A cigana me enganou

Alice acreditava que sua história seria escrita por ela mesma, que destino era apenas banalidade, brincadeirinha de criança.

Aos 9 anos ela acreditava em fantasmas e juntamente com eles todas as coisas do mundo da fantasia, ciganos, papais noéis, coelhinhos da páscoa... ela acreditava em tanta coisa...

Numa tarde de primavera foi à uma cigana de um circo da cidade e a cigana toda cheia de paramentos lhe falou:

- A vida é escrita com uma caneta mágica, nada se pode apagar, todas as coisas escritas por essa caneta ficarão para a eternidade e ficarão gravadas na história, então menina, um dia de inverno, numa cidade grande um homem aparecerá e através dele que você conhecerá o amor verdadeiro, não acredite em qualquer coisa que lhe oferecerem, não acredite em tudo que te dizem, acredite em seu coração, ouça-o, ele tem muito a te dizer doçura. Vá adiante em teu propósito.

Na época Alice não entendeu nadinha, pagou a mulher e foi-se embora, pensando, tentando refletir sobre aquilo. Anotou na página do diário daquele dia a seguinte frase: "Num dia de inverno aparecerá o homem da minha vida!"... anos se passaram, Alice esqueceu daquilo tudo? De jeito algum... cada ano o inverno era a estação que mais se demorava a vir, e por isso mesmo a que mais rápido ia embora.

Alice hoje teria seus 28 anos, muitos sonhos quebrados, muitas alegrias despedaçadas, muitas tristezas prolongadas, muitos namoros começados em invernos que nem chegavam à primavera. Ela já não acreditava na cigana... hoje fazia muito mais sentido o começo da conversa da mulher... que ela não deveria acreditar em todas as coisas

que dissessem a ela.

A madura Alice queria saber de ganhar dinheiro, era bem sucedida, advogada da vara de família, trabalhava em um escritório respeitável de advocacia, tinha uma casa confortável, móveis caros, carro do ano, ternos de pessoas famosas, e muitas garrafas de whisky no bar. Frequentava a academia cinco dias por semana, mantinha um corpo invejável, mas já a muito não tocado por um homem. A moça não tinha tempo pra essas besteiras- palavras dela mesma. Sua família pouco a via, afinal, se queria ter dinheiro não podia se dar ao luxo de visitar seus velhos pais e seus sobrinhos cheios de mãos engorduradas. Ela fazia o melhor que podia, mandava um bom dinheiro pra sua mãe por

mês e se comprometia a falar com a senhora uma vez por semana. A anos não via todos pessoalmente.

Uma fria manhã de inverno Alice vai fazer sua corrida matinal pela praia, ela não olhava o mar e nem nada, mas pelo menos corria... seu corpo era seu instrumento de trabalho, precisava estar impecável. De

repente ela dá uma trombada em um homem correndo na direção oposta, ela cai no chão e machuca o tornozelo, o homem? Ajuda para que ela se levante, pergunta se ela quer alguma coisa. Mediante ao pé inchado ela pede que ele a ajude a chegar ao kiosque mais próximo, pegar um gelo, ver como está a situação do pé. Ele sorridentemente a leva até a barraquinha, colocá-a numa cadeira e diz: "Sou médico, deixe examiná-la menina!". Ela pensa:"Paciência, fazer o que, né?". Enfim, ele diz que é melhor que ela não coloque o pé no chão, pode ser apenas uma luxação, mas pode ter quebrado o pé. Ela nesse momento fica nervosa... - quebrar

o pé? Como assim? Com um tombo besta desses? Preciso ir trabalhar... sem chance de faltar hoje - Ela agradece e diz que não poderá ir a um hospital não, precisa sair rápido pra trabalhar. Mal se levanta e uma dor muito forte a toma e jogá-a novamente no chão. O médico ali a observar a cena a pega no colo e chama um táxi. Carrega Alice para um hospital próximo, é prontamente atendida ao chegar lá e percebe que o hospital todo trata aquele homem com bastante respeito.

Ela, na hora da radiografia fica sem graça afinal nem perguntou o nome do homem, que deve beirar uns 50 anos aparentemente, saindo vira-se para ele e diz: "Alice, muito prazer!". Ele mais uma vez sorridente estende a mão e diz: "Marcos, o prazer é meu menina!", dizendo isso foi empurrando a cadeira de rodas que ela se encontrava para a sala de gesso, a jovem havia fissurado o

osso da perna...

Ele pede os dados dela e diz que pode ficar tranquila com a conta do hospital, ele mesmo pagará. Ela disse que não se incomodasse, ele insiste e a convida para tomar um suco de laranja. Ela aceita então... No meio do suco eles estão conversando e rindo muito, ele se oferece para ir ao escritório dela caso seja necessário pegar ou levar alguma coisa, trocam telefone... ela só se chateia com uma coisa... toda hora ele sorri e a chama de menina...

