Décadas perdidas

Começa de tal parte. A moça levou a visita à sua casa. Ambas pessoas entraram, e enquanto a moça dizia à visita para que se acomodasse foi andando até a cozinha, puxou pela geladeira e fragmentou o refrigerante em parte para seu copo, e de lá mesmo perguntou se a visita desejava algo pra beber. A visita aceitou um suco de abacaxi com hortelã (líquido que não devia por estar na geladeira da moça, ela não gosta sabe? Mas... nesse dia estava. Por algum motivo.)

Sei que, fragmentou-se o suco para outro copo e a alheia foi tomando devagar, em meios olhares, em meias conversas.

A moça parara na entrada que dá para a sala, encostou-se na quina da parede e a visita ali no sofá, bem de frente. Cruzaram-se os pés. Sinais de charmes involuntários.

Havia um quadro na sala, nesta sala em que estavam a moça e a visita. Quadro grande, moldura jovem,e a visita queria ver com atenção, mas ela se contorcia pra não deixar rastros de curiosidade.

A moça percebe e diz: "porque não atentas para melhor observar como me tinhas? Remember me!"

O quadro era uma foto, da moça, em sua juventude... Aquela face meiga, atemporal sabe? Um sorriso apaixonante. Crédulo, entregue.

A visita, com o aval, passou a observar. Ridícula visita não? Até que a moça - vale descrevê-la - já aparentava aquela firmeza, aquele ar de destemida, de segura, de mulher. A moça era na verdade uma mulher. Será. Encontrava-se dentro de uma calça social, preta, listrada com branco, listras delicadas, discretas. Vestia-se também com uma blusa simples, cor branca, blazer escuro com as mesmas listras, descritas, discretas, cobrindo a simplicidade da blusa branca. Sapatos pretos, delicados e bonitos, eu não sei nominá-los. Não entendo deles percebe? Mas passei a apressiá-los. Sim, continuando, ainda na mesma idéia de abandono às maquiagens, a moça detia sua beleza à naturalidade, mas sempre bela, diferentemente bela. Cabelos soltos, cores? Não! Olhe o quadro, ou pergunte a visita.

A visita, não descrevo. Como narradora onisciente e participante parcial, tenho esta em minha mente, descrevê-la é um erro ou perspectivas de erro.

Ambas pessoas sentadas no sofá, cada qual em seu cada um, ainda que uma em propriedade e outra em posse. Detalhes lerdos. Ditos porque são metaforizados. Ok?

A moça, ainda que formalmente vestida, portava-se a vontade, com seu copo na mão, envergada, e a visita introvertida. Como sempre. Papo? Parecia diálogo de surdo-mudo. Olhos eram objetos, e o direito que predominava? Direito subjetivo. Eu sei que você atentou perfeitamente pra essa frase não é intratável?

Eu não sei direito como contar o caso, mas vou chegando lá, como aqueles narradores de prosas nordestinas, revestidas de mistério.

Continuando, ambas pessoas estavam nesses sofás distintos. Já dá pra saber que a visita era de mesma faixa etária. Só que a saliência para a idade adulta sempre foi seu "forte". Então, a visita era precoce, embora passasse desapercebido. Se conversasses com inteligência (desenvolvida), percebias seu alto nível... perspiscaz, anatômico, contido e ferozmente malicioso. E a moça, mulher, já dava conta. Adrenalina ainda melhor, tesões aguçados.

A moça pergunta como anda a vida, a visita responde: "trabalhos dedicados, honrados, somados com a intenção da profissão e subtraídos com a tensão da mesma, resultando em paixão contínua." Como sempre, a visita, com equilíbrio, inteligência desenvolvida, atendia à moça com prepotência.

A moça olha ao copo e olha a visita. Baixa a cabeça contida, subentendida. E espera. Entre respirações, a visita se impõe e comenta: "casada?" Ora, a aliança já dissera para a visita, mas o obejtivo final se instalou indiretamente. "Feliz?" A moça responde: "Sim, casei-me com fulano, ainda não tenho filhos. Nos damos bem, tratarmos das mesmas causas sociais e com as mesmas metodologias." Cruel a resposta? Modernidade. O afeto se perdeu. Agora é arcaísmo. Mas, virou arcaísmo bem utilizado depois dessa resposta. Três décadas vividas por cada pessoa ali. Ninguém era bobo que não notasse energias intangíveis à luz. Advinha o ocorrido? Entreolhadas, testes de fidelidade, fogo na idade da pedra, reação de descoberta... fatal beijo.

Nathanaela Honório
Enviado por Nathanaela Honório em 18/06/2007
Reeditado em 01/07/2007
Código do texto: T532278
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