Casado-Hj-28

Pensei em parar de procurar o Príncipe Encantado virtual. Estou cansada de escrever “nicks” atraentes, na verdade, desisti de quase qualquer coisa nas salas de bate-papo. Foram anos de buscas,

protegida pelo frio vidro do monitor. Queria sempre passar algum calor para aqueles com quem conversava. E até conseguia na verdade, pois me entregava. Por vezes até acreditei que sentia algum calor de volta.

Conversei com todo tipo de homem. Até com mulheres que se passavam por homens. Aproximei-me; não houve uma ligação, um encontro. Houve sexo. Nada de mais vantajoso. Não para mim.

Eles: muitos tiveram a satisfação do encontro, o prazer do carinho, a certeza do colo. O beijo proibido fora do casamento.

Era excitante, creio. Era desafiador manter uma relação por 40 minutos e fazê-la eterna.

Um segundo encontro? Impossível. Era tão fácil encontrar novidades nas salas dos sites por aí... Tudo bem, estou exagerando. Algumas vezes houve um segundo encontro e, bastava um princípio do lampejo da idéia da possibilidade de um namoro. Pronto! Suficiente para que tudo acabasse num gélido adeus.

Quantas vezes me vesti sozinha naquele quarto de motel? Dez? Quinze vezes? Nem sei e tenho medo de ter certeza. Aquela imitação dos Girassóis de Van Gogh, na parede do banheiro, era simplesmente decepcionante. Quantas vezes eu tive este sentimento? Dez? Quinze vezes? Nem sei. Queria não voltar a ter mais esta impressão de vazio.

Tenho raiva de mim mesma por ter sido tão boba. Por ter me deixado levar pelo toque, pelo abraço, quando fechava os olhos e me sentia desejada, única e exclusiva.

Outro dia, depois de um fora monumental fiquei muito chateada, triste mesmo. Fiquei horas tentando entender o que não se podia. Eu mesma já havia dispensado pessoas e oportunidades antes, sem ao menos entender muito bem o que fizera. Então não poderia entender o que se passava na mente de alguém que, acumulando troféus pela internet, resolveu desligar o celular na sua cara. Amores virtuais são assim mesmo!

Naquela vez, após muito não entender, tive um peso retirado de cima de minha mente. Percebi que sofria porque tinha a impressão inconsciente de que fora usada pelos homens “inescrupulosos”, sedentos de experiências sexuais tão intensas quanto efêmeras. Mas esta não era a verdade plena. Eu também fazia parte do jogo. Deixei-me levar [no mínimo]. Não sofri coação. Poderia ter evitado cada um daqueles relacionamentos. Mas eu quis vivê-los. Quis sentir cada um. Deliciei-me ouvindo e fingindo acreditar em cada mentira: o dono de posto de gasolina, o empresário do aço, o cantor de bandinha de rock do colégio...

No mesmo bar supostamente insuspeito, que nos levaria ao mesmo motel igualmente insuspeito, eu ouvi a todos atentamente, no prelúdio de cada relação. Bebia do mesmo copo que cada um, atuando de forma espontânea e aberta. Aceitava o cheiro insuportável dos perfumes e cigarros baratos; das cuecas novas, especiais para aquele momento. Lutei para não me apaixonar mais de dez vezes. Forcei-me apagar os números da agenda para não correr o risco de ligar “distraidamente” para nenhum deles. As esposas poderiam atender ou os filhos ou eles próprios.

Hoje mantenho apenas um amigo-amante, por assim dizer. Ele é doze anos mais novo que eu. Está no ápice da confiança e da ilusão de que é um bom amante. Tenho-o mais como um amigo, um quase confidente. Digo que é quase confidente porque ele não sabe que sou casada, por exemplo. Até acho que se hoje ele ficasse sabendo, não iria embora. Ah! Falando assim até parece que o possuo, como se mantivéssemos uma relação palpável. É... palpável não é uma boa palavra.

Ele é jovem. Sem compromisso. Parecido com todos os outros, mas diferente em algo que não sei o que é. Sinto paixão nele... E por ele. Sinto sentimento. Às vezes, quando estamos juntos, percebo que poderia dar certo entre nós. Ele me abraça com tanto carinho, com tanta força; com tanto amor e solidez. Isso! Ele seria um bom homem para mim. E eu seria a esposa mais fiel...

Uma ligação! Ele tem o único número de telefone que preservei.

Tentei diversas vezes. Sempre a mesma mensagem de telefone desligado ou fora de área de cobertura.

Conferi infinitas vezes o número.

Liguei mais ainda. Nenhuma resposta.

Talvez ele esteja na net.

Interruptor... Botão... Clique... Login... Nick... Senha.

Mesmo apelido pra facilitar: [Eudora].

Mas onde estaria meu “Morpheus”?

Mensagens monossilábicas corriam a tela.

Novas mensagens estéreis.

Hum? [Casado-Hj-28 entrou]

Talvez seja interessante pra matar o tempo...