Admiradora dos valores morais e direitos sociais, aquela família não media esforços em conquistá-los e preservá-los. Eram todos amigos: pais, filhos e pessoas próximas. Dessa carinhosa amizade vinha o motivo de investimento, sem obstáculos, numa vida comum a salvo dos distúrbios que abalam tudo na natureza. Admirada por todos, inspirava poesia que desdobrava em audaciosa melodia.
Ser feliz é uma questão de querer ser, e a felicidade está em cada um. O desafio permanente é expressá-la, renová-la dia a dia. Tal possibilidade implica superar dificuldades, preocupações circunstanciais, e concentrar a observação na maravilha que é viver e dispor das faculdades humanas. Todos são chamados à responsabilidade: crianças, como criança; adolescentes, como adolescente; adultos, como adulto; e os idosos, como as pessoas de experiência mais alta.
Assim viviam os Gondos.
Duque Gondo, o chefe da família, era o administrador da própria empresa. Cristina, a esposa, era professora de crianças numa escola próxima à sua casa. Kiko e Karina, os filhos, eram estudantes, e os sobrinhos Kaká e Kênia, estagiários. Moravam numa cidade litorânea chamada Funkia.
A empresa ia bem sucedida. A professora Cristina era um espelho para os alunos. Dedicada e eficiente, sem esquecer as atribuições da esposa e mãe. Dizem que por trás de um grande homem sempre existe uma grande mulher. Mais acertado seria dizer que, na frente de uma família feliz, vencedora e de bem, assiste sempre uma mulher equilibrada. Manter o equilíbrio é virtude que contagia o convívio e faz com que, como ali, todos desenvolvam suas atividades a contento. Organizada e previdente, Cristina acha, na própria rotina, ocasião de cativar o marido por meio de uma vívida atenção:
- Duque, hoje chegarei mais tarde. Tenho algumas coisas para resolver depois da aula.
Como em correspondência aos modos de se tratarem os pais, Kiko e Karina tomam em conta o interesse dos primos naquilo que podem partilhar:
- Vocês não gostariam de ir conosco à festa de aniversário do professor Kajuruna? – convida Kiko.
- Vai ser no sítio do Diretor, bem próximo daqui. – completa Karina.
Aquilo soou como se Kaká e Kênia estivessem até esperando. As amizades dos adolescentes já haviam avançado, para além dos pequenos círculos no interior das turmas, e promoviam aproximações nunca imaginadas.
- Sim, com certeza, vamos nessa! – respondeu Kênia.
- Certamente aquela filha do Diretor deve estar lá, não é? - considerou Kaká.
- Ela está caidinha pelo Kaká – cochichou Kênia aos primos.
- Vá! Não é ela que gosta de mim. Eu é que gosto dela! – corrigiu o rapaz.
- Vamos! – por fim anuíram – Vai ser um bom programa.
Caminhos comunicação... Por onde haverão de passar? Aprazível lugar, esse em que se supõe harmonia entre os comandos internos e a ordem promovida em volta. Desafio para os adolescentes. Os especialistas afirmam que adolescentes quase sempre se veem num palco, diante de uma plateia imaginária, sob a luz implacável de um holofote. Retraídos, baixam a cortina e se escondem num mundo particular. Na verdade, querem ser independentes.
E foi justamente a ocasião propícia àquele grito de independência, que a festa do professor Kajuruna proporcionou. O encontro dos jovens, ultrapassando a barreira das conveniências de adulto, formou um mar, onde pulula em frenesi a vida. De dentro das pessoas, com força, as emoções surpreendem, com mudanças que não conhecem resistência. Esse ímpeto notório no desenvolvimento humano, mesmo onde reina, ameno, aquele clima da boa convivência, copia o fragor das mudanças repentinas na própria natureza.
Há mudanças em Kiko. O pai, atento, já começou a notar. São próprias da idade. O melhor é tratar de se comunicar de forma mais apropriada ao estado sinalizado pelo aspecto do filho. Já está um rapaz. Eis por que Duque Gondo o chamava para fazer caminhadas, realizar passeios, praticar esportes, a fim de manterem a boa conversa, em que sentiam a terra firme da confiança.
Kiko passou a trabalhar, com a melhor disposição, na empresa, com o pai. Karina, por sua vez, boa menina, inteligente e educada, certo dia deixou de ir à escola.
- Mamãe, hoje não estou me sentindo bem. Posso ficar em casa?
- O que está sentindo filha?
- Não sei, mamãe. Talvez apenas uma indisposição passageira.
O mal-estar impôs-se, e a mocinha manteve-se no quarto, a ouvir músicas suaves. Com o embalo da melodia, foi relaxando. E pegou no sono.
Em sonho, sentiu-se tomada de intensa agitação. Era sacudida, sem saber por quê. Gritava, mas era como se nenhum som saísse de sua garganta. Na agonia pelo medo de sufocar-se, acordou. Vivera um pesadelo
Pôs-se de pé. Mas, que coisa estranha! Tudo balançava à sua volta. Os vidros vibravam. As portas batiam. Objetos despencavam. Ruídos, rangidos, estampidos, estrondos. Tudo era violentamente sacudido, destruído e arrastado.
Na empresa, vendo o tumulto das pessoas em aflição e a destruição que se abatia sobre a cidade, Duque Gondo saiu correndo na direção de casa. De longe lhe chegaram os gritos da filha:
- Papai! Mamãe! Que pesadelo é este?
Conquanto se tratasse de homem experimentado no rigor de fortes emoções, Duque Gondo, em prantos, abraça sua Karina, procurando forças e palavras com que acalmar a filha:
- Minha querida, é um pesadelo sim! Um pesadelo real. Nossa cidade está sendo destruída. Estamos sendo atingidos por uma catástrofe. Sentimo-nos indefesos, tal a força da natureza.
