GENTE QUE BABA
Chegou à casa de Branca e Marcos uma criatura esquisita: Preguiçosa (só se alimenta e dorme), sem educação ( solta flatos e arrota sem pedir desculpas), porca (vive sujando as roupas e a cama), e ainda por cima esnobe (não cumprimenta ninguém).
Como se não bastasse, a criatura baba; é analfabeta; faz ruídos estranhos com a boca e tem dois detalhes físicos marcantes: é banguela e sua cabeça exibe falhas capilares. Vi todos esses particulares no primeiro contato, quando todo o mundo a cercou curioso, como se ela tivesse caído de um disco voador. Cheguei a crer na hipótese.
Acontece que Branca e Marcos amam a criatura. Seriam capazes de morrer por ela, se necessário. Coincidentemente, as outras pessoas também a amam. Com tanto amor, todos lhe dão um crédito de confiança: Ela vai tomar jeito, ser educada, higiênica, simpática, terá uma linda cabeleira e dentes sadios. Também será trabalhadeira, estudiosa e sem cacoetes. Perderá essa mania de babar.
Adquiridas todas essas virtudes humanas, a criatura da casa de Branca e Marcos terá provavelmente algumas paixões. Mais tarde um grande amor, uma vida a dois e finalmente uma ou mais criaturas exatamente como agora ela é, com seus poucos dias de nascida.
Confesso que também amo essa criatura. Ela me toca e desarma, como faz a todos que a rodeiam. Posso concluir, sem constrangimento, que nós adultos temos algo em comum com a Êmile: Babamos... babamos por ela.