O PADROEIRO

O PADROEIRO

A principio, inventaria uma desculpa a si mesmo, romperia consigo e magoado bateria em seu próprio rosto: “Tu não presta pra nada mesmo"...

O canto da casa enfeitava com caroços de manga e sementes de cannabis colhidos no quintal. Era o sábado recebendo-o com gracejo e sarcasmo. E a voz do Seu Valdivino cantava inaudivelmente por toda a avenida, perfurava as paredes da igreja Preciosíssimo Sangue, pulava os muros do Colégio Dom Milton, invadia os casebres da invasão abortada há pouco tempo, fervendo feito a panela de pressão das dez da manhã, quebrava as grades da 2º CICOM e ia esbarrar no semáforo da Preciosa.

A janela do quarto entre aberta, por onde respirava. O inicio do dia convidava-o a um novo suicídio, três litros de Cinquenta e Um vazios sobre o carpete empoeirado e sorrisos escapando das bocas dos copos vazios, bocas e línguas canibais, assassinas de suas almas.

A tela muda de uma guerra que não cessa, agarrou-lhe pelo braço esquerdo e pôs uma aliança de cobre em seu dedo médio para dançarem junto um tango argentino malogrado, cheio de dor e harmonia que ele no alto de seus vinte e um anos não conseguiria compreender sozinho.

Valdivino era o único que mais se parecia com ele, sempre conversando sozinho, as pessoas franzindo a testa em sinal de incômodo: “é um bêbado! ". O som da boca de ferro alcançava a mesma distância de suas caminhadas diárias.

Nos dias de sorte nem precisava pedir, encontrava em meio à correria de quem não tem tempo de olhar o chão, uma moeda de Cinquenta Centavos e garantia seu café da manhã, “uma dose de cinquenta!”. Ai era só juntar-se aos demais companheiros na biqueira da feira para darem inicio aos discursos de todas as reuniões do sindicato, eram causos, aventuras amorosas, dinheiro, brigas, assassinatos, lembrança dos filhos crescidos e bem sucedidos e o preparo do caldo amargo de jaraqui que iria pro lixo, tudo muito sério. Encerravam felizes, cada um pro seu lado, os mais espertos com as sobras nas mãos e no bolso...

Ele com seu boné velho do candidato que elegera aos dezesseis anos quando ainda era cidadão amazonense e um Corote pela metade no bolso do calção frouxo, empurrado pelos chinelos Havaianas gastos, indo sorrir de si mesmo se embalando na rede que sustentava seu peso jovial de embriaguês doentia e felicidade neurocirrótica de sua alma envelhecida que paria os netos que jamais conheceria...

Mao, jan, 08

Rojefferson Moraes
Enviado por Rojefferson Moraes em 20/03/2011
Reeditado em 21/10/2017
Código do texto: T2860471
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