O Quadrado Mágico

A luz vaga e imprecisa penetra pela janela em traços de poeira. Um leve som no ar, junto aos primeiros pássaros da manhã. A luz serpenteia pela mesa e seus papéis promocionais e atinge meu olhar em uma lágrima. Um passo dado. A porta se fecha.

Meu olhar se detém na parede vazia. Imagino um quadro que retrata a cortina de lembranças. Em um instante, visualizo uma foto a colorir aquela mesma lágrima. Me aproximo e contorno a face da menina que se transforma neste momento. De algum modo tão perto, ainda que mares nos separem. Reais ou não.

Aquela tela apagada, encostada à parede, já havia sido mágica. Lembro apenas que chovia torrencialmente junto a minhas novas emoções. Uma outra página de minha história ou apenas a continuação de um sentimento puro como aquela lágrima?

Sento-me na cama. Tiro meus pés do chão. Num sorriso lanço-me no lençol desfeito. Estou em uma nova história que entre quatro paredes, sempre azuis, começa a ser escrita.

Levanto e enxergo outras faces naqueles mesmos sorrisos a compartilhar a mesma história. Ouço vozes. Reconheço suas nuances. Histórias naqueles pequenos retratos que ocultam algo.

Surgem dois meninos, num sorriso doce como aquela manhã de inverno, nascendo entre quadrados na janela. Percorro as lembranças vivas, me descubro na amizade e seus momentos que seriam a ponte sobre um oceano. Uma nova menina surge, também de branco, colorindo memórias recentes, ao lado daquela. Ao lado dela. Um calor toma o quarto como naqueles abraços.

A sineta toca e permanece. Fim de conversa, mesmo que provisória, mas separada apenas por um sussurro. Um estalar domina meus ouvidos. Procuro entre as teclas um caminho ou a velha cartinha de amor na folha de caderno amassada, lançada ao ar, pousando sob o caderno da amada. As declarações se transformaram. Tornaram-se letrinhas azuis naquela mesma tela e se perpetuaram em nossos arquivos.

Ela permanece ali. Observo a foto atentamente, pronunciando aquelas mesmas palavras que um dia fugiram teclado afora. Uma música se inicia. Sua melodia rápida já conhece os caminhos de minha memória e me conduz pela dança de sentimentos. Minutos de felicidade. A música se apaga. Percebo aplausos lá na sala.

A porta se abre. Entra sorrateira, quase sem barulho algum. Parou ao pé da cama, como se me convidasse. Me ergo e a levanto ao ar. Uma bola brilha sob a luz fraca. Em seu giro encontro outras lembranças, entre os gritos daquelas partidas. O chute forte. Um salto no vazio. Novos gritos.

Volto-me à parede e contemplo aquele quadrado quase retângulo recontar uma história em seus momentos e personagens. Novamente contorno cada face, ouvindo velhos segredos e confissões. Conversas da meia-noite. Ali tão perto que posso tocá-los e viver aquele sorriso. Adormeço.

O sol banha o quarto e seu brilho ilumina minha face. Levanto e percorro as paredes novamente. Procuro algo. Encontro um azul quase infinito. Uma mesa de madeira empoeirada e o antigo monitor. As fotos reaparecem em minha mente num pequeno instante. Paredes vazias.

A lágrima escorre pelo rosto num momento de saudade. Desço às escadas de carpete. Abro a porta da sala. Um vento frio beija minha face. Caminho até o jardim e observo o horizonte de tantos sentimentos. Uma porta aberta indica outro destino, apesar de algumas lágrimas de saudade.

Sorrio. Revivo todos os momentos secretos naquele quadrado quase retângulo e sua magia, naquele quarto e suas quatro paredes, onde desenharei uma nova figura. Um novo destino. Paredes ainda vazias.

Pescador de Olhares
Enviado por Pescador de Olhares em 15/09/2009
Código do texto: T1810887
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