A jovem vai embora, fica em casa por 15 dias com as pernas para cima, tomando remédios. Voltando ao hospital é muito bem recebida pelo ortopedista de plantão, que retira o gesso, verifica atentamente o pé, o tornozelo, a fissura e os olhos da moça. Se apresenta a ela: "Sou seu médico agora, doutor Matheus! Pode deixar que vou cuidar muito bem de você Alice, se é que não se importa de chamá-la pelo seu primeiro nome". Nessa hora Alice, muito preocupada com seu tornozelo olha nos olhos verdes, penetrantes de seu ortopedista, um homem na faixa da seus 30 anos, moreno, corpo atlético, alto, mãos grandes e macias. Ele a tocava no braço enquanto ia explicando seu quadro. A moça, pensando em outros quadros com aquele rosto, parecia um anjo, de feições bem marcadas, mas ao mesmo tempo intenso. Nesse momento Alice não escutou muita coisa não, só a voz grave, firme, tranquilizadora ia penetrando seus ouvidos. O médico disse que ela estava muito bem, mas para ter cuidado e em hipótese alguma correr nos próximos três meses.

Alice agradeceu e já ia saindo da sala quando o Doutor Matheus a chama:

- Alice, podemos falar de outro assunto?

- Claro Doutor, podemos sim... é a conta?? Onde que eu devo pag...

Soltando uma gargalhada gostosa MAtheus a interrompe:

- Não, não é isso, e por favor, chame-me apenas Matheus. Pela sua ficha você tem apenas um ano a menos que eu... o que eu queria perguntar é se você gostaria de tomar uma água de côco comigo, na beira da praia, já que não poderá correr mesmo, olhar o mar pode!

Ela, muito sem graça:

- S-s-sim, aceito sim... mas quando?

- Agora!

- Mas o senhor, er... quero dizer, você... não está atendendo outros pacientes?

- Não, e além do mais temos outro ortopedista de plantão. Vim apenas para me certificar de que você estava bem.

Ela surpresa:

- A mim? E porque especificamente eu?? Não compreendo!

- Vamos até a praia, lá te explico isso e mais qualquer coisa que queira. Afinal, a primavera chegou e está lindo o céu... não dá pra perder esses espetáculo.

Chegaram à praia em poucos minutos, foram de carro, apesar de próxima do hospital Alice não estava podendo andar direito ainda, mancava. Matheus preferiu levá-la de carro.

Já na praia Matheus contou a ela que havia se formado a dois anos em ortopedia e que resolvera trabalhar no hospital do pai, que era médico também... que por isso ele resolvera se encarregar do caso de Alice por ter sido seu pai o culpado dela estar ali, com gesso.

Alice começou a rir e entendeu tudo... o pai de Matheus era Marcos. E se sentiu envergonhada mais uma vez... pensou que aquilo era um flerte, mas não, era apenas uma conversa pra ter certeza que ela estava bem, para garantir ao pai a boa impressão de sua pessoa.

Matheus então falou:

- Será que uma mulher tão bonita, de cabelos castanhos, olhos cor de mel, pele morena, corpo em forma, pernas e mãos bonitas... e um rosto encantadoramente meigo teria um namorado?

- há, há, há... não, não tenho, mas não se preocupe, não vou processar seu pai pelo tombo não.

- Quê? Não estou te entendendo!

- Ah, você me chamou pra tomar a água para se certificar que tive uma boa impressão de seu pai, não é verdade?

- Claro que não, eu não tenho nada a ver com isso, ele sim. Te convidei porque estou interessado e, casar e ter filhos com você, já que prefere as coisas diretas assim, eu digo...

Ele ficou sério, ela, percerbeu a bobagem toda que havia acabado de dizer e pensou no que o Doutor estava soltando...

- Não, não tenho namorado não. Desculpe!

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Alice acorda, olha para o lado, lá está seu marido lindo, sua lua-de-mel não poderia ser mais perfeita, foram para uma cidade bem fria, onde todos os dias seriam inverno... e pensou... é, um homem me mostrou meu amor verdadeiro no inverno, mas foi meu sogro, meu querido sogro Marcos, me levando pros braços de meu querido e amado esposo, meu Matheus. Quem diria que uma cigana iria dizer coisas tão sábias a tanto tempo atrás? Ah, mas ela disse de uma form abastante enigmática, como eu poderia imaginar que um me apresentaria o outro?

Nesse momento, recebe um abraço e um beijo arrebatadores...

o dia está claro lá fora, mas ali, naquele quarto ainda é noite, e noite alta... faltam muitas horas para acabar.

Luandra Russo
Enviado por Luandra Russo em 04/01/2007
Reeditado em 07/01/2007
Código do texto: T336553