebrada naquele município onde ajudou o ainda jovem padre a quebrar algumas convenções e tradições antiquadas, não sendo muito bem quisto por aquela comunidade por ter substituído o antecessor dele, que era muito querido por todos. O substituiu por está com idade avançada e já não podia arrebanhar suas ovelhas ao longo do município e a igreja percebendo isso decidiu enviar Padre Damião àquele município, por ser este jovem e repleto de sonhos e ideais, o padre ideal que arquidiocese procurava para enviar àquele município e assim arrebanhar suas ovelhas desgarradas, o que não seria fácil, mas sim um desafio àquele padre.

Como em todo pequeno município, Santo Antônio não era diferente, os moradores eram muito conservadores, e qualquer mudança por menor que fosse trazia grandes conflitos, estes sendo freqüentadores da igreja acabavam por aceitar ou rejeitar o sacerdote designado pela diocese e se fosse preciso se reunirem e envia cartas, manifestos, não só a diocese, mas ao vaticano se julgasse necessário, o fariam. Embora muito dificilmente recebessem resposta do Pontífice, por este ser um homem muito ocupado com as obrigações e deveres da igreja.

Aquele homem de aparência rude, barba grisalha, voz rouca, cabelos igualmente grisalhos, olhos castanhos, baixinho, pouco mais de um metro e meio de altura, corpo franzino,mas um bom interlocutor, assim era ele quem comandava a multidão que estava disposta a seguir suas ordens sem questionar. Aguardavam ansiosos pela ordem de saírem em busca do padre, já havia mais de dez horas que saíra de casa e como Dona Chica não dizia onde o padre tinha ido se fazendo de desentendida quando era questionada, apenas seguindo as ordens do padre; que havia lhe dito que só revelasse seu destino se acaso escurece sem que ele tivesse retornado, pois como não abria mão de rezar no alto falante da igreja às dezoito horas, se isso acontecesse era bem provável que tivesse lhe acontecido algo pelos caminhos desérticos daquele municípios, aí sim podia dá o alerta e assim os fies se ocupariam de procura-lo. Mas era pouco mais que quatro da tarde ela ainda não via razão para revelar seu paradeiro e tranquilamente seguia limpando, varrendo a calçada defronte a casa paroquial e mesmo alguns dos moradores julgando sua atitude suspeita já não dava muita importância, pois para muitos do alto de seus sessenta anos já começava a caducar, por isso já não era mais confiável, assim tanto podia saber, como não podia saber do desaparecimento do padre, mas ela sabia muito bem onde seu padre estava e mais lúcida que muitos jovens, davam andamento no seu serviço, já pensando no que faria para o jantar do padre; se uma sopa, ou uma canjinha? À noite o padre não gostava se alimentar de comidas pesadas, como massas, arroz, feijão, carnes vermelhas, enfim tudo que era de difícil de digestão ele evitava e como Dona Chica tinha mãos de fada na cozinha, qualquer coisa que ela fizesse se tornava um manjar e Padre Damião se fartava e logo após o telejornal, e de fazer suas orações, tomava uma caneca de chá digestivo e dormia feito um anjo.

_Dona Chica, será que a sinhora num sabe memo onde o padre se enfiô?

_Claro que não! Pro mode que eu haveria de escondê? Respondeu séria a pergunta de Soares, homem forte na política de Santo Antônio e na região, além disso tinha influência em outros setores. Pois muitos iam atrás dele quando precisavam de conselhos e como havia construído sua reputação devido sua maneira de ser e agir, não podia decepcionar seus admiradores, então decidiu que sairiam a procura de Padre Damião.onde quer que estivesse.

_Cheguem pra cá um muncadim pessoá! Nóis precisa de dividi em grupo as pessoa que vai ajudá na procura do padre, assim fica mais fácil e o grupo que encontrá o padre dá um jeito de avisar os demais. Explicava quando foi interrompido por um expectador.

