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Cabelinhos de São João


 
Cabelos lisos como barbantes emolduravam
a face de Marília, a menina ruiva perto dos
seis anos de idade.

Queria porque queria fazer permanente –  algo
que no passado era feito em salões de cabeleireiros  para enrolar os cabelos.

Os preparativos para a Festas Junina
mobilizavam todos – herança dos avós oriundos
do interior de São Paulo.

Bandeirinhas, coleta de gravetos e lenha para a tradicional fogueira, fósforo de cor,  balõezinhos chineses,  chapéus enfeitados, vestidos rodados adornados de rendas e fitas.

Para os meninos remendos improvisados
colocados na altura dos joelhos nas calças compridas, gravatas improvisadas, botinas de couro.

Nos finais de tarde, quando as famílias se reuniam  para prosear na calçada o assunto eram os pratos que seriam preparados para a festa junina – paçoca, batata-doce, pinhão, canjica, arroz doce, curau, bolo de milho, pé de moleque, cuscuz , pipoca, maça do amor, milho cozido,  pamonha, quentão, doce de abóbora, rosquinhas  de São João, biscoitos de polvilho e muito mais.

Que delícia!

As crianças  ouviam atentas as receitas.

- Mãe você faz pipoca colorida e maça do amor?

Pediu Marília.

- Ah  tenho um outro pedido - queria tanto uma caixinha de fósforo de cor, daqueles que quando acende sai um monte de estrelinhas!

Está bem filha, seu pai vai trazer - disse  
admirando o brilho nos olhos da menina.

Vaidosa,  naquele ano Marília ganhou um vestido florido tons laranja, mangas curtas bufantes,  com um largo cinto de fita amarela, duas camadas de babadinho arrematados com fitas azuis e vermelhas.

O  saiote engomado dava a graça no traje completado  com o chapéu de palha amarelo claro com duas trancinhas azuis. 

Para irmã mais nova o mesmo modelo, porém em tons azuis.

Já o caçula, ä época com três anos ganhou 
alguns remendos na calça desbotada.

A mãe se esmerou no preparo das roupas!

A festa no bairro seria dia 24, para festejar
 São João.

Armando o pai de Marília, com ajuda dos vizinhos  preparava  as imagens estampadas na lona de
algodão  dos três santos festejados – Santo Antônio, São João e São Pedro.

Montavam com capricho uma grande fogueira
no terreiro de chão batido.

A  barraca improvisada adornada de
bandeirinhas e balõezinhos chineses, a mesa repleta de guloseimas  era o ponto de encontro
da alegre confraternização.

No eucalipto - com uns dez metros de  comprimento pregavam o  triângulo de madeira com as
figuras festejadas.

No dia da festa,  após o terço ergueiam   o
mastro para fincar no terreiro, onde ficaria até o ano seguinte.

- Viva Santo Antônio!
Viva!

- Viva São João!
Viva!

- Viva São Pedro!
Viva!

Após a saudação, hora da   tradicional dança “Quadrilha” – os casais vestidos para o casamento caipira transbordando a alegria marcavam os passos  ordenados ao som da sanfona – caminho da roça, chuva, damas de um lado, cavaleiros de outro....

Na antiga vitrola cor marfim  o “ Long  Play” de Mario Zan , um grande acordeonista brasileiro falecido em 1986, cujo repertório enfoca as canções  tradicionais para as  festas juninas, inclusive marcação de quadrilhas.

Marília aprendera a amar São João Batista
com a avó Maria, devota do santo.

Quanto a avó lhe mostrava a  imagem plácida
do santo de cabelos encaracolados, que segundo as escrituras batizou Jesus, trazendo nos braços um cordeirinho ficava  maravilhada.

No meio da animação Marília  deixa as
amiguinhas na brincadeira de rodas, segurando
com cuidado a caixinha de fósforos de cor, procura pela mãe.

- Mãe!

Repetiu inúmeras vezes, pois a animação geral somada com a cantoria e o som do sanfoneiro  dificultava o diálogo.

- Mãeeeeeeee!

Vem cá!

A Tininha me disse que no dia de São João bem
na meia-noite, quem corta as pontas dos cabelos eles ficas enrolados para sempre!

Eu quero!

- Mãeeeeeeeeee, escuta que horas são?

- Dez e meia Marília, mais porque este desespero?

- Corta as pontas dos meus cabelos a meia-noite, como fez a Tininha, eu quero os meus cabelos enrolados!

Corta!!!!

A mãe, sem saber o que dizer e vendo a insistência da filha, foi até o quarto de costura procurar uma tesoura.

- Ao retornar a filha esperava na porta de entrada da casa.

- Mãe, não pode passar da hora!

- Meia-noite!

A partir daquele momento Marília não desgrudou da genitora. 

A cada cinco minutos perguntava  pelas horas.

- Vem Marília, falta dez pra meia-noite, já que você quer mesmo cortar as pontas dos cabelos,   vamos esperar a hora lá no alpendre.

Inesquecível a cena.

Uma toalha branca cobria o ombro da menina, que sentada na antiga cadeira de palha esperava o mágico instante.

Quanto faltava um minuto, a mãe preparou a tesoura e zapt!

À meia-noite cortou as pontinhas dos cabelos da filha.

Marília voltou feliz para as brincadeiras.

Na festa do ano seguinte  exibia os cabelos encaracolados.
 
 
(Ana Stoppa)



( baseado em fatos reais, anos 60)
 
 
 Marcação de Quadrilha - Mário Zan

http://www.youtube.com/watch?v=HY584SvwViQ

Festa na Roça, Mário Zan - O maior símbolo das canções juninas de todos os tempos ( saudades)

http://www.youtube.com/watch?v=hvZWn3O7YFs
 
 
 
 
 

 
 

Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 24/06/2012
Reeditado em 25/06/2012
Código do texto: T3741836
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