O SUBÚRBIO

O subúrbio ia seguindo se caminho, sem nenhuma modificação às vezes mais acelerado, outras, mais lento. Da janela a mesma paisagem: fábricas, carros de carga da ferrovia e o céu acinzentado. Dentro do subúrbio rostos tristes, sérios, sonolentos. As roupas parecidas: muitas calças azuis. Mulheres, jovens e adultos, todos usam o ‘jeans’ nos mais variados modelos. Alguns se segurando para não cair e os poucos lugares para se sentar, bastante disputados.

O ‘tchém- tchém’ do trem iniciava sua marcha e o ritmo ia acelerando aos poucos.

João estava como sempre, pensativo, meio sonolento, com sua roupa surrada, a barba por fazer. Olhava no vácuo e não via nada. Já fizera esse trajeto tantas vezes, que nada o empolgava. Estava indo para o trabalho.

Acabara de sair de casa, num bairro de São Paulo. Uma xícara de café apressada, um abraço na esposa e nos dois filhos. “Até à noite!”. Lentamente, como é do seu feitio, foi tomar ao ônibus. Novamente subiu a taxa do coletivo, mas nada de melhoramento: sempre cheio e atrasado. Outros, como João, também tinham pressa e assim nada os angustiava. Era a rotina da sobrevivência.

Depois, pegou o subúrbio na estação da Luz naquela correria de gente que sai e não deixa outros entrarem no trem. Empurra e consegue entrar. Após algum tempo em pé, um passageiro se levanta e João senta. Pensa. No quê? Bem, como pagar as contas do mês. O dia dez acabou de passar (era dia quinze) e já nada sobrou. Ora, até que ganhava bem, antes dava para comprar um vestido para a Maria, uns doces para o Zeca e a Cidinha, seus filhos, e agora não dava mais.

O subúrbio continuava no seu ritmo de ‘tchém- tchém” mais acelerado. A visão da janela mudava um pouco, outras fábricas, algumas casas ao longe. Outra parada, Gutinga, faltava algum tempo ainda até Santo André.

José, sem querer perdia-se no tempo e no espaço e voltou à sua terra, lá no sertão de Pernambuco. Era tão bom ali na roça. Seu pai Zé Valhinho, servero, mas muito amigo. Sua mãe Joaquina, uma senhora distinta, quieta, mas resistente. Só podia ser, teve nove filhos: sete homens e duas mulheres. Tudo ia bem, pois o sítio era da família. Plantavam e colhiam alguma mandioca e o resto do tempo, trabalhavam nas fazendas vizinhas na época de colheita da cana. Havia até a vaquinha, a Malhada, um boi, o Dourado e um cavalo é claro, o Bingo. Ah, ia esquecendo do Pinguço, o cachorro que coitado, não podia ver um estranho que abria um latido de dava raiva.

Ali, numa das festanças da primavera conheceu a Maria, uma cabocla bonita de fazer inveja. Dançaram junto e daí pra frente começou o namoro.

A festa do casamento foi um forró com música, comida e bebida para todos os amigos.Simples é claro, mas no sertão a gente fica contente só de ver os compadres.

No entanto, não demorou muito e veio a seca, daquelas que não sobra nem gado, nem lavoura e o jeito foi vir para São Paulo. Despediu-se da família, dos irmãos, alguns também foram embora, cada um para um canto. João e Maria com suas trouxas nas costas, foram de trem, caminhão , ônibus até chegar na cidade grande, a tal São Paulo de quem ouviu falar muito.

Foi duro no começo, mas João obteve trabalho na construção do metrô. Era forte e com vontade de ter seu trocadinho. Encontrou diversos compadres nesse serviço, alguns morreram soterrados, outros aleijados. Acabou o serviço e João foi dispensado.

Outra vez sem emprego, e já nascia o primeiro filho do casal, o Zeca e logo depois a Cidinha. Procurou aqui e ali e conseguiu emprego numa fábrica de sapatos em Santo André. Ficava longe de casa, mas precisava desse trabalho. Semi-analfabeto não tinha muita escolha. Fazia de tudo: varria, carregava coisas, levava recados. João estava feliz, pois, não se cansava com a rotina de serviço constante, o que realizava atualmente o distraía. O problema era o pouco salário.

O subúrbio chegou. Era a estação de Santo André. Aquelas pessoas sonolentas no trem há pouco, de repente acordavam e saíam apressadas. João, antes tão tranqüilo, agora já era também mais agitado. Tinha que se adaptar.

Pegou o ônibus da fábrica e às sete horas lá estava picando o seu cartão...

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Bibliografia:

KALMAN, Regina Dragiça - in CONTOS DO BRASIL CONTEMPORÂNEO,

Org. Reis de Souza, , Ed.Grupo Brasília de Comunicação,

Brasília, 1991, Vol. VIII, p.71.

Conto selecionado no IV Concurso Nacional de Contos - 1991, obtendo Diploma com o prêmio "Destaque Especial".