_Mas como a gente faiz pra mode avisá?

_Boa pergunta, argúem tem uma idéia? Perguntou Seu Paulo querendo ouvir idéias que pudessem ajudar naquele momento.

Então alguém em meio aquela multidão respondeu:

_Porque cada grupo num leva uns dois foguete e quando encontrá o padre solta os rojão!

_É, pode ser uma boa idéia, alguém tem mais alguma? Continuou o homem querendo optar pela melhor idéia, mas o que se ouve após a idéia de soltar os rojões foi um intenso burburinho, que levou Seu Paulo dizer:

_Se todo mundo tá de acordo, eu também acho que é uma boa idéia, mas quando isso acontecer escolhe bem o lugá, pra mode todo o vale escutá.

Assim aquela pendenga resolvida era hora de dividir os grupos, a divisão seria fácil o total de pessoas divididas entre as saídas de Santo Antônio que ao todo eram quatro e como eram trinta voluntários, dois grupos sairiam com sete e dois com oito e assim seguiram rumo aos distritos ao longo de Santo Antônio. Mas ainda tinha um problema, assim que ganhassem as estradas que ramificavam o município, as entradas e saídas de acesso a outros distritos aumentavam e então teriam que decidir o que fazerem, si se dividiram em grupos menores ou se optariam por um daquelas estradas e assim jogassem com a sorte. Como o tempo passava depressa não havia como discutir o que fariam, qual a melhor opção e já era por volta das cinco horas da tarde e a noite não tardaria, teriam uma ou duas horas de claridade antes do cair da noite.

Tudo pronto e quando iam partir, todos prontos, ouviram um barulho de lata batendo, quando ergueram os olhos era Padre Damião que adentrava a cidadela e percebendo aquele enorme alvoroço, ele na sua magrela todo enlameado, foi abordado por todos que queriam saber onde tinha ido, mas como estava cansado, não quis conversa e até esbravejou com todos devido ao excesso de perguntas e curiosidade daqueles fieis e curiosos:

_Mas num é possível que ocêis num tem mais o que fazê do que ficá tomando conta da vida dos outros, gente, espia só onde ocêis chegô. De quem foi a idéia dessa busca? Não! Não! Num precisa nem dizê! Porque uma idéia estapafúrdia dessas só pode ter saído da cabeça vazia de Dona Judith. Olha, eu vou te dizer uma coisa, a senhora ainda vai botar fogo nesta cidade, a senhora é um perigo! Exclamou o padre e logo em seguida seguiu direto para a casa paroquial, queria tomar um banho antes de ir para igreja rezar a Ave Maria, como fazia todas as tardes e não seria aquele absurdo que encontrara na praça que o faria mudar sua rotina e esquecer seus deveres de sacerdote.

Assim o fez as dezoito horas em ponto o sino da igreja tocou e em seguida uma linda canção ressoou da capela e em seguida a musica o padre rezou a Ave Maria. Depois o sacristão noticiou alguns acontecimentos que estavam por acontecer e em seguida foram se preparar para a missa das sete horas.

Padre Damião assim que se livrou daquela multidão aglomerada na praça defronte a casa paroquial, e ia entrando na casa olhou de relance para Dona Chica com um imperceptível sorriso nos lábios, pois estava satisfeito com o resultado da lição que deram em Dona Judith, por ser ela muito bisbilhoteira e enxerida, esperava que ela tomasse jeito e parasse de bisbilhotar a vida dos cidadãos de Santo Antônio.

A missa terminou e quando Padre Damião ia saindo da igreja rumo a casa paroquial ouviu uma voz estridente a lhe acusar sem meias palavras:

_Ocê pensa que eu sô arguma boba, que acreditei no que o sinhô falô lá na praça? Num acreditei não, pois sei que foi só pra enrolá esse povinho que se dexa embromá por uma meia dúzia de palavra doce que o sinhô sorta, pra engabela eze...