- Mas papai...
- Não se aflija, filhinha! O Papai está aqui.
- E a mamãe? E os meninos?
- Sua mãe sabe se cuidar. A essas alturas deve estar muito ocupada com as acrianças na escola. E os meninos já estão grandes. Aliás, você também, ficou uma mocinha muito corajosa!
- E agora, papai?
- É aguardar! Esses abalos são fortes e graves, mas são passageiros. Vamos, fique quietinha, viu? O papai vai ficar...
- Seu Duque! Seu Duque! – Os gritos vinham do portão de entrada, mas Duque Gondo, sentado na beira da cama de Karina, de cabeça baixa, e não ouviu.
- Seu Duque! Seu Duque!
- Papai, alguém estão chamando lá no portão – disse Karina.
Duque Gondo como que foi despertando. Levantou a cabeça. Viu que os estrondos e os tremores haviam passado. E dirigiu-se à entrada. Era a diretora da escola onde Cristina trabalhava. Estava acompanhada da secretária.
- Ô seu Duque, não sabemos como lhe dizer.
- Pressinto – disse Gondo, voltando a baixar a cabeça.
- O prédio da escola não aguentou. Arriou, seu Duque. Ela salvou quase todas as crianças, mas...
- Eu sei... – e foi voltando para entrar de novo em casa.
Dentro daquele homem, o abalo sentido foi-se transformando num pesado sentimento de impotência, que ele quase nem podia carregar. Como dar a notícia à filha? Na porta da sala, ele ouviu o celular, sobre o criado no quarto da filha. Ela mesma atendeu. Ainda na sala, ele ouviu o grito agudo de Karina:
- Não! Pelo amor de Deus, não! Não!
Era a notícia, da outra escola onde estudavam o irmão e os primos. Na primeira chamada dos alunos, após os tremores, entre alguns outros, Kiko, Kaká e Kênia não tinham respondido. Estavam entre os desaparecidos.
Esquecida do mal-estar que lhe evitou a ida à escola naquele dia, Karina veio chorando para a sala, onde encontrou, sentado, o pai desolado. A troca de informações não pôde ser mais dolorosa. Assim mesmo foram todos para o Liceu. Lá já se encontravam os bombeiros, com as ambulâncias e os paramédicos. Por baixo de uma parte do teto e grandes pedaços de paredes caídas, foram encontrados os três jovens, já sem vida.
A desolação foi completa.
A vida segue.
Duque Gondo faleceu 15 anos depois, num acidente de avião. Karina sofreu muito também com a ausência do pai. Agora, está casada com o economiário Takaka. E a alegria retornou para Karina, com o nascimento da linda Kristiane, durante cujo crescimento a mãe teve com quem abrir-se em diálogos, os mais reconfortantes.
Nessa calmaria prazerosa, como sucede depois dos fortes vendavais, Kristiane, inteligente que era, não demorou a questionar a ausência dos avós maternos.
- Mamãe, como era o vovô?
- Querida ele era um homem de estatura mediana, cor morena, tinha bons relacionamentos e grande o coração.
- E a vovó?
- Era uma mulher forte, corajosa, amável e incansável. Estava sempre pronta e disposta a se doar em favor de alguém. E digo mais, você tem muitas semelhanças com a sua vó.
- Mesmo mamãe? Fico tão feliz! Mas por que a senhora está com os olhos cheios d’água, hein, mamãe!
- Pessoas boas, como seus avós podem ser colhidas da vida de forma súbita e triste demais!
- E foi assim com eles?
- O avião em que papai viajava caiu. Nós estávamos no aeroporto esperando-o, quando chegou a notícia.
- Isso é doloroso, mas comovente.
- Filha, você está surpreendendo a mamãe. Por que “comovente”?
- Mamãe o vovô não estava sozinho. Ele se foi junto com muitas outras pessoas. A dor é repartida.
- Eu nunca tinha pensado nisso.
- E a vovó?
- Foi vítima de um terremoto. A escola onde ela estava trabalhando desmoronou.
Essa breve compreensão sobre sinistros, pelo abrangência coletiva de suas consequências, foi sendo ampliada pelo espírito atilado de Kristiane, na escola.
- Professora Kimie, que são os terremotos?
- São sismos ou tremores bruscos e passageiros que acontecem na superfície da Terra em decorrência de choques subterrâneos das placas rochosas da crosta terrestre. Também causam tremores os deslocamentos de gases e as atividades vulcânicas. Isto provoca a vibração do solo, a abertura de falhas, o deslizamento de terra e os tsunamis. Além desses efeitos naturais, temos também os efeitos prejudiciais ao homem como ferimentos, mortes, prejuízos financeiros e sociais, bem como desabamentos de construções. Embora haja a trágica perda de vidas e muita devastação na terra, esses tremores não estão ocorrendo devido a nenhum tipo de carma, punição ou castigo. Sabe-se que a Terra está passando por uma transformação, então é natural isso acontecer, porque são necessários o equilíbrio e o alinhamento do nosso planeta. O terremoto não é um fenômeno estritamente natural. Ele pode ser provocado pela ação maléfica do homem. À oportunidade, tenho uma informação recente. A ciência ainda não consegue prever os terremotos, contudo, está obtendo uma nova arma para estudá-lo. Trata-se de um recurso cibernético. Um software criado pela Universidade Stanford que, instalado no computador, mede a atividade sísmica da localidade e envia informações aos cientistas.
Assim, a exposição da professora valeu para aqueles alunos tomarem consciência a respeito do assunto e saberem que há a esperança de que os terremotos no futuro poderão ser evitados.

Maria Loussa
Enviado por Maria Loussa em 21/03/2011
Reeditado em 08/06/2011
Código do texto: T2862581
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